domingo, 12 de maio de 2013

COMO SE COMEMORAR OITENTA ANOS


COMO SE COMEMORAR OITENTA ANOS

                Ele é um menino de setenta e nove anos. Por que menino? Pelo entusiasmo, o otimismo, o exacerbado amor à vida. Diz sempre: Tomara que a prorrogação da partida seja bem longa e o Grande Juiz perca o apito para finalizar o jogo da minha existência.
                Muito religioso, aceita os desígnios de Deus com mansidão. É grato e humilde. Enfatiza muitas vezes: Eu recebo muito mais que mereço. Não frequenta Igrejas nem Centros. Faz orações em profundo recolhimento. Em contrapartida, brinca muito, dá risadas homéricas.
                Sem exagero algum, ele realmente é um workaholic. Não para o dia todo, conserta tudo em casa e fica feliz quando há algo a fazer, mesmo se tarefa árdua, sábado ou domingo.
                A união familiar é um dos seus valores mais sólidos. Adora a vida em família. Saudosista em extremo, tem uma memória peculiar. Lembra de episódios, nomes, locais desde sua tenra infância.
                Homem intenso, espirra alto, cantarola letras inteiras de músicas antigas. Foi músico. Quando jovem, tocava Sax Tenor na orquestra de uma cidade onde morou durante muitos anos. Aluno excelente, desde o Fundamental, contudo leu poucas obras literárias, até que oito anos atrás, viúvo, casou-se com uma escritora e acabou sendo seu secretário. Ele brinca: Leio toda sua obra, que passa pelos meus dedos, quando digito seus originais.
                Há pouco tempo, em uma reunião familiar, suas filhas, que residem no Rio de Janeiro, disseram com entusiasmo: O senhor  vai completar oitenta anos. Há que se fazer uma grande festa! Ele refugou. Não quis, seu desejo era outro. Há um ano começara a escrever textos sobre sua vida, desde a infância. Como disse ele, em entrevista na TV, fora picado pela Mosca Azul da inspiração. Queria publicar seu livro.
                Os sonhos se realizam. Nosso herói não gosta de ficção. Optou, portanto, pela Literatura Testemunhal e começou a escrever crônicas e contos sobre episódios bizarros de sua vida. Publicou alguns no jornal. Os leitores gostaram.
                Assim, dia 18 de maio acontecerá o Lançamento de Do Fundo do Baú (Editora Funpec). O evento será no Hotel Nacional. Amante do passado, ele começou a rever cenas, fatos, episódios bizarros de sua infância e da mocidade. Vasculhou seu baú de guardados e, à noite, varava a madrugada no Computador, relembrando e teclando.
                Realmente, comemorar oitenta anos com um lançamento de livro é algo expressivo. A obra será um documento vivo de sua rica história. Não são memórias, mas narrativas de acontecimentos insólitos de sua atribulada vida.
                Ele quis usar uma epígrafe e, ao invés de citar algo de um autor famoso, ele redigiu uma pequena confissão que, em síntese, é sua minibiografia: “Quando pensei que a estrada tinha terminado, o horizonte mostrou-me que a caminhada estava apenas começando.”
                Na Terceira Idade, em geral fica-se nostálgico, relembrando acontecimentos bons e ruins, que são guardados no cofre silencioso da alma. É uma pena. Confissões ricas, de vidas interessantes, concretizadas em uma experiência repleta de sabedoria, vitórias e derrotas, são documentos preciosos. É justamente na Terceira Idade que escrever é uma função catártica eficiente. Afinal, todo ser humano é uma prova viva da mais complexa obra da Criação.

Um comentário:

  1. Há um antigo ditado que diz: “Metade da velhice é arrependimento”. Não concordo porque nosso personagem tão bem decantado pela Escritora Ely não se enquadra nesse protótipo. Ele é elástico, um homem fora das leis: lei do comodismo, do conformismo, da estagnação em não mais produzir, é um autêntico rompedor de barreiras.
    O tempo para esse bom cuidador não é determinado. É flexível em todos os ângulos. Quando suas mãos se unem para novos projetos, elas despontam e irrompem para servir, transformando-no num ser pleno, puro.
    Aparecida



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