domingo, 9 de junho de 2013

CARTA A UMA AMIGA

CARTA A UMA AMIGA

      Não pude resistir. Ela afirmou que assinara o Jornal só para me ler aos domingos. Ao mesmo tempo, cortou-me a liberdade. Deblaterou e criticou-me ferozmente, quando escrevi um texto amargo, pleno de dor metafísica.
         Outro domingo, quando, de novo, em crise existencial, senti necessidade de escrever algo triste, minha Amiga querida derrubou a casa, brigou, reclamou. Disse que os Leitores precisam de textos otimistas, alegres, que fazem bem à alma... Argumentei que eu não era o Paulo Coelho e ela ficou mais brava ainda, quase cortou relação comigo...
         Por isso, eu senti necessidade de agradá-la. Afinal, é uma amizade de quase meio século, um tesouro. Então comecei a conversa pelas beiradas e lhe disse: Escute, amiga querida, você me fez lembrar de uma deliciosa afirmação do escritor famoso. Ele confessou: “Só bipolar? Para mim é pouco!”... E eu o entendo. Afinal, mulher, não somos todos assim, que experimentamos rica variedade de humor? Up! Down! Up! Down! Por acaso você acha que somos lineares, retilíneos, sempre lúcidos? Vá ler Freud, chérie!
         Mas eu prometi a mim mesma escrever um texto repleto de lirismo e alegria. E vou colocá-la no centro da trama, porque a história é verdadeira, também pela nossa amizade e pelo carinho que lhe tenho.  Além disso, minha querida, você sabia que todo escritor tem o direito de contar uma bela história de amor, sem pedir licença às personagens da vida? Se não gostar, reclame com Deus, o Grande Editor...
          Você era jovem ainda, prepotente, resolvida e arrotava heroísmos feministas. Jamais se apaixonaria, vivia muito bem sozinha, tinha seu trabalho. E acredito que, quando dizia isto, com seus belos olhos negros brilhantes, as sobrancelhas cerradas, você acreditava mesmo na pretensa liberdade.
         Então a vida resolveu dar-lhe um tombo, uma rasteira. Em uma reunião de Professores da Faculdade, onde lecionávamos, você contou, rindo muito, que um amigo viúvo, maduro, cheio de filhos, fizera-lhe um repto: Se saísse com ele dois meses e não se apaixonasse, ele a deixaria em paz. Caso contrário, vocês se casariam.
         De cabeça erguida, confiante, você aceitou o desafio. Ora, dali dois meses, em outra reunião, você tinha um olhar estranho e perdido. Cheio de cismas, caiu no choro e confessou abismada: “ Eu estou apaixonada!”.
         Pouco tempo depois veio o casamento e você estava linda como uma princesa oriental. Na igreja, tudo era dourado: as flores, seu vestido, o buquê, o manto de veludo, sobre as costas...
         Não é belo tudo isto? Pareceu-me ver em um dos cantos, Eros, com olhos vivos e sagazes, o sorriso matreiro. O Amor nos visita não quando o desejamos ou o rechaçamos, mas quando Ele quer. E as vítimas (ou os eleitos?) nada podem fazer. Não há atestado de garantia, nem setor de reclamações. É tudo ali, no vivido, no sendo, sem ao menos ensaio ou rascunho.
         E desde então você ficou mais doce, menos irascível, uma fortaleza mais frágil. É assim o destino dos que são enredados nos braços do Amor. Puro tremor e sensibilidade. Você então, minha doce amiga, viveu o grande paradoxo : quem não ama, não sofre, mas também não vive. Quem experimenta o verdadeiro amor, conhece céus e infernos e o  medo: o da perda.

 Escrevo-lhe, pedindo paz. E não fique brava comigo, se eu tiver outro ataque de tristeza. Tudo é efêmero, passageiro. Nossa alma é uma bandeira desfraldada, sujeita aos caprichos dos ventos da existência.



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