segunda-feira, 16 de julho de 2012


CARTA AO LEITOR

            Permite-me usar a segunda pessoa do singular, tratamento íntimo, mas afinal tu és meu amigo; mais do que isto, és meu colaborador, meu co-autor. Explico-te. Escrever não é um ato solitário; é uma obra a dois, uma parceria, um passo de dança. O autor e fruidor se completam. Se eu escrevo e tu não me lês, não tem sentido e eu me torno um João Batista a pregar no deserto, um semeador sem sementes férteis.
            Muitos autores já se queixaram do silêncio do leitor, que não tem voz e não diz o que sente diante do texto, não participa. Acho que o mais importante, porém, é que este nosso comparsa na sombra, este amigo esconso nos leia, compartilhe conosco nossas dúvidas, nossas procuras. Penso que nenhum ser humano ensina nada a ninguém, ele apenas divide experiências, conta (ou canta) seus sentimentos, emite juízos, faz comentários, tem a coragem de desnudar o espírito diante de um público aparentemente abstrato. É apenas uma troca: uma das partes pode ser silenciosa (o leitor), o receptor, o fruidor), mas não passiva. Leitura é como aprendizagem: é um trabalho a dois.
            Tu que me lês (se lês) talvez possas achar-me às vezes hermética, prolixa, exagerada, incongruente, mas nunca alienada ou desinteressada pela vida, pelos seres humanos, suas lutas e perplexidades. Eu, assim como Cristo, não gosto de purgatórios, de gente morna, esquiva, insossa. Prefiro pessoas que lembram a frase de Shakespeare: “Para ser verdadeiramente grande, é preciso não vibrar sem grandes razões, mas é preciso também lutar por uma palha, quando a honra está em causa”.
            Não quero te dar conselhos: só os tolos e os ingênuos pensam que eles têm alguma serventia. Mas, pensa bem: a vida é linda quando tu és bem tu; quando és singular, dizes algo diferente, original, abres a alma, tiras a máscara, fazes uma conquista. Há pessoas que são chavões ambulantes, são parentes do óbvio, do esperado, jamais surpreendem. Quando o homem parar de ter medo de confessar o que lhe vai na alma, tudo poderá ser diferente, as separações diminuirão, as ligações serão mais abundantes e duradouras.
            Um psicólogo famoso disse que todos temos o direito de “enlouquecer um pouco, cada dia”. Não tomes essas palavras denotativamente. Ele quis dizer que todos os dias temos direito de reservar algum tempo para nós próprios, desvestindo as nossas máscaras dos papéis que representamos. Eu seria mais específica. É no amor que devemos experimentar tais loucuras, tornarmo-nos transparentes, abrir os corações, ofertá-los com paixão, sem restrições. A alma não nasceu para jaulas. O amor também não. Chega de tanta estratégia, fingimento, guerra fria. No amor, a batalha é sempre corpo-a-corpo, de coração aberto. Tempera tudo isto com muita sinceridade, bastante fantasia, uma pitada de lirismo, outra de sensualismo, um pouco de lágrimas, arrebatamento, fogo e talvez tu descubras a receita da felicidade.
            Não sei por que te digo todas estas coisas, a ti, meu leitor silencioso, companheiro de domingo. Não era bem carta, mas um bilhete. Não leves nada a sério do que vai acima e apenas continua lendo o que te escrevo. Porém, não te esqueças da mensagem de hoje, que realmente eu queria te enviar: eu não vivo sem ti. O escritor só existirá se ele tiver leitores que o leiam. Os dois são uma dupla, uma parceria, uma conspiração. Isto é verdade. O resto é literatura.
                       

17 comentários:

  1. Ely,

    Muita lucidez, sensatez e verdade em sua carta!
    Concordo plenamente com você. Não sou escritor, mas também fico frustrado quando meus alunos silenciam... não interagem. Não se atinge o objetivo, não há comunhão de ideias, nada se completa.

    Estamos na época da velocidade, do excesso de informações inúteis e ilusórias, que alienam, nos distanciam dos verdadeiros valores da vida, da união, do diálogo, do amor.

    Quando releio o 3° parágrafo de sua carta, me dá um nó no peito, de perceber que, infelizmente, muitas vezes somos, sim, herméticos, frios e desinteressados pela vida e pelo semelhante.

    Às vezes, nos iludimos com tantas bobagens, temos MEDO de nos expor, de não nos expressarmos bem na escrita, de tropeçarmos na língua portuguesa, de sermos julgados... Medos... O que ganhamos com eles? Nada. Só perdemos, e muito! Temos de ser audazes, otimistas, com esperança e amor no coração. Devemos isto a nós e ao mundo.

    Será maravilhoso quando o ser humano conseguir atingir o que você escreveu no 4° parágrafo: "Quando o homem parar de ter medo de confessar o que lhe vai na alma, tudo poderá ser diferente, as separações diminuirão, as ligações serão mais abundantes e duradouras". Utopia? Não! É possível sairmos do monólogo, irmos para o diálogo, sairmos do casulo de proteção (nosso escudo), e nos integramos ao outro, ao mundo.

    Ely, como seu leitor, peço que nunca desista de nós. Aprendemos muito com você! Suas sementes são para hoje, amanhã, para a eternidade!

    Márcio

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  2. Lembrei-me deste poema, pertinente ao assunto, que fala sobre o nosso destino:

    "Amar"

    Que pode uma criatura senão,
    entre criaturas, amar?
    amar e esquecer,
    amar e malamar,
    amar, desamar, amar?
    sempre, e até de olhos vidrados, amar?

    Que pode, pergunto, o ser amoroso,
    sozinho, em rotação universal, senão
    rodar também, e amar?
    amar o que o mar traz à praia,
    e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
    é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

    Amar solenemente as palmas do deserto,
    o que é entrega ou adoração expectante,
    e amar o inóspito, o áspero,
    um vaso sem flor, um chão de ferro,
    e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

    Este o nosso destino: amor sem conta,
    distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
    doação ilimitada a uma completa ingratidão,
    e na concha vazia do amor a procura medrosa,
    paciente, de mais e mais amor.

    Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
    amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

    (Carlos Drummond de Andrade)

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  3. Querido Márcio,
    Seu comentário é excelente, uma pérola literária. Como vê, você também é escritor. Aquele que sabe dialogar com as palavras, aquele que lê, interpreta, sente, é um leitor/autor. Como é belo enviar mensagens que são recebidas por uma sensibiliade como a sua. Penso mesmo que escrever só tem sentido para o autor, quando ele sabe que será recebido pelo leitor, seu coadjuvante, seu parceiro na troca de ideias sobre a vida.
    O nosso Mago de Itabira é genial, principalmente com belas metáforas.
    Beijos.
    Ely

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  4. Márcio,
    No meu comentário anterior, eu quis dar realce ao dístico final, verdadeira chave de ouro.
    Beijos.
    Ely

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  5. Querida Ely, obrigado. E continuemos semeando, inclusive amor! Beijos, Márcio.

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  6. Querido Márcio,
    Você tem razão. O ser humnano está cada vez mais amendrontado de mostrar suas emoções. Ele se fecha, substitui seus sonhos pessoais por cobranças
    da sociedade, que prioriza mais o ter, em detrimento do ser. Assisti ao programa A Grande Entrevista, dia 10 deste, com o Cassoni como âncora. Os convidados foram a Denise Dias, terapeuta infantil e escritora, também o Regis Vianna, psiquiatra brilhante. Gostei tanto do programa, no Canal 20, que escrevi um texto sobre aquela hora inteligente, cheia de achados notáveis. Meu comentário sairá dia 29 deste, no Caderno C. Depois que você o ler, comunique-se comigo.
    Beijos.
    Ely

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  7. Meu querido,
    Por um lapso, não mencionei o entrevistado maior, de A Grande Entrevista: Guilherme Davoli, psicólogo notável, escritor. Ele tem posicionamentos excelentes, muito coerentes. A Grande Entrevista é um programa que enobrece a televisão, coisa rara. Os telespectadores participam, mandam mensagens, torpedos. telefonam. O programa é toda terça-feira, às 22.30 horas.
    Beijos.
    Ely

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  8. “O disparo não foi pelo dedo indicador”.

    Ely, este meu nano conto, com pouquíssimos caracteres, explicita a puxada de orelha feita aos seus leitores.... Às vezes comentaristas, às vezes não.
    Há dois tipos de ausência. Num o ausente não retorna, no outro o ausente não parte. Eu sou a segunda opção com um aditivo: Às vezes comento.
    Ely, continue na sua vigilância. Sacode-nos, provoca-nos.
    Seu desabafo literário procede. Algumas postagens riquíssimas suas não recebem nenhum comentário. Pobre de nós que não nos alimentamos delas!

    Abraços de Aparecida

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  9. Minha querida,
    Seu mini.nano.conto é muito bonito e sugestivo. Por que não escreve outros? Estão na última moda literária. Em tempo: Há um RECADO para você, publicado hoje, no Caderno C. Amanhã o texto estará aqui no Blog. Gostaria de ler sua opinião.
    Beijos.
    Ely

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  10. Lindo, lindo! Passei aqui pra te deixar um beijo, hoje, dia do escritor. Suas preciosas linhas tecem, em matizes variadas, um pouco da nossa alma. Mil beijos.

    Nívea Braga

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  11. Ei, Ely! Tenho um projeto literário no facebook que se chama JACINTO JURUPIRA E GUAPORÉ. São 3 autores, 100 dias, um texto novo de cada um a cada dia. No dia do escritor, essa foi a minha contribuição. Compartilho-a contigo. Beijos.

    Nívea Braga

    Quando via o mundo desajustado, esquisito, esquálido, ela escrevia. Escrevia até cansar, botava em palavras tudo aquilo que sentia. Não guardava nada, esvaziava-se, enchendo-se de bem traçadas linhas. Quando via algo belo também escrevia, dessa vez para registrar o "irregistrável". Aprendeu com as palavras que, nessa vida, antes de apontar o dedo, é bem melhor apontar o lápis. E continuar escrevendo.

    Jurupira (aos amigos Jacinto e Guaporé, no Dia do Escritor)

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    1. Ah, doce Nívea!
      É um prazer enorme quando você visita meu Blog. Ainda mais desta vez, que deixou um texto lindo. Jugurta e eu gostamos demais dele, sintético, criativo, cheio de originalidade. Poderia presentear-nos mais vezes, com estas pequenas obras-primas.
      Beijos.
      Ely

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    2. Ely,

      Pausa no meu oficio de manipular formulas para as dores do corpo, deparo-me com este texto,balsamo para as dores da alma. Não se preocupe: não te abandonaremos jamais...

      Beijos,

      Jacy

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    3. Adoro suas palavras, obrigada! Você está no facebook? Se estiveres, poderá acompanhar os passos de Jurupira! Beijos!

      Nívea

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  12. Querida Jacy,
    Então você é farmacêutica? Vontade de saber mais, que idade tem, quando se casou, se é feliz, quantos filhos tem, só a filha mencionada? Gostaria de saber sobre todos aqueles "adolescentes" dos Anos Dourados. Você não quer brincar de minibriografias? Tempos Antigos... Houve uma época em que eu amava escrever cartas, de 10,15,20 páginas. Ainda não me acostumei à síntese dos e-mails. Eles são tão frios...
    Beijos.
    Ely

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    1. Ely,

      Corresponder-me com voce, quanta honra, mas não neste espaço: ele é dedicado aos seus amados leitores.Falaremos dos livros,que são o alimento da alma. Meu e-mail é jacyantunes@terra.com.br.

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  13. Minha querida,
    Obrigada pelo e-mail. Vou viajar esses dias e quando voltar, lá pelo dia 15, eu lhe escreverei e farei uma proposta, aliás, que já fiz... Se gostar e/ou aceitar, poderemos nos corresponder.
    Beijos.
    Ely

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