RECADO
À MINHA MÃE
Daqui a dois dias fará um ano que você
se foi, minha querida. É estranho. Após a dor pungente da separação, o vazio de
seu quarto, a casa empobrecida sem seu sorriso bonito, fico a pensar nas lições preciosas que me
deixou. Você partiu docemente, com o rosto nas mãos de seu genro, eu ali, ao
seu lado. Sua respiração foi ficando cada vez mais fraca e se foi, silenciosa
como uma flor.
No seu velório, chamava atenção a paz
de seu rosto, a pele bonita, o cabelo cor de trigo emoldurando uma face
incrivelmente bela ainda, para quem estava com noventa e cinco anos. Você
sempre foi assim. Vaidosa, cuidadosa com o corpo, elegante, com as lindas
pernas sempre de meias, o quadril grande, os seios volumosos, a cintura fina,
sem sinal de barriga.
Os anos não tiraram sua beleza, o
brilho dos olhos escuros, a alegria, as mãos esguias, com unhas bem tratadas.
Apetite de menina, sábia, lírica. Quando fui a primeira vez para a Europa,
lembra-se? Você me escrevia todos os dias. Éramos sim muito amigas, quase irmãs, não mãe e
filha. E guardo seu exemplo de esposa que ama o companheiro. Parece-me vê-la
ainda, todas as noites, na Biblioteca, meu pai deitado em seu colo,
contando-lhe coisas do trabalho, você alisando-lhe docemente os cabelos.
Você sempre o amou com o entusiasmo da
juventude, seu belo espanhol de cabelos ondulados, corado e aqueles incríveis
olhos meio esverdeados, que às vezes, pareciam cinzentos. Para mim, era o exemplo maior de um grande
amor. Sua história é linda! Quando ele chegou da Espanha e a conheceu, na
pequenina cidade mineira, apanhou uma rosa vermelha e lhe ofereceu: “Para a
moça mais bonita da cidade”...
E a pobre prima dele, preterida, nunca
os perdoou. Ela não sabia que há destinos selados? O amor dos dois uniu o
pequeno Pueblo de Pardesoa, onde ele nasceu, e a cidadezinha de Minas. E os
dois se amaram a vida toda. Vocês não se casaram na Igreja. O padre era
implicante e casmurro. Muitos anos depois, quando você melhorou de moléstia
grave, ele perguntou-lhe feliz o que você mais desejava. A eterna apaixonada
não titubeou: Casar na Igreja! Ele só exigiu que não fosse em Ribeirão Preto. Onde já se viu? Dois
velhos! E lá fomos nós para Sacramento. Eu fui sua madrinha. Bizarro, não? Você
estava linda e nervosa, sob o belo véu cinzento de renda. Eu amo sua história!
Hoje, no entanto, fiquei só com a
saudade, um sentimento lírico, meio doce e triste. Fico horas na varanda,
diante do verde, das flores, minhas duas Labradoras aos meus pés. E nós falamos
de você, quando tomava sol ali. As duas cachorras, que a amavam, vinham
lamber-lhe as mãos e muitos pássaros pousavam tão perto, que pareciam seus
amigos.
É assim que rezo, converso com Deus,
sobre você. Eu Lhe falo de sua alma pura, de sua fé, da sabedoria. Peço a Ele
que me passe um pouco dela e permita que eu continue sonhando com você, o que
acontece muito. À noite, você vem visitar-me, está sempre sorridente, alegre e
carinhosa. Eu acordo feliz com sua visita, revigorada. Parece-me que não partiu.
Sim, tenho certeza de que está ainda aqui comigo.
Doce mãe, amiga querida! O que fiz para
merecê-la? Que Deus me faça tão sábia quanto você. Sei que está feliz, agora
com seu grande amor, para sempre, amando-se, passeando entre nuvens doiradas,
sem o fantasma da separação. Um dia quero estar aí com vocês. Estaremos
finalmente reunidos. Mas que não seja breve. Você pode me conseguir um atestado
de garantia, para mais uns dez ou quinze anos por aqui?
O amor se alegra com a pureza de coração.
ResponderExcluirProf. Dr. Antonio Ap. Pupim Ferreira
Caro Dr. Antônio Ap. Pupim Ferreira, obrigada por sua sensibilidade.
ResponderExcluirEly
Ely, esta foi a melhor declaração de amor a uma mãe!
ResponderExcluirCada um percebe segundo a história de sua vida sensível.
O que vemos não é o que enxergamos, é o que percebemos...
Abraço minha querida mestra!!!
Aparecida
Minha querida,
ResponderExcluirQue prazer tê-la de volta no meu Blog. Suas visitas o enriquecem. Gostaria de vê-la também na Feira do Livro. Dia 7 de junho, às 16 horas, serei mediadora da Poetisa Mara Senna, no Nossa Aldeia e e dia 8 de junho, às 13h30 teremos um Salão de Ideias. Até lá!
Beijos.
Ely