OS
CONCEITOS E SEUS MISTÈRIOS
Como os seres
humanos são tão complexos, seus conceitos não poderiam ser diferentes. Até
mesmo as palavras, na Comunicação, mudam de sentido com o tempo, algumas até
desaparecem. Hoje, alguém poderia mandar uma pessoa calar-se, fazer silêncio,
dizendo-lhe “Caluda!”? Ou exprimir espanto e admiração, falando: “Cáspite”? Quem
se lembra do sentido primeiro do termo “formidável”, usando-o como sinônimo de
enorme, imenso, que dá medo?
Assim também são os conceitos. Um dia
desses, brincando com alguém de quase oitenta anos, que vai publicar seu
primeiro livro, eu lhe disse: “Oh, meu escritor bissexto!”. Ele estranhou.
Disse-lhe eu então que era aquele que escrevia apenas um livro. Temos exemplos
famosos. Aníbal Machado levou mais de vinte anos escrevendo o romance João
Ternura.
Sentindo que a morte se aproximava e
estando o livro pronto, pediu ao seu amigo Carlos Drummond de Andrade, que
tomasse conta de sua obra. E Drummond assim o fez. Um ano após a morte de
Aníbal Machado, em 1965, João Ternura foi publicado e tornou-se uma obra famosa
na Literatura Brasileira.
Durante
muito tempo usei a expressão “escritor bissexto”, despreocupada, até que
recentemente fiquei sabendo que Manuel Bandeira, por modéstia e humildade
poética, às vezes dizia que ele era um Poeta Bissexto, isto é, que só fazia um
poema, quando a inspiração vinha... Ora, então podemos dizer que Clarice
Lispector é uma Poetisa Bissexta. Famosíssima por seus romances, a escritora
brasileira mais traduzida no mundo, ela, de vez em quando fazia um poema.
Lembrei-me de
um fato literário pitoresco. Guimarães Rosa escreveu um livro de poemas, Magma.
Apesar de obra premiada, ela foi praticamente banida da bibliografia do nosso
Mago de Cordisburgo, um dos maiores escritores brasileiros, o romancista que
criou uma linguagem nova, um mundo mágico inigualável. Como poeta, ele era
apenas bom. Mas como o autor memorável do Grande Sertão: Veredas ou de Sagarana,
ele é único. Guimarães Rosa é, pois, um poeta bissexto.
Outra
observação interessante: em Literatura, na realidade, há autores que não têm
predileção pelo gênero da prosa ou do verso. O primeiro requer mais lucidez,
realce de argumentos, criação de núcleos narrativos, tipos de discurso,
personagens. O segundo é muita inspiração, sensibilidade, estado de alma,
linguagem figurada. Mas está longe de se ter uma definição exata, de haver limites entre os dois gêneros. E aí está a
obra magnífica de Maria Carpi, que consegue ser grande na prosa e no verso.
Em qualquer
gênero, há que se ter TALENTO, uma dose de criatividade, de sensibilidade,
conhecimento rico da língua na qual o autor se expressa. Alguém dirá: há outras
coisas a se discutir, como por que se escreve, o papel da inspiração e do
conhecimento profundo das PALAVRAS, até onde há realidade e/ou ficção no que se
escreve. Mas isto é assunto para outro artigo. Não. Para um livro.
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