domingo, 26 de janeiro de 2014

UM FIO DE ESPERANÇA

UM FIO DE ESPERANÇA

É comum afirmar que o povo só aprecia o que é de mau gosto, superficial e vazio. Errado. Três depoimentos talvez possam comprovar o contrário, que há uma tênue esperança do surgimento de uma nova realidade.
Em janeiro terminou a novela O Cravo e a Rosa, em reprise, no programa Vale a Pena Ver de Novo, na Globo. Foi um sucesso, como da primeira vez, com ibope alto. Ora, a obra de Walcyr Carrasco e Mário Teixeira, com a colaboração de Duca Rachid, é uma adaptação da comédia de Shakespeare, A Megera Domada.  No texto, várias vezes dois protagonistas recitam versos de poetas famosos, principalmente do soneto de Camões: “O Amor é um fogo que arde em se ver; / É dor que dói e não se sente; / É um contentamento descontente, / É dor que desatina sem doer”. Jamais um poeta cantou os paradoxos do Amor, como o autor dos Lusíadas, cuja obra lírica é considerada uma das melhores da Literatura Universal. Sem sombra de dúvidas, a excelente novela também faz a apologia do Amor, único sentimento que pode trazer felicidade aos Amantes, cita frases célebres, é enriquecida de fina ironia. Apesar do maniqueísmo, outro ponto positivo da trama é realçar a figura do professor, em um enfoque positivo de homem pobre, todavia culto, honesto, íntegro e nobre.
Tento enfatizar que o gosto popular sabe também apreciar o que é bom, mais erudito.  O segundo depoimento é pessoal. Escrevo no Caderno C, no jornal A Cidade, há quase dez anos. Tenho liberdade de escolha dos temas. Também respeito os Leitores, que, para mim, são sempre um mistério. Vario de gênero nos textos, que são ora muito simples e accessíveis, ora bem jornalísticos, com linguagem mais denotativa, outras vezes mais literária, usando a conotação e assuntos mais complexos. Ora, aprecio muito a arte de Dalí, sobre a qual há críticas controversas. Conheço o Museu Dalí, em Figueras, na Espanha, na Região da Cataluña, Província de Girona. O surrealismo de Salvador Dalí impressiona, surpreende, atrai visitantes do mundo inteiro.
Há algum tempo resolvi usar minha coluna descrevendo um quadro de Dalí, comentando sua beleza, complexidade e criatividade singular. Confesso que se o assunto me agradava, todavia o artigo teria talvez poucos leitores. Para minha surpresa, tive um grande retorno, com e-mails e telefonemas dizendo terem apreciado o que escrevi e um recado me surpreendeu sobremaneira: “Sou borracheiro, entendo pouco de Arte, mas seu artigo foi um os mais belos textos que já li”.   Reelaborei o texto, completando-o e, a pedidos, brevemente voltarei a publicá-lo.
          O terceiro depoimento é mais convincente, pois fala do gosto do povo, do que ele aprecia. Em uma das Feiras do Livro, deu-se o encerramento com a Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto tocando músicas clássicas, na Praça XV. Era uma linda manhã fresca e azul; compareceu uma multidão de seis mil pessoas. O povo gostou muito, ficou em um silêncio quase religioso, aplaudiu com entusiasmo.  Foi um exemplo de bom gosto e sensibilidade.

          Assim, volto a enfatizar: o povo parece gostar só do que é ruim, não tem capacidade de apreciar o que é belo, mais elevado e sutil. Não é verdade. Talvez seu propalado mau gosto seja fruto da falta de oportunidade de provar o que é bom.  A comida caseira, que lhe é oferecida todos os dias, principalmente pela Televisão, é um fast-food de péssima qualidade.  É hora de mudar o cardápio, pois o aforisma popular já denuncia: O mau hábito faz o monge.  

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