domingo, 30 de dezembro de 2012

PASSAGEM DE ANO


PASSAGEM DE ANO                              
      
        
         Alguns leitores pediram para que eu publicasse de novo o texto abaixo.  São reflexões sugestivas para a passagem do ano que se aproxima. Como negar?
O Réveilon é uma data estranha. Sentimentos confusos nos brotam na alma: agradecimento pelo ano que passou, um alívio pelo final dos percalços enfrentados, um misto de cisma e de medo, diante do porvir. Palavra bizarra. Tempo que há de vir, futuro. O velho ano, alquebrado, repleto de frustrações, abandona o palco e vai descansar nas coxias, após a exaustiva luta. Dali a pouco, 2013 entrará lampeiro, menino, feliz, repleto de sonhos, de planos. Ele não sabe ainda (é bom que não saiba) que muito pouco do seu programa de governo será concretizado.  Mil dificuldades se levantarão contra ele, ondas bravas, tsunamis, furacões. Os sonhos que escapam e se realizam são heroicas criaturas, bravos soldados.  Na realidade, quase sempre o ano experimenta uma vitória de Pirro: pelo que se concretiza, batalhas ganhas, tudo tem um preço muito alto.
         Contudo, toda realização pessoal tem sabor único. É a nossa vitória e não a do outro. No final do ano, mais do que nunca, reflexões nos vêm aleatoriamente, visitas não convidadas. A figura que escolho é Procusto. Na mitologia grega, ele era um salteador sanguinário que obrigava suas vítimas a deitar-se e nenhuma saia com vida. Se elas fossem mais curtas que o leito, esticava-as com cordas e roldanas; se ultrapassassem as medidas, cortava a parte que sobrava.
Em uma interpretação bem livre, a vida age como o perigoso vilão. Quando somos jovens, temos tantos sonhos, que é preciso cortar alguns para que caibam na cama da existência. Quando a velhice chega, por pessimismo ou cansaço, os ideais vão mirrando, caindo pelos caminhos, como folhas mortas. Ai é necessário alargá-los, espichá-los, porque são pequenos, pífios e o leito parece imenso.
É justamente no Réveillon, passagem, catraca, cancela, que grandes dúvidas nos atacam, como nuvem de vespas. Olha-se para o vazio do futuro amorfo, sem nenhuma certeza, tudo são dúvidas. O ano que virá será feliz ou turbulento? Conseguir-se-á realizar o saldo negativo do tempo que se acaba? Virá a messe farta ou o rebotalho de restos e sementes sáfaras, estéreis, sinônimos de refugo e aborto?
É uma época insólita, quando um ano passa e o outro chega, é passagem, páscoa.  Algo notável é a flor da esperança renascer sempre, apesar de todos os infernos que possam ter surgido, flagelando a carne ou o espírito. O símbolo do Homem não deveria ser Sísifo, mas a Fênix. Ele é persistente sim, mas antes de tudo, eterno, no seu renascer
Tudo dependerá da crença, da força, do otimismo que é dínamo e, principalmente, do fazer. Porque deixar nas mãos de Deus trabalho nosso é covardia, lerdeza e acomodamento. Urge que peguemos as rédeas de nossa vida e façamos tudo acontecer.
Nós não somos a plateia, mas os atores principais em cena. E o tempo é hoje e agora. O futuro agradece.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

ELEGIA A UM PEQUENO PÁSSARO


ELEGIA A UM PEQUENO PÁSSARO
    Era uma manhã comum, tínhamos uma grande lista para concretizar em Ribeirão Preto.    O céu de verão distraiu-se pensando que era primavera, azulou, límpido e opalino, trouxe até uma brisa doce, marota. De repente vi meu marido achegando-se, meio pálido, com um semblante muito triste. Pediu-me se podíamos cancelar todos os compromissos. Aquiesci, mesmo sem entender. Só aí vi em suas mãos em concha o pequeno pássaro.
     Miúdo, o curió tinha a cabecinha caída para o lado, como morto. Acontecera algo com o bebedouro, à noite, e a avezinha estava desidratada, morrendo de sede. Tentou-se de tudo, dar gotas de água fresca no seu biquinho, alisar-se a cabeça, o corpinho minúsculo. Em vão...      Era uma fêmea, seu nome, Monumental. Excelente criadeira, já nos dera lindos filhotes. Nós a envolvemos em papel alumínio e a enterramos no quintal, enquanto sua alminha voou para o céu dos passarinhos.
     A vida ficou mais triste. Poucos dias antes, um filhotinho batizado de Mandelinha, também morrera, sem causa aparente, leve passarinho, sem mesmo pedir licença para São Francisco de Assis, que deve ter se distraído. Comecei a pensar que por amar muito os animais, paga-se elevado ônus. Vive-se com medo de perdê-los, principalmente os pássaros, que são pura fragilidade.
     Em 2008 lancei meu livro Replantio de Outono, com uma enorme variedade de poemas líricos, eróticos, trágicos, metafísicos. O livro se abre com uma trilogia, à qual dei no subtítulo de Elegias a um Pequeno Pássaro. São três poemas, sobre três mortes de passarinhos. Eu os amo pela sua leveza delicada e grande fragilidade. São versos de um dos poemas: “Sua almazinha ainda / voeja, sem saber que a liberdade foi comprada por alto preço? / No céu dos inocentes / em lugar especial / feito de plumas e leveza / é recebida com a beleza / dos espíritos intocados / do humano mal”.
      Com a alma acinzentada, à tarde e à noite, não consegui assistir aos jornais televisivos. Estamos passando por uma época quando a violência acirrou mais do que nunca. Reina um caos de mortes, assassinatos em massa, chacinas, revanches, todo mundo teme e ninguém entende bem as causas dessa loucura, desse banho de sangue. O mundo enlouqueceu?! Sinto-me então, mais do que nunca, vivendo em mundo que não é o meu.  Enquanto os homens se trucidam, se massacram, eu sofro com a morte de pequenos seres, como os pássaros.  Quem perdeu o juízo?
     Parei de ler jornais e de ver televisão. Mergulhei nas obras literárias, nos livros, que sempre foram meu refúgio, minha fuga, minha catarse. E ontem, para alegrar minha alma, a femeazinha chamada Brisa teve dois filhotes, lindos, minúsculos, só bicos pedindo alimento. E a esperança foi voltando, com aquelas duas vidinhas novas.

      Mas por que estou com o coração amolecido, contando coisas pessoais, que não interessam a ninguém? A culpa é do Natal, daqui a dois dias. Neste 25 de dezembro de 2012, eu queria mandar um recado   ao Deus Menino. Ele sabe que o mundo e o Homem foram criados com a melhor das intenções. Se a receita desandou, a culpa não é Dele. Será que, em sua infinita sabedoria, com o auxílio dos Santos, poderiam  dar juízo aos pobres mortais, tão desorientados, e consertarem o mundo? É presente muito difícil, inacessível? Espero que não.          
  

domingo, 16 de dezembro de 2012

O GRANDE EVENTO


O GRANDE EVENTO

   
      Em artigo anterior eu realçava ser Ribeirão Preto um verdadeiro celeiro de Cultura. A noite do dia sete desse mês comprovou a assertiva, com o Lançamento da Segunda Antologia Ponto&Vírgula, publicada pela Funpec-Editora e organizada por Irene Coimbra. O evento foi inesquecível: organização perfeita, programação rica, buffet excelente.
      O Prefácio da obra é de autoria do escritor e poeta Antônio Carlos Tórtoro, que saudou os quarenta e seis escritores que fazem parte do livro e uma plateia alegre, com cem pessoas encantadas e cheias de entusiasmo.  Tudo contribuiu para o sucesso da sessão lítero-musical: o eufórico mês de dezembro, o local amplo e elegante, uma programação variada e de extremo bom gosto.
      A Antologia apresenta textos, separadamente, em  verso e prosa, com poemas, crônica e contos. No final, uma minibiografia de cada autor. Todos os presentes receberam um exemplar do livro.  Irene Coimbra iniciou o Encontro  falando sobre a importância da publicação e que Antologia é sempre sinal de riqueza cultural e união.
      Houve música e declamações. Os musicistas brilharam com Gustavo Molinari, ao piano e o jovem seresteiro Leandro Silva arrebatou a todos, com um repertório de grande agrado da plateia. Ele foi acompanhado pelo violonista Raphael Heijy, de técnica perfeita. Carolina Strackovinch encantou os presentes, com sua beleza juvenil e voz límpida, belíssima.
      Os declamadores, cada um com seu estilo único, muito pessoal, foram: Adélia Ouêd,  Antônio Ventura, Débora Soares Perucello Ventura, Elisa Alderani, Lucília Junqueira de Almeida Prado, Nilva Mariani e Nely Ciryno de Mello, que no final da noite deu um show de dança, acompanhando o nosso seresteiro Leandro Silva. Constou também do programa, leituras dramáticas de textos em prosa e verso, lidos por Ely Vieitez Lisboa e Irene Coimbra.
      Houve ainda, na programação, o sorteio do livro Sherazade, de Dante Marcucci.  Após,  uma surpresa : ao som de músicas natalinas, chegou “Mamãe Noel”, caracterizada por Graça Novaes, que distribuiu um mimo para todos os presentes.                              
      Enfatize-se que  todo o Evento foi televisionado pela equipe da TVRP do Canal 9 Net Ribeirão Preto e dia 20 de dezembro irá ao ar, no programa Ponto & Vírgula, da apresentadora Irene Coimbra.        

   Enfim, bela festa comemorando uma obra literária de escritores e poetas de Ribeirão Preto.  Nossos votos de sucesso à Antologia, que ela alimente o espirito de leitores de bom gosto, enriquecendo sua sensibilidade. Mas há algo especial a mais, não só a importância cultural do evento. Era o ambiente meio mágico, de uma alegria contagiante.  Havia uma forte aura de fraternidade, todos se comunicavam, trocavam livros, palavras gentis, pura alegria.
      Não conheço uma maneira mais bela e significativa estava no EVENTO de se comemorar o Natal, data espiritualizada que tem sido tão distorcida, principalmente pelo consumismo exacerbado. Tenho a certeza de que o Deus Menino deve ter gostado muito dessa reunião festiva e que Ele também.

domingo, 2 de dezembro de 2012

MATURIDADE


MATURIDADE

                Muita idade não é sinônimo de maturidade. Que é ser maduro, adulto? Tudo é tão incerto, mutável, inseguro, que não se sabe nunca se a peça já começou, está no meio ou no final. Há uma distância enorme entre a sinopse que você propõe e o texto pronto que lhe é entregue. Como manusear, conviver, coabitar com uma realidade que não é jamais a que você pediu, idealizou? Há tramas e mistérios no ar, que mudam os temas do romance de sua vida, desvirtuam até atores e atrizes que eram apenas máscaras vazias. Que fazer? Voltar? Para onde? Na maratona da existência só há ponto de partida e uma inexorável bandeirada final. No durante, tudo são novidades, treinos, tentativas, reina o inesperado, rege a surpresa.         Maturidade é sublimar os sonhos que morreram e criar outros, numa renitência de animal ferido e de Fênix renascida. É fazer do ensaio um passo de dança. Grande é a distância entre o desejado e o que se possui. Sonho e realidade não se coadunam? Felicidade e (in)felicidade não é apenas uma questão de prefixo?De quem a culpa?Quem manipula os loucos cordéis das desnorteadas marionetes? Aí vem o inaudito (então Deus leva um susto ou sorri orgulhoso de sua obra mágica): a criatura sofrida, esmagada pela milésima decepção, sangrando mais uma vez, eternamente presa na armadilha do que é e não do que deveria ter sido, ressurge, renasce, ressuscita, toma o presente não pedido, transforma-o, muda-o, extrai diamante do carvão, bálsamo da madeira ferida. Isso é ser maduro. É reestruturar. É ter a coragem de recomeçar apesar de. É ser taumaturgo quando os milagres não mais existem. É o demiurgo que cria do nada, parte dos cacos, do zero e reinicia a competição, a luta, a conquista de ser dono de seu próprio destino. Ao seu redor, forças estranhas, invisíveis, intocáveis mudam constantemente as regras do jogo, trocam as peças do xadrez, sabotam a grama antes da partida, dosam, inacreditável e estranhamente, nosso direito à felicidade: para cada minuto de alegria, uma eternidade de sofrimento. Quem é o sádico distribuidor de tal porcentagem? Quem fez de anos felizes, segundos, e séculos, das horas infernais? Loucura estranha, lógica imperfeita, sofisma. Em compensação, o herói da história (eu / você / nós) não desiste, parece jogador trapaceiro que tem sempre trunfo escondido na manga. Quando todos o julgam perdido, acabado, ele volta, retorna, louco Sísifo sem causa, que não seja sua própria insanidade.
                O grande Bernanos, de aguda religiosidade, afirma que “o trabalho que Deus faz em nós é raramente o que esperamos”. Aceito a contestação, tenho detectado esta verdade a vida inteira. Impressiona-me, no entanto, por que não pode haver harmonia entre os altos desígnios divinos e a vontade nossa, por que tudo é tão fugaz, efêmero, sofrido, difícil. Conquista é sinônimo de dor e de chaga viva. Pagam-se por ela altos juros, ágios absurdos. Há qualquer coisa errada na fórmula, nos planos, pois o homem nasceu para a alegria, para o prazer. Todo ser humano alimenta-se de sonhos, joga para ganhar. Surgem, todavia, trapaça, a troca de caminhos, os fracassos, as desilusões. A vítima morre um pouco, nutrindo-se da dor autofagicamente, transforma-se em dínamo que gera a própria força e recomeça todo o processo. Aí está sua grandeza. Pode receber, então, o Atestado de Maturidade. Temperado como o aço, mas maduro. Repleto de cicatrizes, mas maduro. Gente grande, gente feita, obra acabada, dita à imagem e semelhança de Deus, divino como seu Criador, invencível, eterno.