PREMONIÇÕES
Uma forte emoção na infância ou na adolescência pode influenciar ou
tornar-se realidade, na idade madura? O que move essa força, como entender o
mistério?
Desde que aprendi a ler,
não parei mais. Era como se um dínamo me movesse. Dentre as dezenas de livros
infantis que li, quando menina ainda, a história da Sereiazinha, de Hans
Christian Andersen comoveu-me de tal maneira, que parecia um aviso.
A pequena Sereia
apaixonou-se por um Príncipe que ela salvou da morte, em um naufrágio. A
criaturinha só poderia ser feliz se, com uma poção mágica, trocasse a cauda pelas
pernas, tornando-se humana; mas assim sofreria o castigo de ter dores atrozes,
como se andasse sobre facas. Tudo fez para viver um grande amor.
Aos dez anos e na
adolescência reli muitas vezes a linda estória e chorava rios de lágrimas. Por
que esta estória me comovia mais que outras? Simbolicamente, era uma
premonição, um aviso?
Talvez haja uma explicação
mais científica para, bem mais tarde, eu sofrer tanto dos pés. Toda minha família, do lado espanhol,
experimenta tal desgraça. Aventou-se até a hipótese de ser uma síndrome comum
entre os da raça espanhola, com todo tipo de mazela: má formação dos pés,
calos, o pisar meio torto e defeituoso, piorando com a vinda dos anos, uma
lástima.
Um dia alguém me disse algo
bizarro, mas interessante, sobre o problema: pessoas do signo de Sagitário
sofrem das patas... Sempre tento confirmar tal teoria. Ela parece verdadeira.
Voltemos à Sereiazinha de
Andersen. Ela, no final, foi feliz, sacrificou-se, mas experimentava dores
terríveis nos pés e nas pernas. Tive este destino, não por conta do amor, mas
de Cronos, carrasco inexorável. Mas já na minha juventude, quando cursava o
chamado Clássico, no Otoniel Mota, quiseram aproveitar, em vão, minha altura:
logo eu saia da quadra, de padiola, com tendões arrebentados. Aliás, a Educaçáo
Física, na escola, era meu pesadelo.
Assim foi a vida toda.
Detesto todo tipo de esporte. Certa vez, o médico pediu que eu fizesse
hidroginástica. Tentei. Era uma turma de velhotas. Eu entrava na piscina e
enquanto o Instrutor ensinava vários movimentos, eu boiava deliciosamente,
quieta, com meus pensamentos. A experiência durou pouco. Havia uma mulher,
ainda mais velha que eu; ela era uma delatora e gritava: Olhem, ela não está
fazendo os exercícios! Ralhei com ela: Não tem vergonha de ser um alcaguete?
Aborreceu-me ir ali duas vezes por semana, perder tempo. Saí, porque outra
coisa que eu detestava era, na hora da chuveirada, nos banheiros sem porta, ver
aquela velharada nua, com as pererecas de fora. Um horror!
Retornemos à Sereiazinha.
Por que eu sofria tanto com a história?
Seria premonição? Mistério. Pela vida toda tenho tido experiências
estranhas: sonhos, pesadelos, avisos, como se eu fosse uma Sibila. Disseram-me
que eu tinha mediunidade e que devia desenvolvê-la. Nada fiz. A vida tem
mistérios demais. Para que mexer com o desconhecido de outro plano?
Precavida ou covarde? Nem
questiono a resposta. Sou cautelosa e prática. Melhor cuidar dos assuntos aqui
de baixo.
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