COMO ME TORNEI UM DINOSSAURO
Lembro-me de que há algumas décadas, eu era considerada uma pessoa de ideias ousadas. Certa vez, em uma entrevista na televisão, em São Paulo, escandalizei os presentes, pois defendia a promoção automática, menosprezando as notas. Meu argumento à apresentadora: Você ganha nota pelo almoço bom que faz, ou por sua performance sexual à noite? O que eles não entendiam é que, ao invés de nota, eu me posicionava por uma avaliação mais abrangente.
Durante os cinquenta e dois anos que lecionei, jamais reprovei um aluno. Ao contrário, procurava conquistá-lo com aulas criativas, com o diálogo aberto, valorizando sua maneira de agir não só como aluno, mas como pessoa. De repente (afinal foram apenas vinte anos!) , olhei ao redor, conversei com professores, li artigos, assisti a notícias televisivas sobre a violência globalizada nas Escolas e fiquei pasma.
Nunca escrevi sobre isto, porque sabia as causas da síndrome, os efeitos, mas desconhecia a terapêutica e a cura. Como anular ou minimizar uma violència banalizada, fenômeno sociopolítico e econômico nefasto que grassa no mundo todo? Ela tem raízes na sociedade, na família e é alimentada também pela mídia, pela inversão de valores.
Dois acontecimentos me consternaram mais ainda, nesses útimos dias. Primeiro, vendo um jogo do Santos, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, em um jornal televisivo apareceu uma gordinha imbecil, gritando: “Neymar, engravida eu!”... Um outro berrava: “Neymar, engravida minha mulher!”... Fiquei a pensar nesse episódio bizarro e nos “heróis” modernos, jogadores de futebol, participantes do BBB...
Antes, as meninas encantavam-se com estudantes da USP e de Faculdades de renome, com rapazes inteligentes, com futuro. Hoje, amam os heróis fugazes, de fama passageira e duvidosa, com ordenados astronômicos. Lembrei-me de que há uns vinte anos, eu já me escandalizara, porque uma aluna meio eradinha veio me contar que ia se casar. Fiquei radiante e perguntei: Você o ama? Ele é bom, honesto, gosta de você? Para todas as perguntas, ela respondia: ele ganha muito bem, tem casa própria... E a mãe de uma jovem, falando do futuro genro: Ele é médico, com certeza enriquecerá, pertence a uma família importante...
Comecei a perceber que meus valores caíram em desuso. Honestidade, idealismo, crença no amor, na sensibilidade, acreditar em uniões sólidas, estáveis, coroadas de companheirismo, afeto, fidelidade, tudo começou a ficar fora de moda.
Outro incidente atual chocou-me mais ainda, comprovando, de vez, que este mundo não é mais o meu. Soube que mulheres vão às Penitenciárias para arrumar namorados, escrevem cartas de amor aos detentos. Durante o julgamento do monstrinho Lindenberg Alves, noticiou-se que ele começou a receber cartas apaixonadas, propostas de nomoro, até oferta de apartamento, se ficasse livre. Sabe-se que nos morros, nas favelas, algumas meninas sentem atração por bandidos cada vez mais ferozes, com armas mais potentes, traficantes famosos...
Sem conseguir entender os novos valores e estas jovens tão insólitas, comecei a me sentir um dinossauro. Onde o mundo belo, lírico, de sonhos, quando o amor, as virtudes, os verdadeiros heróis são consagrados? Que planeta é este, alicerçado em uma inversão de valores tão terrificante?
Vi em uma reportagem recente, que o Islamismo vem se alastrando no mundo todo e em pouco tempo, haverá a globalização islâmica. Não conheço bem sua ideologia, mas tenho a esperança que será melhor e mais sadia que o mundo ocidental de hoje. Nós falhamos. Tenhamos esperança que eles acertem.
Haverá maior solidão do que a ausência de si?
ResponderExcluirClarice Nishier
É natural que os tempos mudam.
É natural que houve uma evolução na medicina, na comunicação, nas artes, no cinema, na moda, mas nem por isso o mundo deveria estar nesta situação: caótico, violento, consumista, inconstante, cético, desvalorizado, indiferente.
A educação e o respeito estão em desuso.
O culto aos antepassados perdeu-se no tempo.
A mídia dita os atuais valores.
A televisão leva o homem ao esquecimento e a perda de si mesmo.
Adauto Novaes
As pessoas não pensam, simplesmente, copiam.
Crianças e jovens logo cedo viciados em sites sociais.
Programas de tv sem conteúdo, ociosos, mostrando uma banalidade contagiante.
As pessoas são frívolas.
Uma sociedade de barganhas e jeitinhos.
Pouca gente chora pelos famintos e pelo alto índice de analfabetos, mas um país inteiro chorou pela desclassificação do Brasil na África. Uma antítese grotesca!
Grande abraço Ely!
Aparecida
Querida,
ExcluirO problema é esta grande inversão de valores. Tem-se a impressão que quase todos, nos dias atuais, perderam a lucidez e se encantam com os falsos deuses, foram contaminados pela banalização. Como você bem analisa, conhecemos as causas, os efeitos, mas como eliminá-los, ou ao menos minimizá-los?
Beijos.
Ely
Ely
ResponderExcluirDurante algum tempo pensei como você.
Sentia-me como peixe fora d'água.
Bibliotecária por opção, paixão e convicção, dediquei-me durante anos a ela.
Minha prática era amar os leitores. Ampliar-lhes os horizontes. Entregar-lhes informação da forma mais consciente possível.
Encontrei muitos que me amaram. Encontrei muitos que me desprezaram, pelos métodos que aplicava para que a informação estivesse às mãos dos leitores em tempo hábil, não importasse os métodos – se utilizando formas rígidas biblioteconômicas, ou aquela que a criatividade me permitia. Dentro da própria classe encontrei desafetos.
Coisas dos tempos modernos com certeza em que se valoriza mais o ter do que o ser.
Porém, a profissão jamais se apartou do meu querer e sentir bibliotecária.
Hoje compartilho como você a sala de aula.
Não uma sala convencional, mas capacito jovens entre 14 e 15 anos para o mercado de trabalho. Alguns já trabalham.
Tenho percebido que, embora haja uma massa que prefere a contramão dos fatos - jovens ricos e celebridades - há jovens que se esmeram pelo conhecimento, buscando sacrificar horas de lazer pelo estudo - jornada quantas vezes pesadas demais para a pouca idade (estudo pela manhã, trabalho à tarde, cursinho a noite). Sábados e domingos momento de se aplicarem às matérias da semana.
Minha experiência tem sido melhor do que imaginava.
Tenho encontrado jovens valorosos, os quais me permitem qualificá-los dentre os 5%.
Continuo bibliotecária, não aquela das fichinhas, dos computadores, das estantes, mas aquela que tem prazer em transmitir informação, que, se transformada em conhecimento, sem sombra de dúvida se reverterá em sabedoria tanto para quem aplica quanto para quem a utiliza.
Dinossauros? Sim nosso tempo fora completamente diferente.
Tempo em que professor era valorizado. Hoje banalizado.
Entretanto, ainda podemos encontrá-los.
Coniventes. Amantes do fazer. Motivados. Crentes na profissão que professam – professor = profissão fé.
Realmente os tempos mudaram.
Machado de Assis tão bem o expressou:
- Mudaria o Natal ou mudei eu? –
Sim mudamos.
Mas também nossa contribuição é ímpar e bem aceita, ainda que pela minoria – não se pode abranger 100%.
Maravilhoso seu tema, como sempre.
Inspirou-me estas longas linhas.
Beijos e até.
ET:- compartilho meu blog http://encontrosdepalavras.blogspot.com.br/
Ely
ResponderExcluirCompartilho também com você os meus retalhos (http://retalhosdeleituras.blogspot.com.br/).
Você poderá conhecer também minha mestra de todos os tempos Carminda Nogueira de Castro Ferreira. Aquela que não só transmitiu a prazer máximo pela literatura, quanto às técnicas biblioteconômicas.
Monstros sagrados - dinossauros - de um passado sempre presente.
Magnífico este espaço que você nos direciona.
Parabéns e grata
http://retalhosdeleituras.blogspot.com.br/
Querida Inajá,
ExcluirExcelentes os seus comentários. Feliz pela sua nova visita. Li suas frases famosas e algumas me encantaram, pela filosofia profunda, pela sabedoria. Quanto ao seu trabalho com os jovens, é algo estimulante. Tenho uma ex-aluna muito brilhante, em São Paulo, que faz um trabalho semelhante, mas com um público mais diversificado. Ela se chama Eunice Mendes. E há também um ex-aluno, semideus de beleza e cultura, o Adriano Chan, que tem o Laboratório de Redação mais famoso e eficiente de São Paulo.
Volte sempre!
Beijos.
Ely
Ely cara mestra das letras
ResponderExcluirTeu artigo tem ocupado minha mente desde sua leitura.
Chamando-me especial atenção a colocação do tema e das palavras ali declinadas, logo pensei na sala de aula.
Em meio às propostas que se apresentam, sempre abordo outras que julgo acrescentarem valores.
Fora o caso desta magnífica mensagem.
Li todo o texto, acompanhada de um silêncio que nem mosca ousava zunir.
Comentários seguiram.
Um rapaz ousou levantar a voz "o que as mulheres estão fazendo para elas mesmas".
Lágrimas verteram de algumas, pude perceber.
Ely. Nada vem ao acaso.
Sou grata pela mensagem.
Por este espaço.
Coloco o link do nosso encontros de palavras:
http://encontrosdepalavras.blogspot.com.br/2012/03/o-som-do-barro-na-mao-do-oleiro.html
Um abraço e até a próxima
Querida Inajá,
ResponderExcluirMestres não se formam. Nascem. Ensinar não é escolha, é missão. Dizem que o conceito é meio antigo, todavia sem ele, a semeadura será pobre, a seara parca. Sinto que você é mestra de vocação. Isto é bonito. Sou também, de outro modo não teria lecionado 52 anos. O Mago de Cordisburgo sempre teve razão: Mestre não é o que ensina. É quem, de repente, aprende. Os alunos nos dão lições de vida, de sonho, de otimismo. Quem não acredita nisto, mude de profissão.
Um grande abraço.
Ely
Querida mestra das letras
ResponderExcluirSou feliz por tê-la no rol dos grandes mestres que a vida me proporcionou.
Muitos professores, mas poucos mestres.
Embora não tendo sido tua aluna, infelizmente, mas posso neste espaço sorver teu vasto e rico conhecimento.
Também próximas estivemos.
Durante algum tempo trabalhei na Secretaria da Cultura, no projeto Ribeirão das Letras, quando então Galeno Amorim secretário.
Era eu então a responsável pela criação das bibliotecas, ou salas de leitura.
O programa de escritores nas bibliotecas, do qual me maravilhava, estava a cargo da Fatu, mas me deleitava e muito aproveitava as oportunidades em que podia estar presente junto com os tais.
Infelizmente não tivemos oportunidade de travarmos diálogos.
Acompanhei você e Moacyr Scliar quando a dialogar sobre o livro "A mulher que escreveu a Bíblia".
Magnífico momento.
Agora você me leva às lágrimas.
Jamais pensei em salas de aula.
Jamais me pensei professora.
Bastavam-me as bibliotecas, os livros.
Agora, a oportunidade. O chamado. Talvez até a missão.
Amo o que faço realmente.
Jovens me ensinam.
Com eles posso aprender a olhar a atualidade com outros olhos.
Obrigada querida.
Eu não escolhi o estar nesta posição hoje.
Fui convidada e de pronto disse sim.
Sou grata as palavras deliciosas que acabo de ler.
Até mais
Imbecil é uma palavra muito desagradável para se referir as pessoas... Se tu queres valor, comece respeitando as pessoas OK.
ResponderExcluirCaro Anônimo,
ResponderExcluirQue adjetivo você empregaria para uma jovem berrando tal pedido para o Neymar? "Engravida eu!" Se você é um leitor atento e muito sensível, talvez se pudesse usar: gordinha ignorante, ousada, interesseira? Ficaria melhor?
Ely
Então Ely, sou educado, uso adjetivos bons para os meus irmãos. Pessoas não são objetos para empregar adjetivos. Adjetivo no qual tu empregaste é Bullying. Bullying é crime, com pena de 4 anos de prisão... quem "intimidar, constranger, ameaçar, assediar sexualmente, ofender, castigar, agredir ou segregar" criança, adolescente ou jovem "valendo-se de pretensa situação de superioridade". O delito pode ser realizado por qualquer meio, inclusive pela INTERNET. Se o crime for praticado por menores, ele será cumprido, em caso de condenação, em medida sócio-educativa. Fica uma dica para você.
ResponderExcluir- Deus nos ensina a AMAR, uns aos outros! Falar de valores é muito simples, difícil é valorizar.