terça-feira, 24 de janeiro de 2012

RETALHOS

RETALHOS

1.     Os sonhos nos entram pela boca como doce alimento perfumado, mas se escoam todos, sempre, putrefatos, pelas mais diversas cloacas da vida.
2.     Uma só coisa nos consola: o sofrimento é aparentemente dinâmico; assim, todos os dias ele parece mudar um pouco, trazendo-nos a idéia que terminou – basta que se arranque a máscara ilusória (comumente chamada esperança) e teremos uma verdade imutável.  O sofrimento é inerente à condição humana.
3.     É condição humana, porta sem chave, enigma sem solução e mistério: para ser feliz o homem tem que ser o que ele é; para ser aceito, ele se faz ser. Sendo o que não é, violando-se a si próprio, ele só pode ser infeliz. E ninguém infeliz pode fazer o outro feliz.
4.     O homem é dinâmico, mutável, instável, camaleão. Como exigir dele opções definitivas, posições fixas, escolhas sem volta? Por isso parecem-me ironias de mau gosto instituições como: ¨casamento indissolúvel¨, ¨amor eterno¨, ¨fidelidade por toda a vida¨... Pode até acontecer, mas é regime de exceção.
5.     Nos aforismos de Carlos Drummond de Andrade, em ¨O Avesso das Coisas¨, o poeta afirma que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, mas efêmero e mortal, para evitar a competição. Malícia de Deus ou participação do Diabo?
6.     Quando o Amor nos bate à porta, a lucidez foge pela janela. Viramos estranhos e belos monstros sem cérebro, só coração.
7.     A Paixão é uma sarça ardente: queima o corpo e a alma, sem destruí-los.
8.     Será tão fácil delimitar paixão, amor, atração carnal, ¨rabicho¨, carinho, amizade, ternura? E quando o sentimento que nos toma é tudo isto, mais todas as delícias do céu e os suplícios do inferno?
9.     Ouve bem e pensa: Eu que te sou, tu que me és, podes compreender todas as minhas loucuras? Tu me condenas? Mas, irmão querido, elas também são tuas!
10.  Quando se escreve algo objetivo, claro, sem magia na linguagem, não é literatura. Lembro-me de uma crônica de Rubem Braga, quando ele coloca o personagem diante da dificuldade de redigir um anúncio em linguagem referencial, denotativa. Desiste do intento e confessa, melancólico, que tem vontade de escrever coisas assim: ¨... a lua de agosto semeava crisântemos e bicicletas verdes no abril de teu sonho de mariposa castanha...¨.

À PROCURA DO TEMPO PERDIDO

À PROCURA DO TEMPO PERDIDO
       
O título não é o  livro famoso de Marcel Proust, À La Recherche du Temps Perdu, quando ele, ao comer uma madeleine, pequeno bolo francês, fez uma volta ao passado, que acabou em uma reflexão sobre a literatura. A obra, em sete volumes, foi escrita em 1908 e publicada só em 1929.
            Um vezo comum, hoje, de grandes escritores maduros, sessentões, é escrever textos sobre            sua adolescência, a mocidade. Até a grande Martha Medeiros, um pouco mais nova, um dia desses teve uma crise de melancolia e voltou à época do Grupo Escolar.
            O tema central deste artigo é comentar um sentimento bizarro de se ter saudade, não do que se perdeu, mas do que nunca teve. Insólito e muito raro, são os jovens confessarem certo tédio diante do hábito de ficar com muitas meninas, da banalização do beijo, que é dado como brincadeira, nas festas, da ausência total do lirismo, do romantismo.
            Alguns, mais sensíveis, chegam a dizer que talvez a época de seus pais, de seus avós, que acreditavam no amor, na paixão, era mais bela. Hoje, tudo é muito comum e insosso. Alguns, todavia, nunca pensaram nisto, ou têm uma consciência tão elástica, tão moldada pelos chamados tempos modernos, que chegam a confessar uma total ignorância ou até certa ingenuidade hilária. Lembro-me da meninazinha de dez anos, perguntando-me: A senhora sabe muitas coisas sobre sexo? Eu sei tudo... Jamais me esquecerei do aluno inteligente, bonito como um príncipe, que estava triste porque não encontrava menina séria para namorar. Eu então mencionei uma garota linda, do seu grupo. Ele disse, com sarcasmo: Pergunte com quem ela ainda não dormiu, na nossa cidade... 
            Certos psicólogos afirmam que o mundo não está pior, nem melhor, mas diferente. São outros enfoques, uma cosmovisão nova. Sim, mas e os resultados, as consequências, o aumento da gravidez precoce, das drogas, da Aids, entre os jovens, as famílias desestruturadas, a péssima qualidade do ensino, a violência na Escola? É apenas um modus vivendi atual?
            Geralmente, quando se tenta abordar causas de problemas tão complexos, mencionam-se as consequências e jamais as soluções. Ou então, discute-se tudo pela rama. Como são problemáticas globalizadas, já se pensou em um Congresso Internacional de Educadores, de Sociólogos e Psicólogos, à procura de soluções mais concretas, ou ao menos, possíveis? Enquanto isto debate-se sobre problemas de importância ínfima, como se deve ou não dar um tapa na bunda das crianças, quando elas são mal educadas, ou não querem obedecer.
            No mundo moderno, a maldade humana perdeu os imites. Maltratam-se os animais, grassa a pedofilia, aumentam os roubos, os assassinatos, até mãe e pais matam os filhos ou vice-versa. O estupro é uma praga maldita que viceja no mundo todo. O  tráfico e o trágico uso de drogas crescem sempre.  Realmente, não haverá soluções para, ao menos minimizar tanta desgraça?
            Esperar pela justiça divina é muito cômodo. Rezar apenas é duvidoso. Se nós fizemos do mundo este circo de horrores, somos responsáveis e temos a obrigação de procurar caminhos, saídas. Onde está a eficácia e a veracidade da propalada racionalidade humana? Ela é apenas um mito, uma ficção?

domingo, 8 de janeiro de 2012

MEUS DOIS AMORES

MEUS DOIS AMORES
            Há uma relação mágica entre mim e os cães. Quando me perguntam qual raça prefiro, não titubeio: é a canina. Todos, fidalgos, refinados, com pedigree, vira-latas, grandes e pequenos. Meu coração se enche de ternura, quando os vejo, quando toco neles. Se estão na rua, magros e abandonados, sofro horrores.
            Acredito na filosofia de grandes pensadores: pode-se conhecer a cultura de um povo, pelo modo como ele trata os animais. A minha, irrefutável; Jamais confie em quem não gosta de cães. O perigo é saber quando alguém maltrata um  cão, ou o mata estupidamente.  Meu espírito cristão desaparece, lanço pragas, desejo os piores horrores aos monstros pretensamente humanos. Deve haver um inferno especial para os assassinos de cães. Deus é justo. O castigo cairá sobre eles, de maneira violenta.
            Diante de notícias e ações horrendas, de quem tortura, enterra cães vivos, viro um Habacuc moderno, perquiro Deus com veemência sobre  o que Ele fará aos carrascos. Inacreditavelmente, viro adepta da Lei de Talião e tudo que o Cristianismo prega, sobre aceitação, perdão, desaparece. Estas ações vis, abjetas, me fazem perder o raciocínio, ou qualquer laivo de compaixão.
            Desde criança, sofri por causa de cães. Conheci a dor e a morte, com as perdas, como um preâmbulo do lado negro da existência. Romi foi atropelado por um bêbado, Negrinha, por um assassino no volante, Joíta despareceu em uma trágica madrugada, Napoleão morreu de tristeza. Coisas de pequinês sensível. Enterrei-o no jardim. Sobre o pequeno túmulo nasceram flores alvas, regadas por minhas lágrimas.
            O ser humano não aprende. Por que, com quase setenta,  fui até Altinópolis, no famoso canil, comprar as duas irmãzinhas labradoras? Pequenas, cor de chocolate, com belos olhos verdes. A raça tem fama: são animais dóceis, amigos, carinhosos, inteligentes. Por isso se tornam cães guia, ou auxiliares contra o crime e/ou resgatando vítimas nas grandes catástrofes. Esta raça é uma bênção de Deus.
            Meu amor exacerbado pelos cães é antigo. Quando criança, aos oito anos, passei por uma casa do bairro e vi uma cena terrível: um garoto de minha idade fechara o portão, prendendo um cãozinho e dava-lhe porretadas. Arranquei o bastão do menino e  moí  o monstrinho de pauladas. Diante dos xingamentos da mãe, peguei docemente o pequeno cão nos braços e saí f feliz, justiceira. Nunca me arrependi do ato. Eu o faria de novo.
            Hoje, meus filhotes parecem dois belos pumas. Beleza e doçura. E como diz Manuel Bandeira: “E quando eu estiver mais triste / Mas triste de não ter jeito / Quando de noite me der / vontade de matar”, minha Pasárgada são meus dois amores: abraço minha labradoras, anjos de bondade, tento me acalmar. Seus olhos verdes, seus carinhos, as carinhas de criança, só pureza, tudo é um antídoto contra o veneno da maldade humana.
            Não sei como compensar sua fidelidade, seu amor incondicional. Nós, seres pretensamente humanos, somos muito imperfeitos. É verdade que já fiz um poema dedicado a elas. Mas é pouco, muito pouco. Elas me olham,  lambem-me as mão, compreendem tanta fraqueza. E perdoam.
 Fico então em paz com a vida e com Deus.
       

domingo, 1 de janeiro de 2012

FECHADO PARA BALANÇO

FECHADO PARA BALANÇO

            Tenho uma birra especial por toda novidade que vira mania. É o caso dos livros de auto-ajuda. Editoras e autores ganham milhões com conselhos otimistas que nada valem. São mais placebos que remédios. Sejamos complacentes, todavia: cada leitor tem a literatura que merece. Comprovando minha concessão, o artigo de hoje é um recado, não para aconselhar, mas alertar.
            É tempo de meditação. Qualquer tempo é tempo de fazer um arranjo nos armários da alma e por que não? Também no sótão.
            Há um poema de Carlos Drummond de Andrade, no qual o poeta tenta concretizar uma sensação experimentada, terrível,  de lucidez crua e realista. Como em um flash, o poeta se flagra em um estado especial, trágico. Nesse momento, todos os valores caem por terra: Deus, o amor, emoções, sexo, sofrimento, amizade. Até a velhice, tão temida, a morte, nada importa: a vida é uma ordem, “A vida apenas, sem mistificação”. (“Os Ombros Suportam o Mundo”, in “Sentimento do Mundo”).
            É tempo de balanço. Não analisar uma sensação apenas, ou um momento: é uma parada com finalidade deliberada. Fechar as portas do Estabelecimento da Vida, fazer um “intemezzo”, meditar, pensar, auto-examinar desde a superfície, até as grutas mais profundas, as regiões abissais.
            Hipóteses de questionamentos, à guisa de ajuda para tentar a via-crucis do autoconhecimento, a mais terrível das viagens.
1.    O que se tem feito da vida?
2.    A práxis está de acordo com o planejamento prévio?
3.    Foram feitas muitas concessões?
4.    Qual a porcentagem de realizações dos sonhos?
5.    Há um parâmetro, um critério eficiente para hierarquizar as prioridades?
6.    A noção de valor é ainda válida, eficiente, criteriosa?
7.    Quem reina comumente, quando vêm as tempestades? A razão ou a emoção?
8.    A sensibilidade tem tido sua hora e vez?
9.    Tem-se amado o próximo (que é importante) e a nós mesmos (que é imprescindível)?
10. Há metas a atingir que darão oportunidade à alma de ascensão, de ascese?
11. No mapa, caminho, trilhas seguidas, têm aparecido minas que explodem, alçapões, armadilhas?
12. Tem sido aceito o pacto que  a vida deve ter feita mais de dor?
13. Tem-se conseguido entender a insólita porcentagem (tão pequena) de felicidade, sobre a (imensa) de aborrecimentos?
14. A alma, diariamente, mais sorri do que chora?
15. O corpo segue ágil,  os leves  voos do espírito?
16. A mente continua aberta, com largos horizontes, em compasso com o ritmo da vida?
17. O coração anda tranquilo, satisfeito com a performance do sujeito da história?
18. As más lembranças, as cicatrizes têm incomodado a alma?
19. Percebendo, lucidamente, causas e efeitos, há coragem (ainda e sempre) de assumir mudanças concretas?
            20. Tem valido a pena viver?
            Ora, se você nasceu para ser grande, lute, doe-se totalmente, agarre suas chances com unhas e dentes, como um bravo guerreiro. Se, ao contrário, tem a essência de erva rasteira, rasteje, entregue-se ao ócio, à preguiça, ao comodismo, com a filosofia do não vale a pena. A opção é sua. Você decide.