OS OLHOS DE DEUS
(Texto inspirado
em uma gravura de Dalí)
Sobre o monte, os
olhos de Deus. Ao longe, o mar. A figura feminina seminua, que se vai, envolta
em rósea nuvem. Os olhos femininos de Deus, atrás dos óculos escuros, sérios. Através
das lentes, montanhas ao longe e em primeiro plano, figuras masculinas?
Contraste da cor ocre da terra e do auriverde do céu, onde nuvens formam
desenhos insólitos. Almas que voam?
A gravura é a anti-insciência humana. O
homem ou Deus vendo: “Eternidade: os morituros te saúdam”. Os que vão morrer
saúdam a desejada eternidade. Em um átimo, o milagre: “Eternidade: os morituros
te beijaram”. O beijo da vida. Os homens não mais são animais que vão morrer.
Morte, onde está tua vitória?
Outro poema de Drummond: O Deus mal
Informado. “No caminho onde pisou um deus”, que se perde em estradas, faminto
de eternidade, saudoso de existência, “mas a estrada se parte, se milparte, / a
seta não aponta destino algum, e o traço ausente / ao homem torna homem
novamente.”
O homem é só insciência, derrota, má informação. Culpado
até de não ter culpa, morre todo o tempo “no ensaiar errado / que vai a cada
instante / desensinando a morte”; o homem, o sobremorrente (delicioso
neologismo do Mago de Itabira). O homem, vítima, caça, que sempre foge veloz do
tiro e do caçador.
Drummond vaticina: “Não morres
satisfeito, morres desinformado”, Dalí cria o único caminho da antimorte, o
antídoto contra o veneno maior, a efemeridade. Só há uma maneira de ser eterno:
a Arte. Quando o Artista cria, ele é um deus. De suas mãos demiúrgicas fluem
mundos, em um novo Fiat Lux. Recria.
Sobre o monte avermelhado, resquícios
de vida marinha. Mistério do mar sobre a Terra. Água e terra se unem sob os
olhos de Deus, aguçados e atentos. Os olhos miram um ponto fixo. O que veem os
olhos? Sinédoque de que Criatura? Mistério? Se o Homem é insciência, cegueira,
os olhos são de uma Criatura-não-Homem? E se ele foi criado à imagem e semelhança
de Deus, os olhos são de um AntiDeus? Do Demônio? Daquele que vê? Os olhos de
Dalí. Deus e o Diabo.
A criatividade dos artistas, dos
pintores, dos poetas me impressiona. Que levedo mais rico recebem na sua massa?
Os assinalados são escolhidos? O talento nasce com os grandes artistas, uma
espécie de perfume aureolando suas almas. O tempo só pode aperfeiçoar a
técnica, o fazer. Fico, então, imaginando a cena: o Todo Poderoso mexendo as
peças do grande jogo de xadrez da vida. Este brilhará. O outro conseguirá
penetrar nos mistérios insondáveis da existência humana. Àquele darei palavras para exprimir o
inefável... O outro terá antenas que poderão captar o imponderável.
Ao seu lado, um Anjo que pouco
sabe do Jogo da Criação, interroga-O, abismado: E eles serão
felizes, amados? Deus sorri diante de tanta ingenuidade angélica. Realmente,
seria pedir demais... O pobre Anjo se afasta ensimesmado, perguntando-se:
Então, o dom do talento é prêmio, ou castigo? Não recebe resposta alguma. É
mais um mistério da Onisciência Divina.
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