domingo, 19 de fevereiro de 2012

AS CRÔNICAS DE VASCO


AS CRÔNICAS DE VASCO
        Quando recebi o livro “Crônicas & Agudas”, de Vasco Pereira de Oliveira ( Editora Legis Summa, 2011), sabia que encontraria textos de primeira qualidade. Não me decepcionei e  gostei do título inteligente, um jogo semântico criativo.
            A Crônica é um gênero leve, dinâmico, que aborda principalmente o cotidiano e dá ao autor  liberdade  mais ampla. Mas sua aparente facilidade exige arte para que o texto não se torne comum. Vasco conhece bem a arte. Suas cinquenta e duas crônicas são variadíssimas e se pode conhecer a erudição do autor, por alguns temas alicerçados em obras literárias famosas, outros de cunho científico, da Natureza ou aflorando fatos do dia-a-dia, reminiscências e confissões.
            Quando o cronista é um poeta, há textos em que os gêneros se mesclam. É o caso de Vasco Pereira de Oliveira. Suas crônicas são, às vezes, poesia pura. Há tiradas que são verdadeiros poemas. “Tenho bebido o orvalho, aspirado o osso da brisa, e fumado a alma das plantas desde o começo do mundo. Em vão: perdi meu faro ainda feto, semente”.
            No livro há achados notáveis, como a assertiva em epígrafe, na crônica “Uma História Real” (pág. 71): “Metade da vida é ilusão, a outra metade invenção; real é a morte”. Outra muito expressiva, com narrador em primeira pessoa, é Biografia de uma Árvore. O texto é pois uma personificação, uma verdadeira alegoria, pelo encadeamento de metáforas, uma prosopopeia.  O título é homônimo de uma obra poética de Carpinejar, publicada em 2002. Ele usa o mesmo procedimento literário, do empréstimo (ou seria uma homenagem?), batizando uma crônica com o título Tempus Fugit , aludindo ao  famoso livro de Rubem Alves.
            Os temas são variados, filosóficos, metafísicos, às vezes com uma abordagem surrealista, como em “A Arca de Noé”(pag.36).  Na crônica “Sobre Dores e Dentes” (pág. 65), o autor esbanja criatividade; o tema é comum, corriqueiro e parece não muito pertinente à Arte. VPO, no entanto, faz uma abordagem lírico-filosófica-odontológica muito original, realmente inusitada, que surpreende o leitor: “O tatamento do canal é uma tentativa de desvendar  alma do dente, ou do paciente. Furam, perfuram, retiram a vida em busca da alma. Não conseguindo, desistem e fecham o buraco para que a alma não escape. Lacram seu túmulo sem inscrição, não há epitáfio para um dente morto”.
            Muitas vezes o poeta pede licença ao cronista e produz um lirismo doce e delicado. Como quando fala dos ipês e suas florações. Um final que lembra Drummond e faz da crônica “Novamente os Ipês” (pág. 86) uma pequena obra-prima: “ Quando nasci, um anjo__ desses preguiçosos, inúteis e obesos que ficam sentados em sofás de nuvens__ me perguntou  que eu gostaria de ser quando crescesse. Ipê, respondi. Para escrever uma crõnica sobre os ipês e desejar que ela ficasse grudada nos olhos de algum leitor desavisado, pelo menos até a próxima florada”.
            Não se sabe se o Anjo realizou ou não o pedido do autor, visto que a angélica critatura  era bonacheirona e comodista. Mas algo é certo: em cada obra de Vasco Pereira de Oliveira, o cronista e o poeta estão presentes. Em  “Crônicas & Agudas”, o conteúdo, a forma, tudo são matéria de Arte, nas mãos do Artista Maior. Ele é o demiurgo que, aparentemente,  cria do nada.

3 comentários:

  1. Querido Vasco,
    Pelo memnos cinco pessoas me disseram que gostaram muito do meu texto e das citações tiradas de suas crônicas. Querem ler seu livro. Será que farão isto mesmo? Ficarão enriquecidas com a leitura.
    Abraço.

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  2. Cara Ely,
    "Quem escreve quer ser lido, e assim como um náufrago que lança garrafas ao mar, está em busca de um porto, uma ilha, quem sabe uma alma." (do meu livro "Garrafas ao mar"

    Obrigado,
    Vasco.

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    Respostas
    1. Vasco, meu poeta e cronista,
      Receber comentários de uma criatura sensível como você é um prêmio. Pelo poema que você me mandou, início de novo livro, a obra será um sucesso.
      Abraço.
      Ely

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