domingo, 2 de setembro de 2012

MINICRÔNICAS


MINICRÔNICAS

         O amigo convidara. Domingo, almoço às doze horas. Fácil de achar a casa; era diante do cemitério do Bonfim.
         Sábado à noite deitei-me cedo. Sonhando, peguei o ônibus, surgiu a descida, sensação anestésica no estômago, a casinha rosa à esquerda; a entrada, mãe de P. me cumprimentando, quadro de pintor francês, na parede. P., alegre, aparecendo na sala. Biblioteca à esquerda, divã liso, cor de vinho, livros, livros, a carta da Alemanha no canto.
         A manhã do domingo azulou as montanhas de Belo Horizonte. Saí para a visita. Quando a descida surgiu, inquietei-me. A casinha rósea, como eu vira na noite anterior perturbou-me ainda mais. Entrada, mãe de P. , quadro francês na parede.
         Descrevi a ele, quase em pânico, a biblioteca, o divã, os livros, a carta. Não, não podia haver tudo isto! Ele sorri, manda-me verificar. Entro na pequena biblioteca. O vermelho escuro do divã salta aos meus olhos. Os mesmos livros! E no canto, ostensivo como um objeto fetíchico, o grande envelope de bordas azuis e vermelhas, remetido por alguém da Alemanha Ocidental.

                                                II

         Ele surgiu de alguma sombra, perto da escada. Tomou a mão da menina, convidando untuoso:__Vamos lá no meu quarto. Tenho revistinhas para você ler...
        Os olhos da pequena brilharam. A alma inclinou-se ao chamado e o corpo foi de leve subindo a escada, guiado pelo aconchego morno da mão desconhecida. No topo, alguma coisa a reteve. A greve dos Anjos da Guarda terminou?
        Ela olha para o homem, tem um segundo de indecisão e sai correndo para o quarto do hotel, onde seu pai e sua mãe conversam calmamente sobre as compras importantes que devem ser feitas ainda aquela tarde, ali, em São Paulo.
                                              
                                                 III


      As duas caminhavam descalças, evitando as pedras maiores. Dois contrastes de oito anos, cabelos louros. Solidárias nas pernas finas, nos braços de barbante.
      Os dois meninos saem do matinho próximo e tapam a passagem. Uma estaca, passiva, sem saber o que fazer. A outra, coração desembestado, negaceia e escapa por uma nesga de estrada, correndo.
       Menos de cem metros adiante, sem fôlego, para. Olha para trás. Nunca mais a cena lhe sairá da cabeça, dando-lhe comichões pelo corpo, pulsações descompassadas e pesadelos. Debaixo de um dos meninos, que prende como um torniquete, as perninhas da amiga, reagindo, inutilmente, num esforço de animalzinho perdido.

 
                                              IV


      No quintal, sob um céu muito azul,  a cena mágica: ele, com as mãos em concha, aquecia o curiozinho trêmulo, passando a mão sobre sua cabecinha. A ave minúscula era a imagem viva da fragilidade e do medo. Ele a encontrara na gaiola, de costas, perninhas para cima, agonizando. Com medo,  grande ternura e muita esperança, tenta  salvar a avezinha. Aos poucos, o bichinho para de tremer e alguns  minutos depois, consegue comer algo que seu salvador lhe oferece. À tarde, está no seu poleirinho, ainda meio jururu. No dia seguinte, até ensaiou gorjear um pouco, agradecendo seu salvador.

V

     Juna, a caçadora, apareceu com o pobre lagarto verde nos dentes. O pobrezinho tentava inutilmente escapar. Ela se aproximou, mostrando, orgulhosa, sua presa. Os grandes olhos de esmeralda brilhavam de alegria e de orgulho. Tentei livrar o bichinho, mas ela, segura de seus direitos, se negou,  meneando a cabeça, fugindo para o canil. Fui até lá, usei argumentos convincentes,  negociei,  mas foi inútil. Depois de alguns minutos, consegui que ela soltasse a vítima, que saiu, meio troncho, sem a cauda, correndo para a grama. Minha labradora me olhou de maneira estranha, sem entender a injustiça. Nem tentei explicar. Ela acabará por me perdoar.



2 comentários:

  1. ITEM V

    Bom dia Ely!
    Os animais são dóceis, amigos, fieis, companheiros. Dizem que alguns são ferozes, mas se tornam à medida que são estimulados ou provocados.
    O animal tem seu impulso irracional. Muitas vezes com características protetoras.
    No caso do texto acima, o animal mostrou seu instinto de ataque, e para sua dona, um escudo para um perigo premente.
    Os animais nunca matam por divertimento.

    Aparecida





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    1. Minha querida,
      Meu amor pelos cães é muito antigo e irrestrito. Pela vida a fora tenho feito loucuras para salvá-los, defendê-los. Repito sempre que não se pode confiar em quem não gosta de cães. É gente de coração duro, alma frígida. Grandes autores e filósofos já disseram que se conhece a cultura de um povo pela maneira que ele trata os animais. Hoje saiu uma notícia na Internet que em um país fdp eles estão usando cães para consumo humano. Fico até doente de pensar nisto. Aí, neste momento, sou capaz de odiar.
      Beijos.
      Ely

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