LIVROS & VIDA
Os
livros têm vida própria e biografia. Muitos escritores já tiveram a
experiência: surge um projeto de conto ou romance, ele cresce, vai tomando
forma e muitas vezes ele pega as rédeas como se tivesse vida e acaba por ser
independente, tendo pouco do plano inicial. A sensação é esta: o escritor é
levado pelo texto, torna-se instrumento de suas leis e verossimilhança
ficcional.
Já se comentou que a ficção não é
fantasia, mas recriação da realidade. O chamado real é matéria da ficção,
alicerce, alimento. Dá-se então um círculo vicioso fatídico: a ficção copia a
vida e após, esta realidade influencia a sociedade. Nos “reality shows” tão em
moda e de qualidade discutível, o processo se complica. Cria-se uma falsa
realidade imitando a vida e os telespectadores identificam-se com a ficção,
como se ela fora real.
Na literatura também há mistérios
indevassáveis. Livros rejeitados em concursos literários escusos tornam-se
obras famosas. O episódio mais pitoresco deu-se com Sagarana, de Guimarães
Rosa. O Mago de Cordisburgo, ao terminar seu livro Sagarana, hoje famosíssimo,
entrou para um concurso em
cuja Banca estava o nosso Graciliano Ramos.
Inacreditavelmente, o premiado foi Luís Jardim, escritor medíocre que o tempo
engoliu.
Há outros acontecimentos sem
explicação lúcida ou lógica. Humberto de Campos gozava grande popularidade e pertenceu
à Academia Brasileira de Letras. Lembro-me de que um de seus livros mais lidos,
“Sombras que Sofrem” (1934, ano de sua morte), encantou gerações. De repente
não se leu mais Humberto de Campos, que foi posto em um injusto e bizarro
ostracismo literário. Como? Por quê?
Outro caso insólito, na literatura brasileira, deu-se com o
escritor José Mauro de Vasconcelos (1920 / 1984). Nasceu em Bangu, bairro do
Rio, foi um dos escritores mais lidos no exterior. Com uma biografia insólita,
cheia de peripécias inacreditáveis, ganhou fama como escritor, principalmente
com Rosinha, Minha Canoa, livro utilizado em curso de Português, na Sorbonne, em Paris. Meu Pé de Laranja Lima
(1968) foi adaptado pela antiga Tupi e pela Globo, como novela televisiva e
também levado ao cinema. De um estilo simples e sensível, foi lido em muitas
línguas, com enorme sucesso. Por que não se lê mais José Mauro de Vasconcelos?
Outros casos estranhos continuam. O romance João Ternura,
de Aníbal Machado foi considerado excelente pela crítica literária da época.
Como diz Luiza Vilma Pires Vale, é a história de um homem e o Rio de Janeiro: o
homem perdido da / na Cidade. Com uma trama sempre atual, ela mostra a falta de
adaptação da personagem central e o modo de vida da grande metrópole. O
protagonista não consegue integrar-se no cotidiano da cidade, sente-se um
estrangeiro. Há uma forte influência sartreana na obra. O autor levou duas
décadas escrevendo o livro, que ficou no limbo muitos anos. Após, obteve
sucesso. Mas a pergunta se repete: Quem lê João Ternura hoje?
Assim,
no mundo literário esses mistérios continuarão para sempre como enigmas
inextricáveis. Há outros que se pode até
tentar uma explicação plausível. Como os seres humanos, os livros têm suas
lutas, com ascensões e quedas. Entende-se, por exemplo, que o romance Ulysses,
de James Joyce, ou Nove, Novena, de Osman Lins, tenham hoje poucos leitores. É
devido, em parte, por sua extrema complexidade. Ora, reina no século XXI a
banalização, homens e mulheres são reféns de uma preguiça mental arraigada, é a
era do superficial, do fácil, do atraente, do óbvio, do rápido, do fast-food literário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário