FLUK
FLUK era um gnomo como todos os outros, pequeno,
insignificante, com três opções a escolher: guardar os tesouros do interior da
terra, tomar conta de uma árvore ou ser guardião de uma roseira. Desde que o
mundo é mundo, foi assim e ele devia dar-se por satisfeito: há criaturas que
têm uma só opção, outras nenhuma. Mas Fluk não obedecia às leis naturais, só
gostava do que não devia, não optou por nada quando completou a maioridade.
Passava seus dias a ocupar-se de coisa nenhuma: olhar sua cachoeira que
despencava lá do alto em branca espuma rendada, sentir o perfume das flores,
vê-las abrir de manhãzinha.
Preferia observar os pássaros no amor, esfregando os
biquinhos e roçando as penas macias dos papinhos coloridos, ver borboletas
amarelas se amando sobre os roseirais. Era um romântico. Sentia-se só e o
coraçãozinho apertava: a vida deve ter um sentido maior, cada criatura vem
assinalada para uma grande missão. Qual a sua?
Cismava. Guardar tesouros, ouro ou diamantes, esmeraldas,
rubis, safiras, pedras frias que não serviam para nada? Tomar conta de uma
árvore frondosa, cheia de si, que não precisava de ninguém? A roseira tinha
seus espinhos que a protegiam. E ele viera ao mundo para que? Por que a ânsia,
aquela certeza de que algo ainda aconteceria?
Andava assim pelos caminhos, absorto, infeliz, esperando.
Olhava as formigas e admirava sua faina incansável, tão ordeiras, obcecadas com
o trabalho, carregando inacreditáveis folhinhas verdes para um futuro incerto.
As abelhas eram lindas, as habilidosas obreiras ou operárias descendo no
coração das flores, sugando o néctar, recolhendo nas patinhas o pólen,
executando a dança quando regressavam às colmeias. Odiava a regalia, a
imponência da rainha, invejava os zangões, que eram capazes de morrer por amor,
no voo nupcial.
E assim vivia Fluk, zanzando de uma banda para outra o
dia inteiro, banzando na vida, ouvindo os grilos e os vagos rumores do ermo,
flanando por entre as flores, mordiscando uma pétala, vagueando sobre os
arbustos, perambulando entre uma espera e um vago sonho.
Um dia viu FLORA, a rainha. Era a primavera e o céu
exagerou no azul. O sol doirou a Natureza, aqueceu os corações, os pássaros
trinavam, chilreavam, gorjeavam, pipilavam enlouquecidos de beleza. As
borboletas coloriam o ar. Ele viu Flora em toda a sua magia primaveril,
esparzindo amor e ternura. Fluk descobriu para que nascera: viera ao mundo para
amar Flora. Tornou-se poeta. Escrevia poemas belíssimos que o vento levava ao
ouvido da Amada. Ela, encantada com as palavras que eram pura melodia, dizia:
“Meu Deus! Como alguém pode amar assim?”. Fluk, aos seus pés, mal elevava os
olhos, humílimo, tímido, cego de amor.
Correram os dias. Flora continuava cada vez mais bela e
mais distante. Fluk percebeu então que a vida pode ser trágica e cavar abismos
entre as criaturas. Resolveu morrer. Ficava horas sentadinho perto de sua
cachoeira, enxugando as lágrimas com jasmins e rosas brancas. Quando seu
coraçãozinho não aguentou mais, foi para
o ponto mais alto da cachoeira e saltou.
Flora passava por ali e pela primeira vez reparou nele.
Estranhou que tal criaturinha quisesse morrer e logo na primavera... Quando
Fluk se atirou nas águas, a poderosa deusa Flora aparou-o nas mãos e
transformou-o em um nenúfar, muito branco, muito belo, que foi pousar com
suavidade em um remanso. E lá ficou eternamente, qual alva ninfa sobre a flor
das águas.
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