VOZES DAS SEMENTES
Textos e sementes têm semelhanças. Escrever é uma semeadura. Escolhem-se as sementes / ideias provavelmente melhores, mais sadias, com possibilidades de bons frutos. Na realidade, quem escreve repete sempre a Parábola do Semeador.
E o Mestre dos Mestres (e por que não dos Escritores?) sabia, na sua infabilidade. Conhecia as dificuldades do plantio. Não jogava aleatoriamente as sementes, não ignorava as dificuldades que podiam vir da terra. É preciso primeiro amanhá-la, prepará-la. Às vezes as sementes são boas e por que não dão bons frutos? Culpa de quem, do Semeador?
Os perigos são mencionados com clareza. Há empecilhos-pássaros, que devoram a obra, leitores que são solo pedregoso, sem muita terra fértil e nenhuma profundidade e as sementes-ideias não criam raízes. O sol da Censura, da Ignorância, da Preguiça Mental, dos Preconceitos destrói, às vezes, qualquer possibilidade da colheita. Finalmente, os Espinhos, metáfora forte de todas as dificuldades de quem quer semear: o dificultoso parto dos livros, a sorrateira divulgação, que muito exige e às vezes oferece parcos resultados, o mau gosto do leitor, não por culpa dele, mas porque não cultiva o hábito de ler, ou tem pouca familiaridade com a linguagem, com as palavras, elas, tão perigosas, instrumentos e armas.
As ideias, as mensagens levantam voo (do cérebro ou do coração?) e partem com o ramo da paz (às vezes da discórdia) após os dilúvios dos acontecimentos. O escritor fica lá na Arca de seus Sonhos e Ideais, dialogando com Noé, o bem intencionado, o Escolhido do Senhor. Nunca se sabe de algum possível e feroz caçador, que pode destruir o Mensageiro. Ou um tirano que queira alienar um povo, queimar seus livros.
Há um filme famoso, Fahrenheit 451, de 1966, dirigido pelo diretor francês François Truffaut, adaptado de um livro homônimo de Ray Bradbury. Montag, interpretado por Oskar Werner, é o herói que percebe o grande golpe da queima dos livros e se rebela. O filme de Truffaut é muito sugestivo, como uma parábola e uma denúncia. Na década de sessenta já se alertava para a alienação pela TV, a inversão dos valores, a destruição do passado, da Cultura. O primeiro livro a ser destruído é o D. Quixote, de Cervantes. Após, quando o fogo aumenta, obras de grandes poetas vão desaparecendo nas labaredas. Realce-se uma cena antológica da velha senhora, que, apesar da proibição, tem uma casa repleta de livros. Ela morre queimada com eles, como uma mártir do idealismo e da cultura.
Assim, no grande filme, os livros continuam vivos nas pessoas que os decoram e vão viver em uma comunidade clandestina, rebelando-se contra a ditadura e a lei nefasta. Na realidade, quando qualquer pessoa lê, compreende e ama um livro, ela salva parte do tesouro da Civilização. O livro é vida, é alimento para o espírito. O Escritor é o apóstolo, os Leitores, seus discípulos.
Grande á a missão das Sementes e dos Textos. Criaturas vivas, prenhes de futuro, túrgidas de esperança. São mensagens, veredas, caminhos. É preciso compreender suas vozes. São recados de Deus aos Homens. Vida.
Quando um coração se ilumina do suave colorido do pôr do sol, lembremos que algo amanheceu contigo.
ResponderExcluirSe no intervalo entre sonhos e insônias tiveres uma criatividade envolvente, lembremos que o teu jardim já está irrigado, pronto e à espera de novas sementes.
É inaceitável pensar em semeadura quando esta for fomentada pela dor.
A semente está na alegria, na devoção por palavras sábias, nos vocábulos híbridos, na intimidade lúdica que enlouquece e embriaga um poeta.
Aparecida
Querida Cidíssima,
ResponderExcluirVocê, como poetisa e amante da boa leitura, conhece os mistérios das palavras. É sempre um prazer encontrar um comentário seu, inteligente, sensível,repleto de frases sábias e conceitos belos. Volte sempre, Aparecida, a casa é sua!
Beijos.
Ely
Olá Ely,
ResponderExcluirAcho que pode me considerar um fruto de sua semeadura. Ganhei o livro "Tempo de colher" através do Jugurta. Gostei muito. Estou de férias do Banco e aproveitando para ler um pouco mais.
Um abraço a você e ao Jugurta.
Julio
julincbarbosa@yahoo.com
Caro Júlio,
ExcluirTodo leitor novo é uma esperança. Você é a semente boa que germinará em solo fértil. Fico muito feliz que esteja lendo meu Tempo de Colher. Volte sempre.
Um abraço.
Ely
Ely, terra fértil e prenhe de sementes que germinam, eclodem e espargem o fluido milagroso, regando a fonte sagrada da sua inspiração poética.
ResponderExcluirJugurta
Meu querido,
ExcluirAmo Vozes da Semente porque ele encantou pessoas amadas como você. É o máximo que se pode esperar de um texto.
Beijos.
Ely
Ely, muito sugestiva a ideia de colocar Escritor e Leitor com maiúscula, porque são eles a causa maior do texto. Livro que se publica e não se lê é obra que não se consuma. Embora, dialeticamente, não existam livros sem leitores, se levarmos em conta que seu criador é seu primeiro e privilegiado leitor. E cada livro editado é uma janela particular do mundo - o Livro Maior - pois a criação de uma obra já é uma leitura que se faz.
ResponderExcluirA Parábola do Semeador - tema inesgotável pela beleza e pela capacidade de ilustrar tantas facetas humano-divinas - é uma verdadeira obra aberta, como o prega Umberto Eco - e você se apropriou dela mais uma vez de forma pertinente para nos presentear com este belo texto.
As palavras são para você um fiat lux. Nós, os Leitores, os iluminados.
Beijos fraternos do Waldomiro
Querido Waldomiro,
ResponderExcluirSabe que há pouco tempo comecei a me entender com a Internet, criei até um Blog, que me tem dado alegrias. Agora, sabendo que você, lá de Marília, lê todos os meus textos, fico muito feliz e começo a acreditar que a Internet é algo excelente. Você, caro Waldomiro, o ex-aluno de ontem e o intelectual erudito de hoje, o escritor. Volte sempre.
Abraço.
Ely
Ely, estou lendo um livro que se chama "Pequeno Tratado das Grandes Virtudes", de André Comte-Sponville. Ele inicia o tratado falando da Polidez, não como algo virtuoso, mas como a origem das Virtudes, porque um homem polido não necessariamente é um homem virtuoso. Um bruto, destituído de toda a polidez, pode ser um virtuoso. Mas se for virtuoso e polido, melhor. "A polidez torna o mau mais odiável porque denota nele uma educação sem a qual sua maldade, de certa forma, seria desculpável." - pág 14. Ao contrário, digo eu, a brutalidade no virtuoso torna-se algo desculpável, tolerável, se temos a oportunidade de descobrir e sentir nele a presença da Virtude.
ExcluirAssim penso sobre a Internet - nem é boa nem ruim, nem é bem nem é mal. É a "peça" que fica entre o teclado e o monitor que faz dela um instrumento de integração ou separação, de congregar ou desagregar. Em suas mãos, a Internet ocupa o primeiro time - melhor falando, mão de Midas as suas a tocarem as teclas para se traduzirem em ouro! "A generosidade trabalha, age de acordo com as exigências do amor, da moral e da solidariedade." (Sponville), assim feito seu Blog.
Voltando às virtudes, uma delas é a generosidade - que você distribui pelos seus textos via Internet - assim ela é instrumento do bem, melhor, do Bem.
A ideia não é nova, e nem original. Lembra-me o poema maravilhos de Bilac:
"Não és bom, nem és mau: és triste e humano...
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se a arder no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.
Pobre, no bem como no mal padeces;
E rolando num vórtice insano,
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.
Capaz de horrores e de ações sublimes,
Não ficas com as virtudes satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:
E no perpétuo ideal que te devora,
Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora."
Ah, Ely, seus textos são, verdadeiramente, as sementes do Semeador. E a Internet, assim como dela você se utiliza, o vento forte que leva estas sementes a terras férteis mesmo que distantes. Águias que pousam em cumes longínquos, parafraseando Cecília Meireles.
Waldomiro
Querido Waldomiro,
ExcluirCada comentãrio seu é uma rica lição de vida, de literatura, com sua lucidez, sua erudição e as citações preciosaas. Ter um Blog e receber visitas de pessoas especiais como você é uma grande algria enriquecedora. Seus ex-alunos não o esquecem. E eu não o perdoo, só por um grande pecado: tem uns três livros de contos, de poemas engavetados. O que está esperando para trzê-los à luz?
Abraços.
Ely
Coragem. Coragem para o desnudamento. É preciso de um pouco de imprudência para enfrentar o olhar do outro. Não me tem faltado coragem para tantas coisas, mas para publicar! Talvez seja minha inapetência por nomeada, ou comodismo, ou algo que os equivalham para me conservar no conforto do anonimato. Se é verdade que textos tem vida própria, quem sabe um dia...
ExcluirWaldomiro
Lembras-te da Teoria do Medalhão? Não tenho nada contra a sede de nomeada de que nos fala com aguda ironia Machado de Assis. Mas sabes tu que conservar o nome exige mais rega e adubo que o cultivo de rosas bissextas em jardins casuais. A vida tem me atribuído compromissos outros que apenas me restam momentos com que cuido consumi-los em leituras prazerosas. A produção de textos tem sido esporádica e descontinuada. Minha vida tems tido fevereiros de 28 dias e raramente dou-me conta de que de 29 dias também os há, mas aí já março chega quando me dá conta o tempo. Sser ou não ser bissexto, eis a questão. Se é que me entende.
ResponderExcluirCorrigindo: Ser ou não ser bisexto, eis a quastão. Se é que me entendeS"
ResponderExcluirÓ ceus! "Ser ou não ser bissexto, eis a questão. Se é que me entendes."
ExcluirAh, meu caro Wadomiro! Pode usar mil argumentos, fazer citações, nada mudará meu pensamento: você é um escritor maduro , pronto para o parto de seus livros. Se não faz isto, só você REALMENTE sabe e Deus.
ResponderExcluirCarinhosamente,
Ely