CARTA
A UMA AMIGA
Não pude
resistir. Ela afirmou que assinara o Jornal só para me ler aos domingos. Ao
mesmo tempo, cortou-me a liberdade. Deblaterou e criticou-me ferozmente, quando
escrevi um texto amargo, pleno de dor metafísica.
Outro
domingo, quando, de novo, em crise existencial, senti necessidade de escrever
algo triste, minha Amiga querida derrubou a casa, brigou, reclamou. Disse que
os Leitores precisam de textos otimistas, alegres, que fazem bem à alma...
Argumentei que eu não era o Paulo Coelho e ela ficou mais brava ainda, quase
cortou relação comigo...
Por isso,
eu senti necessidade de agradá-la. Afinal, é uma amizade de quase meio século,
um tesouro. Então comecei a conversa pelas beiradas e lhe disse: Escute, amiga
querida, você me fez lembrar de uma deliciosa afirmação do escritor famoso. Ele
confessou: “Só bipolar? Para mim é pouco!”... E eu o entendo. Afinal, mulher, não
somos todos assim, que experimentamos rica variedade de humor? Up! Down! Up!
Down! Por acaso você acha que somos lineares, retilíneos, sempre lúcidos? Vá
ler Freud, chérie!
Mas eu
prometi a mim mesma escrever um texto repleto de lirismo e alegria. E vou colocá-la
no centro da trama, porque a história é verdadeira, também pela nossa amizade e
pelo carinho que lhe tenho. Além disso,
minha querida, você sabia que todo escritor tem o direito de contar uma bela
história de amor, sem pedir licença às personagens da vida? Se não gostar,
reclame com Deus, o Grande Editor...
Você era jovem ainda, prepotente, resolvida e
arrotava heroísmos feministas. Jamais se apaixonaria, vivia muito bem sozinha,
tinha seu trabalho. E acredito que, quando dizia isto, com seus belos olhos
negros brilhantes, as sobrancelhas cerradas, você acreditava mesmo na pretensa
liberdade.
Então a
vida resolveu dar-lhe um tombo, uma rasteira. Em uma reunião de Professores da
Faculdade, onde lecionávamos, você contou, rindo muito, que um amigo viúvo,
maduro, cheio de filhos, fizera-lhe um repto: Se saísse com ele dois meses e
não se apaixonasse, ele a deixaria em paz. Caso contrário, vocês se casariam.
De cabeça
erguida, confiante, você aceitou o desafio. Ora, dali dois meses, em outra
reunião, você tinha um olhar estranho e perdido. Cheio de cismas, caiu no choro
e confessou abismada: “ Eu estou apaixonada!”.
Pouco tempo
depois veio o casamento e você estava linda como uma princesa oriental. Na
igreja, tudo era dourado: as flores, seu vestido, o buquê, o manto de veludo,
sobre as costas...
Não é belo
tudo isto? Pareceu-me ver em um dos cantos, Eros, com olhos vivos e sagazes, o
sorriso matreiro. O Amor nos visita não quando o desejamos ou o rechaçamos, mas
quando Ele quer. E as vítimas (ou os eleitos?) nada podem fazer. Não há
atestado de garantia, nem setor de reclamações. É tudo ali, no vivido, no
sendo, sem ao menos ensaio ou rascunho.
E desde
então você ficou mais doce, menos irascível, uma fortaleza mais frágil. É assim
o destino dos que são enredados nos braços do Amor. Puro tremor e
sensibilidade. Você então, minha doce amiga, viveu o grande paradoxo : quem não
ama, não sofre, mas também não vive. Quem experimenta o verdadeiro amor, conhece
céus e infernos e o medo: o da perda.
Escrevo-lhe, pedindo paz. E não fique brava
comigo, se eu tiver outro ataque de tristeza. Tudo é efêmero, passageiro. Nossa
alma é uma bandeira desfraldada, sujeita aos caprichos dos ventos da
existência.
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