A INFÂNCIA REVISITADA
Não sou saudosista. Pelo contrário, tenho um pé atrás com pessoas que evocam muito o passado: elas não são felizes no presente, não administram bem a realidade. Talvez eu seja meio radical, mas não creio na falácia que se aprende com o vivido. Quando os fatos parecem se repetir, mudaram-se os tempos, os atores, hábitos, costumes, valores e tudo é um eterno happening: aqui, agora, o novo pedindo opções.
Há pretensas verdades que se cristalizam. Há que se duvidar e analisar sempre. Quando ouço dizer que a infância é a época mais bela, mais poética, digo sempre: Vá ler Freud.
Nasci em uma cidadezinha de Minas, saí de lá com seis anos e poucas vezes voltei. Nessas visitas rápidas constatei que minhas raízes desapareceram, a ternura erradicou-se, pouco sobrou. Da última vez, fui levar um tio saudosista obcecado. Quando cheguei à rua da casinha onde nasci, só uma curiosidade me movia: ver os lindos canteiros de margaridas, defronte a casa. Todavia, o progresso fatídico nada perdoa. Por questões práticas, a casa foi reformada, o jardim desapareceu. Alguns quarteirões à frente, de novo a curiosidade me cutucou. Desta vez mais forte. Como estaria “meu” pomar lindo, pejado de frutas brasileiras e europeias, os pés de carambolas, seus gomos amarelos e ácidos, as macieiras enfeitadas de pomos rubros, doces, os inacreditáveis marmelos? No local, o coração apertou. O Moloch da economia e do lucro construiu várias casinhas de aluguel, vulgares, antiestéticas, práticas.
Voltando da malfadada visita, lembrei-me de Fernando Pessoa: ¨Em tudo quanto olhei fiquei em parte. Com tudo quanto vi, se passa, passo¨. Também Drummond, falando de Itabira, filosofa que tudo se acaba e assim nossa vida. Em um artigo, Rubem Alves ratifica os dois poetas, melancólico, quando conta sobre a destruição do Pico da Pedra Branca, em Pocinhos do Rio Verde. Os poetas são grandes professores e cada poema é uma lição de vida inesquecível.
Ora, há temas que nos tornam filosóficos, com pitadas metafísicas. Grandes dores são comuns a todos; frustrações, perdas, sensação de fracasso, inseguranças, tudo parece moldado do mesmo barro da condição humana. Variam só os portadores, lugares, épocas. Geralmente, essa cota negra da existência, preço a pagar, tem algo de fatídico e inexorável. As alegrias não. Dosagens diferentes, razões várias, elas dependem de sensibilidade, lirismo, decepção, gosto, antenas, filosofia de vida.
Assim, os escritores e poetas ajudam a decifrar os mistérios que permeiam as pilastras do templo da existência humana. Não há mensagens explícitas. Às vezes são pistas, um cicio, um murmúrio. Aqueles que têm ouvidos atentos ouvem. Os de sensibilidade embotada permanecem surdos. Os infelizes fazem ouvidos moucos