UM FIO DE ESPERANÇA
É comum afirmar que o povo só aprecia o que é de mau
gosto, superficial e vazio. Errado. Três depoimentos talvez possam comprovar o
contrário, que há uma tênue esperança do surgimento de uma nova realidade.
Em janeiro terminou a novela O Cravo e a Rosa, em
reprise, no programa Vale a Pena Ver de Novo, na Globo. Foi um sucesso, como da
primeira vez, com ibope alto. Ora, a obra de Walcyr Carrasco e Mário Teixeira,
com a colaboração de Duca Rachid, é uma adaptação da comédia de Shakespeare, A
Megera Domada. No texto, várias vezes
dois protagonistas recitam versos de poetas famosos, principalmente do soneto
de Camões: “O Amor é um fogo que arde em se ver; / É dor que dói e não se
sente; / É um contentamento descontente, / É dor que desatina sem doer”. Jamais
um poeta cantou os paradoxos do Amor, como o autor dos Lusíadas, cuja obra
lírica é considerada uma das melhores da Literatura Universal. Sem sombra de
dúvidas, a excelente novela também faz a apologia do Amor, único sentimento que
pode trazer felicidade aos Amantes, cita frases célebres, é enriquecida de fina
ironia. Apesar do maniqueísmo, outro ponto positivo da trama é realçar a figura
do professor, em um enfoque positivo de homem pobre, todavia culto, honesto,
íntegro e nobre.
Tento enfatizar que o gosto popular sabe também apreciar
o que é bom, mais erudito. O segundo
depoimento é pessoal. Escrevo no Caderno C, no jornal A Cidade, há quase dez
anos. Tenho liberdade de escolha dos temas. Também respeito os Leitores, que,
para mim, são sempre um mistério. Vario de gênero nos textos, que são ora muito
simples e accessíveis, ora bem jornalísticos, com linguagem mais denotativa, outras
vezes mais literária, usando a conotação e assuntos mais complexos. Ora, aprecio
muito a arte de Dalí, sobre a qual há críticas controversas. Conheço o Museu
Dalí, em Figueras, na Espanha, na Região da Cataluña, Província de Girona. O
surrealismo de Salvador Dalí impressiona, surpreende, atrai visitantes do mundo
inteiro.
Há algum tempo resolvi usar minha coluna descrevendo um
quadro de Dalí, comentando sua beleza, complexidade e criatividade singular.
Confesso que se o assunto me agradava, todavia o artigo teria talvez poucos
leitores. Para minha surpresa, tive um grande retorno, com e-mails e
telefonemas dizendo terem apreciado o que escrevi e um recado me surpreendeu
sobremaneira: “Sou borracheiro, entendo pouco de Arte, mas seu artigo foi um os
mais belos textos que já li”. Reelaborei
o texto, completando-o e, a pedidos, brevemente voltarei a publicá-lo.
O terceiro depoimento é mais
convincente, pois fala do gosto do povo, do que ele aprecia. Em uma das Feiras
do Livro, deu-se o encerramento com a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto tocando
músicas clássicas, na Praça XV. Era uma linda manhã fresca e azul; compareceu
uma multidão de seis mil pessoas. O povo gostou muito, ficou em um silêncio
quase religioso, aplaudiu com entusiasmo.
Foi um exemplo de bom gosto e sensibilidade.
Assim, volto a enfatizar: o povo
parece gostar só do que é ruim, não tem capacidade de apreciar o que é belo,
mais elevado e sutil. Não é verdade. Talvez seu propalado mau gosto seja fruto
da falta de oportunidade de provar o que é bom.
A comida caseira, que lhe é oferecida todos os dias, principalmente pela
Televisão, é um fast-food de péssima qualidade. É hora de mudar o cardápio, pois o aforisma
popular já denuncia: O mau hábito faz o monge.