AS TRÊS
SEREIAS
Elas residem no Rio, na Cidade Maravilhosa, têm
profissões comuns, nada poéticas: uma é Dentista, a outra Analista de Sistema e
a terceira é Psicóloga, conserta cabeças, cassa monstros do sótão de pessoas
atormentadas. Cultas, simples, bonitas e esbeltas.
Quando chegam, no entanto, à nossa casa, transformam-se.
É o verde do gramado que esparge frescura nas almas? A leveza da murta, que
dança na brisa e lhes dá o andar felino e macio? E a alegria, vem de onde? Da
variedade de pássaros que acorda a casa, ao alvorecer?
O mistério, todavia, é a grande piscina azul. Durante o
dia, as três descansam, bronzeiam-se ou leem livros inteligentes, debaixo dos
chapéus elegantes. À tarde, ao som de música dolente, bebem cerveja ou vinho em
copos de cristal, joias seguradas com doçura pelos seus dedos longos.
Contudo, o inusitado se dá à noite. Culpa da bela lua, do
exagero de estrelas, da brisa que se torna quase fria? Elas se aproximam da
piscina, apagam todas as luzes. Na escuridão, a lua fica mais ostensiva e as
estrelas são diamantes que brilham no fundo escuro do firmamento.
Em silêncio, elas
se despem. Como sílfides poéticas, mergulham seus corpos nus nas águas tépidas.
E nadam, brincam, riem. Como elas riem! Ficam horas nadando, ou descansando nas
bordas, de costas, de olhos muito abertos, perscrutando o céu, tentando captar
mistérios... Ao redor, o silêncio se faz, respeitando o momento mágico. Hora ou
outra, um pio estranho de pássaro noturno, enquanto a mangueira, um pouco à frente,
é uma mancha escura.
Elas são reais? Durante o dia, agendam-se e gostam também de
nos presentear com guloseimas. Criam pratos sofisticados, doces coloridos e
saborosos, bolos de frutas e castanhas. São fadas. Suas mãos fazem tudo de maneira
simples, como se brincassem. E às vezes realmente brincam, dançam no gramado
verde, tiram fotos bizarras. Quando lhes pergunto se não querem ir à cidade, ao
Shopping, ao cinema, elas me olham espantadas e dizem : Sair daqui?! Estamos no
paraíso!
Os dias mágicos escoam-se rapidamente, com se na
ampulheta de Cronos houvesse mais pressa. Sua estadia é uma metáfora da
existência, em seu dinamismo inexorável. Tudo passa em um átimo. É fácil
entender isto pela teoria do tempo psicológico.
Uma semana depois, a magia acaba. As Sereias
transformam-se novamente em profissionais aptas, mães cuidadosas, examinam
agendas e cronogramas, vão para o aeroporto. A vida urge. O dia-a-dia exige a
volta às obrigações. Começa-se novamente a se usar o celular, instrumento da
praticidade.
Lá do alto da escada, antes de entrar no grande pássaro
metálico, abanam as mãos, já saudosas. É a vida prática, luta renhida, que as
espera lá na grande Cidade, onde pousarão uma hora depois.
Ficamos aqui, encantados,
fortalecidos pelos dias poéticos, aguardando que breve, muito breve, as Sereias
voltem e aumentem com elas a beleza lírica do nosso Shangri-lá, um pequeno paraíso.
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