terça-feira, 27 de dezembro de 2011

DA MANJEDOURA AO CONSUMISMO

DA MANJEDOURA AO CONSUMISMO

            O mês de dezembro é atípico. Em semiótica, dir-se-ia que é eufórico e não disfórico: época de alegria e festas. Houve um tempo, em minha vida, que a família começava a festejar desde o dia primeiro desse último mês do ano: passeios, festas, compras, bons vinhos, champagne.
            É preocupante o que se fez com dezembro. O Natal, por exemplo, deveria ser uma data ungida de religiosidade, orações. Todavia, o monstro do Consumismo, com sua força, transformou o Dia Santificado, em uma época, cujas vendas batem todos os recordes, para a euforia do comércio.
            Algo positivo é o aumento dos empregos temporários, possibilidade de sobrevivência. Quanto às crianças, houve uma deformação total. Para elas, é quando se ganham presentes. O Natal torna-se o mais trágico fator que demonstra as grandes diferenças socioeconômicas.  Basta comparar os presentes das várias classes sociais.
            Outro sintoma da síndrome natalina é o pantagruelismo, quando se preocupa em beber e comer bem, e no exagero da gula, dá-se algo bizarro. Como nosso Natal é alicerçado em lendas europeias, tempo de muito frio, neve, renas, Papai Noel descendo por possíveis chaminés, acontece algo esdrúxulo.
            O Natal, no Brasil, é no verão, com muito calor e alguma chuva. Mesmo assim, as lautas ceias continuam ao estilo europeu, com castanhas, massas, vinhos, caldos quentes e chocolate. Como rever isto? A reunião familiar é algo positivo, mas enfatizando o amor, a união, a religiosidade.
            Quando o final do ano vai chegando, deveria também surgir a necessidade de fechar para balanço, no sentido conotativo. Antes do Novo Ano, em recolhimento, fazer uma auto-análise dos erros e acertos, preparando-se pra o ano seguinte. Em grandes metrópoles, tem-se o hábito, na passagem de ano, de picar papéis e atirá-los do alto dos prédios.
            Ora, o ato tem um significado diverso: expurgar o acessório, limpar a alma das tolices cometidas expulsar sentimentos de ódio, de tristeza e de falimento, pensamentos pessimistas, inseguranças, tristezas. Entrar no ano seguinte com o pé direito e tudo que a metáfora da expressão inspira: coragem, otimismo, alegria, fé, sonhos, muitos sonhos.
            Os que se despedem do Ano Velho e entram no Novo com as mesmas fraquezas, com a lama ainda vestida com os farrapos da tristeza, das antigas frustrações, os eternos medos e a descrença, não podem esperar muito. Será, de novo, uma dramática e morosa descida aos infernos.
            Assim, as festas natalinas, os réveillons, tudo é motivo de alegria, porque lembram renascer, recomeçar, vencer barreiras. Imagine o Primeiro do Ano com uma faixa, onde estão os dizeres: Vida Nova! É um Templo de Possibilidades, que tem no umbral, não o aviso do inferno de Dante: “Lasciate ogni speranza voi ch’entrate” (Deixai toda esperança, vós que entrais) , mas uma mensagem de mudança, de vida nova.
            Poder-se-ia até imaginar o Templo do Ano Novo, com as seguintes palavras no limiar de sua grande porta: “Deixai toda a infelicidade, que, porventura tivestes”. É só dar, com firmeza, um passo, munido das mais firmes intenções e uma nova era recomeçará.

           

8 comentários:

  1. Ely,
    O homem tem, por princípio, a satisfação. Regula a realidade dos vínculos familiares com ritos comemorativos. Isso envolve comer, presentear ou gratificar-se. O Natal e o Ano Bom são os últimos ritos que podem ser lidos pelo olhar humano e pelo ressurgimento ou renascimento cristão que orienta a formação familiar de Pai,Filho e Espírito Santo. Indtoduz, simbolicamente a esperança. Alimentamos o corpo, o espírito e bebemos à sorte. O Natal como transcorre para cada um é o resultado de experiências familiares mundanas boas e ruins. O Ano Bom encerra o passado e também pode ser perda. As famílias comem e trocam presentes como um rito qualquer dentre todas as datas festivas.
    Nem todos alcançam o verdadeiro espírito religioso, mas se comportam como podem.
    Gizelda

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  2. Querida Gizelda,
    Só mesmo um olhar freudiano de Psicóloga poderia escrever um comentário tão inteligente. É belo porque você conseguiu unir Freud e o Cristianismo. É uma estranha mistura, todavia muito interessante.
    Beijos.
    Ely

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  3. “Mulheres atarefadas
    Tratam do bacalhau,
    Do peru, das rabanadas.
    - Não esqueças o colorau,
    O azeite e o bolo-rei!
    - Está bem, eu sei!
    - E as garrafas de vinho?
    - Já vão a caminho!
    - Oh mãe, estou pr'a ver
    Que prendas vou ter.
    Que prendas terei?
    - Não sei, não sei...
    Num qualquer lado,
    Esquecido, abandonado,
    O Deus-Menino
    Murmura baixinho:
    - Então e Eu,
    Toda a gente Me esqueceu?”

    Já faz muito tempo que o Natal perdeu sua característica original.
    As preocupações para o dia são observadas apenas do lado material.
    O espírito natalino sensível aos olhos do Menino Deus, transformou-se em um verdadeiro shopping de vendas.
    As correrias para as compras, o troca-troca de presentes, as mesas suntuosas e fartas, as bebidas de toda espécie, a gula rodeando e encarnando verdadeiros vorazes carnais, um exarcebado descontrole de emoções, absurdos e euforia extrapolados pela inconsequência de pessoas imaturas, irresponsáveis, desumanas, atormentadas pela ausência de amor fraternal.
    A união entre famílias e amigos tem a duração, exatamente, de algumas horas, pois passado este tempo, os problemas continuam, a solidão campeia, e dias após, há uma corrida frenética para saldar as prestações adquiridas.

    O doce do Natal só tem seu sabor especial no dia vinte e cinco de dezembro.

    Aparecida

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  4. Minha querida,
    Agora me brinda com um comentário em verso e prosa. Você está cada vez mais criativa! Um 2012 repleto de grandes realizações.
    Beijos.
    Ely

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  5. Ely,
    Gosto do aspecto reflexivo, citado no texto, que paira entre o Natal e o Ano Novo, tempo de avaliação e auto-conhecimento para os que se prezam à experiência, o mesmo acontece antes de mais uma primavera. No contexto, a primavera de Cristo.
    Da comilança à gastança é do ser humano...procuro não dar atenção, apenas observo e como sou humana, como mais do que deveria, mas por hábito e influência do meio.
    O que mais me chama atenção nessa fase é como as pessoas se encontram, o que elas verdadeiramente querem vivenciar...a alegria, o encontro, a espontaneidade e a permissão ou não para amar...confraternizar verdadeiramente.
    Um destaque especial para o respeitar...respeito ao outro...à Deus...ao Senhor Jesus ...ao Espírito Santo...à família...
    Que 2012 seja banhado das virtudes ...da tranquilidade da mente, da gentileza e do olhar amoroso.
    Bjs,
    Magda Lisboa

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  6. Querida Magda,
    Seu comentário é um verdadeiro RG de sua personalidade: reflexão, sensibilidade e misticismo. Aparentemente parecem virtudes difíceis de se apresentarem juntas, mas você é a prova em contrário. Trabalha arduamente com o cérebro, tem uma rara sensibilidade e é mística, como suas irmãs de alma, algumas poetisas espanholas de grande fama, como Soror Juana Inés de la Cruz.
    Beijos.
    Ely

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  7. Maravilha a língua portuguesa:

    não é que dentro do Ano Novo

    tem um ovo?!!

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  8. Querido Rossetti,
    Poeta e filólogo. Deus ilumine tanta inteligência e sensibilidade. Um 2012 repleto de felicidade, amor , realizações e muitos poemas.
    Abraços.
    Ely

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