CARTA À MÃE DE UM FILHO AUSENTE
Cara mãe,
Provavelmente vá detestar esta carta e deblaterar contra a autora, dizendo que ela nada sabe da dor de ter um filho ausente, longe de seus braços, da proteção materna.
Você tem razão, mas atente que eu examino o problema com lucidez, você o sente com o coração _ este órgão perigoso, que cega, distorce, vadeia abismos... No seu desespero de deixar o filho partir para a conquista de seus próprios sonhos, tudo é dor: a casa ficou sem alma, sem calor, a cama dele vazia, o lugar do seu prato à mesa, sua entrada barulhenta, as discussões (quem se ama não briga, só se discutem pontos de vista...), suas (só dele?) idiossincrasias, sua falta de ordem, a teima de comer o que se não se deve, os amigos (que os tem em demasia), a falta de disciplina nos estudos, o amor desvairado pela televisão, o gosto pela música de qualidade discutível, a namorada sem graça, sempre a pior que poderia escolher. Você conhece o complexo de Jocasta?
Querida mãe, seu filho cresceu, tornou-se um adulto, suas asas anseiam por infinitos e se o seu amor não ajudá-lo a solidificar as citadas asas, acontecerá, novamente, o mito de Ícaro... Não o enfraqueça com cartas chorosas, finja que o mundo dele é agora lá e não em seus braços, mesmo que o seu coração urre de dor. Não o chame de volta: seria mais fatídico que o canto das sereias, que sabe a morte. Morte de sonho, de crescimento, concessões, entrave na busca do ideal, tudo é mais nocivo que a morte mesma _ esta é paz, a outra, o inferno, quando não, o purgatório do tédio, do conformismo, da frustração.
Não lhe quero dar lições. Não acredito em conselhos: a experiência é ao portador. Quando você sentir a tentaçãozinha ingênua de dizer ao seu filho que sabe como é, já viveu algo idêntico, tem experiência, vá ler Freud, alguns filósofos, escritores como Machado de Assis, e verá que a alma, o coração são regiões do desconhecido. A vida, minha querida, a sua, a dele, a minha, é como já denunciava Heráclito de Êfeso: dinâmica, nunca se mergulha a mão na mesma água.
Deixe-o lá, na outra cidade, na profissão que escolheu, entre amigos e inimigos, longe de sua proteção que é bênção, mas veneno também. Voar é preciso. Não lhe corte a possibilidade. Nada se aprende na teoria _ é só no embate, na queda, na experiência, na dor.
Um dia, em uma de suas voltas para casa, você se assustará. Partiu o menino, mas quem voltou foi o homem. E vocês se olharão, cúmplices, amando-se mais do que nunca, pois você lhe deu o maior presente que a mãe pode dar a um filho: a liberdade. Com o mais belo invólucro: amor, muito amor.
(*) O texto acima foi escrito há alguns anos, para Heloísa Bolelli. Estou publicando-o novamente, porque ela gostou muito e neste final de fevereiro, nossa Helô lançou seu primeiro livro de crônicas, “Gato de Pelo Dourado”, obra premiada no Concurso Literário Grandes Empresas na Literatura. A jornalista Heloísa Bolelli foi picada pela mosca azul da Literatura. A noite do lançamento foi um sucesso, com a presença da Secretária da Cultura, Adriana Silva e o Presidente do Instituto do Livro de Ribeirão Preto, Adewaldo Arantes. No público, poetas, escritores, acadêmicos e amantes da Literatura
Minha querida amiga Cidíssima alertou-me que o nome do nosso Edwaldo Arantes saiu errado, por um erro de digitação. Eu lhe disse que isto se chama "gato", quando acontece em jornais e livros. E incomoda sempre. Peço desculpas ao nosso insigne Presidente do Instituto do Livro e aos leitores.
ResponderExcluirEly
O amor de mãe pelo seu filho ultrapassa às explicações. Ele vai além de.....
ResponderExcluirSeu amor foge às estatísticas e não tem ponto final: segue seu trâmite legal e emocional.
Quando o filho nasce já começa a disputa: terá que sê-lo mais do lado materno.
Na escola, se o filho chegar machucado, irá tomar satisfação.
A mãe não quer perdê-lo pela namorada. Aí começa o verdadeiro conflito!
E quando ele quer morar sozinho? Angústia, preocupação, proteção e certidão de propriedade!
José Saramago dizia, “filho é um ser que nos foi emprestado...”.
Abraços de Aparecida
Cidíssima,minha querida,
ExcluirSuas palavras são sábias. O levantar voo dos filhos sempre foi algo aflitivo. De um lado, os jovens ansiando pela liberdade, do outro, os pais, temerosos com os possíveis perigos que enfrentarão. Já se escreveu sobre a Síndrome do Ninho Vazio, mencionando o vácuo no lar, depois que os filhotes partem. Em contrapartida, só a liberdade pode fazê-los fortes e donos de seu destino.
Beijos.
Ely