DO
SOFRIMENTO
O sofrimento é algo inerente ao ser
humano. Uma segunda pele. Criatura imperfeita, ele almeja a perfeição. Mortal,
efêmero, ele sonha com a eternidade. Bicho cheio de carências e necessidades. O
sonho alimenta a alma inquieta; se não sonha, morre. Quando realiza alguma das suas mais íntimas aspirações, logo ela é
posta em segundo plano e o outro ideal a substitui, porque a alma é insaciável
e sequiosa. No deserto dos infortúnios, o sonho é um presente de grego que nasce com esse macaco
glabro e bípede, que talvez seja um
desvio, um acidente de percurso da Criação, por isso é frágil e inseguro. Às
vezes surge um oásis de verde alegria. Ela é sempre bela e fugaz. Por isso é
que felicidade é o mais abstrato dos substantivos.
Por
que não ser simples e satisfazer-se com necessidades básicas? Companheiro(a),
filhos, casa, comida, dinheiro que dê para as premências diárias. Sem isso,
impossível viver. Mas por que só isso não basta? De onde vem a ânsia que não se
sabe de quê, os desejos mais insólitos e inconfessáveis, a certeza de que nada
poderá preencher esse vazio, a busca cega, força maior, desassossego contínuo,
paz inalcançável ? Surge o sofrimento , amigo inseparável do homem. Com
entendê-lo? Alguém inteligente, talentoso, profissional de renome, olha-me com
tristeza e filosofa: “Sou um Ph.d. em sofrimento”. É intrigante. Quais os
parâmetros que o fazem afirmar isso? O sofrimento pode ser uma carência
metafísica insanável? Reconhecendo-se um ser mortal, imperfeito e efêmero, em
essência, a felicidade, a alegria
tornam-se inatingíveis? Dostoievski afirmou que a maior desgraça do
homem é a lucidez. Enquanto o homem cria seus mitos e doura a pílula das
mazelas diárias, para suportar as incongruências da vida, o absurdo da
existência humana, ele pensa que é feliz. Faz ficção, mascara a realidade, vive
eufemicamente o decantado amor, a busca
pela rara paixão que os assinalados conseguem sentir, tudo são muletas, drogas
para não enlouquecer.
Os chamados realistas criticam o
amor-mistério, da cavalaria, herança de Camões, que depois passa pelo resgate
de Hollywood, com Casablanca, e desemboca nas novelas da Globo; é amor- ilusão,
de pseudo-adulto, que ficou emocionalmente entre a adolescência e a idade
madura, sentimento que não resiste à aspereza da realidade do mundo moderno.
São posicionamentos diversos. As relações dos seres humanos são complexas
demais para serem rotuladas.
Ora,
o que se pode fazer é tentar compreender a complexidade humana. Parafraseando o grande poeta Cassiano Ricardo:
Desde o momento em que se nasce, já se começa a sofrer. Se a vida é luta, busca
incontínua e vã para se conquistarem prêmios efêmeros, como coabitar com a
lucidez, ter sempre a tristeza como parceira, não se desesperar? O homem
reinventa a vida, com suas verdades, ainda que falsas, pesquisa, lê livros
imbecis de autoajuda (só se fossem escritos por Deus, sapiência suprema),
enfim, criam uma realidade insuportável e acaba, às vezes até nas suas ficções.
Enfim,
o que é sofrimento? É algo inerente, intrínseco ao homem. Talvez a felicidade,
seu antônimo, seja conseguir driblá-lo, durante toda a vida. Não são
importantes as armas escolhidas para essa luta terrível. O resultado é o que
conta.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirComo sempre, belo texto !
ExcluirSofrer é julgar o presente, muitas vezes um mal presente. Muitos cheios de razões, julgam que a vida caminha para o fim de tudo, e nascer começo de nadas, que belo resultado. Um presente desembrulhado, e sem nada no pacote! Resultado da inteligência criadora ??
Élvio Antunes Arruda,
ExcluirPelo belo comentário, sensível, com lindas metáforas, nota-se que você gosta de escrever. Acertei? Já publicou algum livro? Visite sempre meu Blog. Será um prazer.
Ely