domingo, 4 de novembro de 2012

REFLEXÕES


REFLEXÕES 

        Novembro é um mês triste, talvez porque comece com o Dia de Finados, Quando os cemitérios ficam plenos de gente, como em um feriado funesto. Seria muito bom que se visitassem nossos mortos, não só no início de novembro. Será que eles se sentem solitários, rodeados de túmulos, pequenas capelas e esculturas sombrias?
         Já confessei oralmente e por escrito que, quando jovem, mal olhava para os Campos Santos, desviando o olhar quando por lá passava. Hoje não. Com tanta gente querida lá, rezo em paz, experimento uma saudade profunda e uma grande paz, como se ali fosse a moradia definitiva. Depois saio em visita aos amigos que partiram e aos ex-alunos que nos deixaram prematuramente.
         Nesse dois de novembro, a data me pareceu mais dolorosa. A perda recente, de minha mãe, ainda dói muito. Quando voltei da visita que lhe fiz (eu a sinto muito mais presente em casa, diante das flores, do céu azul, quando converso com ela e rezo), fui ler um texto que aprecio há muito tempo, o poema de Carlos Drummond de Andrade, TU? EU? Por que estes versos? Porque o nosso Mago de Itabira, quando sentiu que a morte se avizinhava, publicou, em 1968, o livro Boi Tempo, ou A Falta que Ama. Obra triste, amarga, o Poeta fala obcecadamente da morte, mas de maneira lírica, lindíssima.
         Jamais vou me esquecer. Quando comprei e li o livro, gostei muito, apesar de toda a tristeza e melancolia que permeava todos os poemas. Adotei a obra para meus alunos da Instituição Universitária Moura Lacerda. Quando líamos e comentávamos os poemas, algumas alunas choraram. Dias depois, escrevi ao Drummond, comentando seu livro e narrando o que acontecera aos jovens, lendo-o. Para minha surpresa e alegria, recebi uma cartinha do Poeta, agradecendo-me e enviando-me um poema inédito, sobre o Natal; estávamos em dezembro.
         No poema TU? EU? , o universalismo é muito sugestivo, porque a temática central fala sobre a inexorabilidade da morte. Contudo, Drummond, além de explorar a questão metafísica, enfatiza alguns enfoques trágicos, denunciando a morte como algo injusto e inesperado, porque ela vem sempre sem aviso, ou hora apropriada ( haveria alguma?) e afirma fatidicamente: “Não morres satisfeito / morres desinformado”. Seus argumentos são inquestionáveis: “A vida te venceu/ em luta desigual./ era todo o passado/ presente presidente/ na polpa do futuro/ acuando-te no beco/ Se morres derrotado, / não morres conformado”.
         Há versos antológicos, jogos semânticos, metáforas inesperadas e o grande poeta cria neologismos notáveis: “Nem  sabes se és culpado/ de não ter culpa. Sabes/que morres todo o tempo/ no ensaiar errado/ que vai a cada instante/ desensinando a morte/ quanto mais a soletras,/ sem que nascido, mores/ onde, vivendo, morres”. O livro todo é um aviso, uma análise, uma reflexão profunda e sábia. Às vezes ele é quase cruel e herético, quando diz: “Deram-te um defensor/ cego surdo estrangeiro/ que ora metia medo/ ora extorquia amor”.
         O que fica, após uma leitura cuidadosa da obra, é um alerta a nós, os “morituros”, como ele nos chama,  e uma profunda admiração pela lucidez de Drummond, ao falar sobre o grande tema, de modo terrível, amargo, todavia sábio e de um lirismo belíssimo.

8 comentários:

  1. Um dia a maioria de nós irá se separar.
    Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora,
    das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que compartilhamos.
    Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das
    vésperas de finais de semana, de finais de ano. Enfim... do companheirismo vivido.
    Nosso grupo vai ficando incompleto. Aos poucos a vida nos tira ou rouba a quem amamos. Talvez o Criador nos testa até que ponto somos fortes o bastante para tanta dor.
    JESUS é muito especial. Tira-nos um bem precioso, mas nos dá o tempo. Um tempo de espera, de reclusão, de preces, de entendimento, de raciocínio, de reflexão, de observação, de colocar novamente nos lábios um sorriso enternecedor.
    Ely, você jamais estará só. Uma mãe nunca abandona seu filho. Dos braços do SENHOR ela te vigiará, enviará, fluidicamente falando, bálsamos de um coração afetuoso.
    Querida, sua mãe não partiu, simplesmente, subiu alguns degraus para enxergar a filha melhor.

    Beijos de sua amiga Aparecida

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    1. Minha querida,
      Obrigada pelas palavras de consolo. Você está sempre presente aqui, no Blog, com seus lindos comentários.
      Beijos.
      Ely

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  2. Querida escritora e amiga Ely

    Sim... Novembro mês de reflexão. Mês de perdas. Mês de encontros. Mês de lembranças. Mês de remexer papéis velhos. Mês de tornar novos velhos papéis.

    Há meses meu pai partiu. Seu legado foram os papéis que estou a vasculhar. Memórias inesgotáveis, muitas das quais ao menos supora encontrá-las. http://nelsonmartinsdealmeida.blogspot.com.br/.

    Minha mãe oito longos anos os vejo transcorrer. São os papéis velhos. Memoráveis velhos papéis que passamos a desempenhar no palco da existência, onde o ensaio não se permite. Encena-se uma única apresentação.

    Seus textos me levam a grandes reflexões. Revolver minhas gavetas. Desarquivar velhos textos. Papéis velhos dispostos em papéis novos possível através dos novos veículos.

    Obrigada amiga querida. Um dia nos encontraremos e inverteremos nossos papéis, quando poderemos nos abraçar, não mais na tela fria, mas em corpos calorosos que o encontro das palavras nos proporciona.

    Papéis velhos - Velhos papéis está postado em meu blog http://retalhosdeleituras.blogspot.com.br/

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    1. Querida Inajá,
      Tenho lido textos lindos no seu blog. As dores humanas irmanam homens e mulheres. Somos todos do mesmo barro, da mesma essência. Obrigada pelas lindas palavras e pela sua sensibilidade.
      Abraços.
      Ely

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  3. Minha querida,

    Alem do poema inédito do Drummond, quais outros tesouros voce esconde na sua bibioteca?.Por favor, divida conosco...O poeta e sua filha morreram no mesmo ano,ela de cancer, ele, de melancolia por não suportar a ausencia.

    Estas visitas ao cemitério são terapeuticas e ajudam na elaboração do luto.

    Mas os vivos tambem merecem uma visita,antes que virem pó. Assim que eu me livrar desta roda viva irei a Ribeirão especialmente para ve-la.

    Beijos,
    Jacy

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  4. Minha querida,
    Seus comentários sempre me comovem. Leia meu artigo do próximo domingo. Na segunda-feira ele estará no Blog. Cobrarei sua visita. Hoje ainda eu lhe mandarei um convite, para o lançamento da segunda edição do meu livro de contos Os Girassóis de Girona, dia 13/11, às 20 horas, no Pálace. Quem sabe não será esta a oportunidade para nos encontrarmos? Se não, haverá outras.
    Beijos.
    Ely

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  5. Querida mestra, estarei em seu relançamento !!!!! Que surpresa maravilhosa essa notícia! Um de seus livros que mais gosto!!!Afinal, " A linha reta não existe para a alma..." vivo e respiro todos os dias... construções assim me inquietam quando o tédio e o comum insistem em me aborrecer... Tanto a dizer, mestra!
    Mil beijos!
    Thaís Ismail

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  6. Querida Thaís! Que alegria ter contato com você! Sempre recebo notícias suas por terceiros. Dizem que é a mesma menina linda, inteligente, dinâmica e que não mudou nada. Acabei de postar um artigo no meu Blog, onde falo da Magia da Internet, instrumento que nos propicia encontros fantásticos. Maravilha poder abraçá-la hoje!
    Beijos.
    Ely

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