APÓLOGOS
Em um
mundo materialista, tão violento, dirá o leitor: Para que escrever sobre
delicadezas, mensagens tão líricas? Não sei. Talvez para experimentar um
antídoto, por um curto tempo da leitura. Que me perdoem os realistas, gente de
pé no chão. Seguem abaixo duas pequenas estórias.
I
A Rosa reclamou para o Cravo. Daquele
jeito não era possível: ele ficava com seu cheiro forte, ao seu lado, mesclando
olores adocicados ao seu perfume etéreo. E ele, por amor, humilhou-se, tentando
ser quase inodoro. A Rosa não ficou contente. O Cravo, com sua postura ereta e
elegante, como um caniço verde vivo, aveludado e macio, ficou esconso atrás das
hortênsias pomposas. Mas a tirana não
achou suficiente. Como a Natureza pôde lhe dar espinhos, a ela rainha? Por que
as incômodas abelhas, as eventuais lagartas? E o tempo, o inimigo terrível! Sua
decantada beleza durava tão pouco! Devia ser culpa do Cravo, que conseguia sobreviver dias, fresco e inalterável... E ele dizia
amá-la! Isto era amor?! Egoísta, malévolo, vil! E o Cravo pediu à Deusa Flora
que concedesse seus dias de vida à Rosa. Ela era a mais bela, merecedora, eterna.
Seu pedido foi aceito, mas ele teria sofrimentos atrozes, torturas da raiz às
pétalas... Dobrar-se-ia com facilidade, com as brisas da manhã, tingir-se-iam
de sangue suas pétalas. Seria relegado ao segundo plano das flores, jamais
participando de festas ou dado em buquês, como oferendas de amor __ um João
ninguém, um simples arbusto, um dianthus caryiophylus. Tudo aceitou pela Rosa,
cabisbaixo, humilde, amoroso. Mas nem assim a Rosa ficou satisfeita. Pouco
tempo depois, anunciou seu casamento com um espalhafatoso Crisântemo Amarelo,
que, mesmo sem ser muito nobre, era pomposo, rico, exuberante como um sol.
Só havia algo mais trágico que a sina
infeliz do Cravo amoroso: ele jamais percebera uma tímida Violeta, sempre a seu
lado, miúda, mas de perfume inigualável e que seria capaz de morrer por ele.
O
mundo das flores é semelhante ao dos seres humanos. Os grandes amores são os
jamais realizados e os olhos do amor são cegos e insensíveis, só vendo o
acessório e desprezando o essencial. E a pior evidência: não se tem a quem
atribuir a culpa por estas insólitas verdades, que se repetem eternamente.
II
Ele
passeava cabisbaixo, infeliz com seu frustrado amor. A vida é injusta e amarga.
Ele a amara tanto, a vida toda e agora ela partia para novos braços? Ele nem
reparava nas florinhas que pisava, nos lírios que o olhavam com meiguice, nas
violetas que perfumavam o ar. Será que ele não sabia que nada é eterno? Cronos
não perdoa.
De repente parou. Estava em um jardim
de rosas. Olhou para elas, lindas, perfeitas. Notou então que faltava algo, que
sempre o encantara. Perguntou para uma delas, branca e pura:
Onde está aquele
casal de borboletas que sempre voejava por aqui, dando vida ao jardim? Ela,
sábia e misteriosa, respondeu: Elas se amaram durante uma rosa vermelha...
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