A
ÚLTIMA COLHEITA
Sempre
acontecem mortes inesperadas e prematuras, de gente famosa. Embora isso
aconteça muito, o fato nos leva a fazer algumas reflexões. A imprensa escrita
já veiculou questionamentos insólitos a pessoas importantes, sobre “o que você
gostaria ainda de fazer, antes de morrer”. As respostas foram variadas, algumas
inteligentes, outras óbvias. Na realidade, ninguém está pronto para a última
viagem. E mais: o que é estar pronto?
O
ser humano, quando teme ou não entende um mistério, brinca com ele. A
inexorabilidade da morte provoca isso. Muitas vezes não se pensa muito nesse
incômodo encontro marcado, para o qual não há justificativa da ausência no dia,
data ou local, não se pode aventar motivos circunstanciais a fim de não
receber a indesejável visita. Muito
pertinente o epíteto (ou eufemismo?) dado à morte, por Manuel Bandeira, no
poema “Consoada”: A Indesejada das Gentes”. Com sua poesia objetiva, podada,
enxuta, ele parece exigir, aparentemente, pouco do homem, para o último desembarque.
Voltemos,
no entanto, à questão proposta na mídia. Um psiquiatra famoso relatou algo
interessante: Muitas vezes, antes de partir, o doente terminal experimenta
momentos de lucidez. À pergunta: “O que você desejaria ter feito, ou tido na
vida?”. Noventa por cento (grande
porcentagem) respondiam: Queriam ter vivido ou viver ainda um grande amor. Isso
faria tudo valer a pena. Parece estranho, mas o momento culminante da partida
exige acuidade aguda para os valores, muitas vezes invertidos. Querer fortuna
no final? A Barca de Caronte, no rio Aqueronte, não cobra passagem e Cérbero,
guardião dos Infernos (ou São Pedro...) não é corruptível. Na verdade, no final
do espetáculo da vida, (pelo menos nesse momento), o homem deixa de ser tolo,
iludível, esquece-se do poder, não quer ser Midas, volta para o essencial, para
algo sem peso, indelével, intangível, valioso e eterno, que pode ser moeda
forte e oficial no outro lado. Foi bom, amou. Acrescentou algo à Criação. Isso
parece ser um passaporte seguro.
Seria
cauteloso fazer certas exigências. Pedir uma saída rápida, preferencialmente
indolor, inesperada como os grandes presentes e surpresas boas. Ver mais uma
vez alguns amigos queridos, que se desgarraram na nossa história, perderam-se e
hoje parecem personagens de ficção. E um desejo maior, mais valioso, mais belo.
Experimentar o gosto agridoce de uma paixão. É belo apaixonar-se. De repente, a figura do ser amado, como
regente exímio, realiza o grande concerto harmonioso da Sinfônica de nossa
vida. Sentimo-nos deuses, privilegiados, ganhamos asas, a cosmovisão se aguça,
somos capazes de ver além. Há belezas até nos terremotos que a alma
experimenta, alegria e tristeza, felicidade e tormento alternam-se sem nenhuma
lógica. As lágrimas fáceis brotam, misturando-se ao riso, a lucidez desaparece
e a alma alimenta-se apenas da presença ( ou até da ausência ) do Amado.
Sentimo-nos felizes e desgraçados, amargos e eleitos. A morte? O que é a morte,
depois de que se experimentou o paraíso? O prêmio maior, quando já se teve uma
grande paixão, é que se pode levar conosco, para o outro lado, todas as
sensações vividas, cada momento único, palavras trocadas, carinhos, lembranças
preciosas, intransferíveis, tesouro imensurável, totalmente ao portador.
Como
se vê, a enquete, que parece aleatória, é muito interessante. Um bom momento
para se fazer balanço: como anda sua escala de valores? Será preciso chegar o
momento final, o Grande Encontro, para que pense em algo tão importante? O que
você pretende realizar, antes da colheita derradeira?
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