MATURIDADE
Muita idade não é sinônimo de maturidade. Que é ser maduro, adulto?
Tudo é tão incerto, mutável, inseguro, que não se sabe nunca se a peça já
começou, está no meio ou no final. Há uma distância enorme entre a sinopse que
você propõe e o texto pronto que lhe é entregue. Como manusear, conviver,
coabitar com uma realidade que não é jamais a que você pediu, idealizou? Há
tramas e mistérios no ar, que mudam os temas do romance de sua vida, desvirtuam
até atores e atrizes que eram apenas máscaras vazias. Que fazer? Voltar? Para
onde? Na maratona da existência só há ponto de partida e uma inexorável
bandeirada final. No durante, tudo são novidades, treinos, tentativas, reina o
inesperado, rege a surpresa. Maturidade
é sublimar os sonhos que morreram e criar outros, numa renitência de animal
ferido e de Fênix renascida. É fazer do ensaio um passo de dança. Grande é a
distância entre o desejado e o que se possui. Sonho e realidade não se
coadunam? Felicidade e (in)felicidade não é apenas uma questão de prefixo?De
quem a culpa?Quem manipula os loucos cordéis das desnorteadas marionetes? Aí
vem o inaudito (então Deus leva um susto ou sorri orgulhoso de sua obra
mágica): a criatura sofrida, esmagada pela milésima decepção, sangrando mais
uma vez, eternamente presa na armadilha do que é e não do que deveria ter sido,
ressurge, renasce, ressuscita, toma o presente não pedido, transforma-o,
muda-o, extrai diamante do carvão, bálsamo da madeira ferida. Isso é ser
maduro. É reestruturar. É ter a coragem de recomeçar apesar de. É ser
taumaturgo quando os milagres não mais existem. É o demiurgo que cria do nada,
parte dos cacos, do zero e reinicia a competição, a luta, a conquista de ser dono
de seu próprio destino. Ao seu redor, forças estranhas, invisíveis, intocáveis
mudam constantemente as regras do jogo, trocam as peças do xadrez, sabotam a
grama antes da partida, dosam, inacreditável e estranhamente, nosso direito à
felicidade: para cada minuto de alegria, uma eternidade de sofrimento. Quem é o
sádico distribuidor de tal porcentagem? Quem fez de anos felizes, segundos, e
séculos, das horas infernais? Loucura estranha, lógica imperfeita, sofisma. Em
compensação, o herói da história (eu / você / nós) não desiste, parece jogador
trapaceiro que tem sempre trunfo escondido na manga. Quando todos o julgam
perdido, acabado, ele volta, retorna, louco Sísifo sem causa, que não seja sua
própria insanidade.
O
grande Bernanos, de aguda religiosidade, afirma que “o trabalho que Deus faz em
nós é raramente o que esperamos”. Aceito a contestação, tenho detectado esta verdade
a vida inteira. Impressiona-me, no entanto, por que não pode haver harmonia
entre os altos desígnios divinos e a vontade nossa, por que tudo é tão fugaz,
efêmero, sofrido, difícil. Conquista é sinônimo de dor e de chaga viva.
Pagam-se por ela altos juros, ágios absurdos. Há qualquer coisa errada na
fórmula, nos planos, pois o homem nasceu para a alegria, para o prazer. Todo
ser humano alimenta-se de sonhos, joga para ganhar. Surgem, todavia, trapaça, a
troca de caminhos, os fracassos, as desilusões. A vítima morre um pouco,
nutrindo-se da dor autofagicamente, transforma-se em dínamo que gera a própria
força e recomeça todo o processo. Aí está sua grandeza. Pode receber, então, o
Atestado de Maturidade. Temperado como o aço, mas maduro. Repleto de
cicatrizes, mas maduro. Gente grande, gente feita, obra acabada, dita à imagem
e semelhança de Deus, divino como seu Criador, invencível, eterno.
Querida Ely,
ResponderExcluirQuem pode nos definir como maduros e imaturos?
Não é sempre que nossas idades vão refletir a carga de conhecimento e experiências pelas quais passamos durante nossas vidas.
São nossas atitudes, nossa posição diante dos obstáculos e lances dos dias que vão nos mostrar como nós somos: maduros ou imaturos.
Aparecida
Minha querida,
ResponderExcluirSeu comentário é muito inteligente, incontestável. Na realidade, o Atestado de Maturidade depende muito das dores, das grandes perdas, das batalhas perdidas. Elas preparam os seres humanos. E todos, quando são capazes de recomeçar, a partir do nada, são maduros.
Beijos.
Ely