PECADO
GRAVE
Há algum tempo tentou-se atualizar os
sete pecados capitais. Muitas foram as mudanças e enfatizou-se que o mais grave
é o acomodamento, a omissão. Ora, o conceito de pecado é complexo, há religiões
que negam sua existência. Em um livro de um grande teólogo, ele termina suas
reflexões com uma frase sábia: O único pecado é cortar relação com Deus.
Aprofundar a interpretação da assertiva
acima não é fácil. Todavia, é certo: a omissão é um dos exemplos vivos do
perigo de violentar nosso relacionamento com a bondade, com tudo que é digno,
generoso, altruísta, excelso.
Numa tarde chuvosa, na periferia de
Ribeirão Preto, senti grande tristeza. Cometi esse pecado abominável. Ao fazer
a curva, diante de uma casa simples, estava o cachorro. Para surpresa minha,
era um labrador cor de chocolate, de olhos claros. Magro, sujo, costelas à
mostra. Parei e reparei nele. Havia beleza e dignidade ainda no seu focinho
meio quadrado, bonito. O olhar era uma imensa tristeza, sem nenhuma esperança. Percebi,
então, que seus membros traseiros estavam meio comprometidos.
Eu lera sobre displasia da anca, uma
doença que foi descrita em 1935, típica nas raças pastor alemão e labrador
retriever. O principal sintoma é que o cão começa a claudicar. Não é doença
hereditária e nem congênita: o cão não nasce com displasia, mas ela pode surgir
devido a influências de fatores ambientais, alimentares e excesso de exercício.
Aquele cão triste, infeliz e doente,
parecia sofrer muito. Olhamo-nos, senti-me misérrima diante dele, mas não desci
do carro. Era quase noite e quando cheguei em casa experimentei a pior das
sensações: remorso, culpa, falimento. Eu vira a dor, o sofrimento e nada
fizera. Fui omissa, covarde. Vontade de sair e voltar lá, acolher o cão doente,
levá-lo a um veterinário. Mas, por Deus, não conhecia aquele bairro tortuoso,
cheio de ruas estreitas. Eu nem mesmo saberia localizar o cão. A prova disso é
que não conseguira achar o endereço no Parque Industrial.
Foi uma noite de pesadelos. Sartre
disse que o inferno são os outros, denunciando a falta de comunicação, a
dificuldade de aceitar o outro, de entendê-lo e respeitá-lo. Tentei jogar a
culpa no dono do pobre cachorro. Que os céus o castigassem como a todos que têm
um animal e não cuidam dele.
Na verdade, era um subterfúgio, uma
tentativa para punir a verdadeira culpada: eu. A omissa, a alienada, a
desalmada, a detestável criatura que vê um cão cor de chocolate, de olhos
claros, doente, sofredor e nada faz. Abominei-me. Tentei consolar-me, indo ver
minhas cadelinhas labradoras, da mesma cor e de belos olhos verdes. Quando as
olhei, alegres, sadias, roliças, vacinadas, muito bem alimentadas com uma das
melhores rações, foi pior. Chorei no maior desalento. Elas, compreensivas,
doces e sempre amorosas, lamberam-me as mãos. Pareciam me dizer: Não sofra. Os
seres humanos são mesmo falhos.
Agora é madrugada e o sono não vem.
Sim. Realmente o maior dos pecados é a omissão. Livrai-nos dela, Senhor.
Bom dia Ely!
ResponderExcluirTalvez a palavra não seja omissão. Aos órgãos sociais competência e atitudes. À nós, pobres mortais, o acúmulo de responsabilidade por eles omitido.
Não devemos nos culpar quando não ajudamos num flagrante de amor e piedade. Se fosse possível, recolheríamos todos os bichinhos indefesos e abandonados. Mas, às vezes, não temos lugar para abrigá-los e tempo o suficiente para adotá-los.
Você já tem atitudes humanas com os seus quase humanos.
Abraços de Aparecida!
Minha querida,
ResponderExcluirSua sensibilidade á irmã da minha... Desde criança sofro muito por causa de cães que somem, que ficam doentes, que morrem. Agora, diante dos abandonados, é uma tragédia. Quando, há pouco tempo, monstros andaram matando cães e gatos, despertou um ódio em minha alma, que eu desconhecia. Deleguei para Deus, que castigasse tais aberrações humanas, pedindo a ELE até que criasse um inferno especial para tais criaturas medonhas. Enfim, ELE deve ter muito o que fazer, principalmente agora, quando a violência está grassando como um câncer.
Abraços.
Ely