UM CASO DE AMOR
Não se deve jurar que nunca se fará
algo, nem que a vaca tussa, como se diz na deliciosa linguagem popular. E eu,
genética e espanholamente convicta de minhas decisões, olhava de viés para o
monstro tecnológico, adorado por muitos como o novo bezerro de ouro da
Informática.
Quando começou a sedução? Ouvia falar
dos milagres, da rapidez, do modo prático da comunicação, das pesquisas. Para
quê? Há os livros, eu dizia renitente. Um dia, um amigo preparou, no
computador, o material do meu Laboratório de Redação. Achei uma graça: bonito,
bem diagramado, com ilustrações! Eu caíra nos braços do sedutor dos
internautas.
Como
em todo caso de amor, o início foi cruel! Desentendimentos, brigas, dificuldades
muitas. Como entendê-lo?Ele era diferente de tudo que eu vira antes! Um dia,
fiquei furiosa, bati o pé, tentei cem vezes fazer algo que não dava certo, até
que uma figurinha esdrúxula, de Einstein, barrigudinho, apareceu na telinha e
fez um gesto, abrindo os braços, a perquirir: Afinal, o que você quer? Senti-me
como aluna repreendida por incapacidade, burrice, inaptidão.
Em
alguns dias, nós nos entendíamos, ele me obedecia dócil, eu finalizava as
tarefas. Em outros, era uma odisseia. Eu me irritava, teimava tanto, que meu querido companheiro de infortúnio
rebelava-se. Travava, não respondia a nenhum comando, nada o obrigava a
realizar minhas súplicas. Brigávamos. Ah, é? Eu o desligava diretamente, “no
tranco”, tirando a tomada, cortando a energia.
Ficava
dias amuada, infeliz, como em toda briga de namorados. O bom senso vencia. O
erro deveria ter sido meu e não dele.
Afinal, ele me dera surpresas bizarras e grandes alegrias. Como no dia em que o
professor quis que eu entrasse em um “chat”, para conversar com as pessoas.
Procurei uma sala de adultos, mais de 50 anos, entrei e escandalizei-me com os
“nick-names” usados, audaciosos, pornográficos: “Cadela no cio”, “Garanhão”,
“Bom de cama”, e similares. Desencantei-me, fiz mais uma tentativa, dialoguei
com uma jovem que me pareceu lúcida e coerente. Era arquiteta. Perguntou-me, a
certa altura: “E você, o que faz?”. “Sou professora de português e de
Literatura”. Desastre. Ela escafedeu-se, dizendo: “Cruzes! Eu sou analfabeta!”.
Em compensação, comecei a receber tesouros raros, valiosos: textos sérios,
fotos belíssimas do mundo todo. Discute-se muito o paradoxal papel do
computador, que une e afasta as pessoas, tornando-as comodistas e meio alienadas
à realidade. Como sempre, os seres humanos devem encontrar o equilíbrio de tudo
que a vida lhes oferece. Assim também o progresso tecnológico pode trazer
benesses ou mazelas.
Tudo ia muito bem entre mim e Bob, meu computador.
Eu quase perdera o medo das máquinas. Aí aconteceu o inusitado. Uma noite, fui
ao micro, conectei-me à Internet, abri minha Caixa de Entrada dos e-mails. Por
Deus! A confusão parecia uma casa assaltada, quando bandidos destroem tudo!
Misturaram-se os nomes, datas, meses, anos! Como organizar aquilo? O que aquele
monstro fizera? Afastei-me, disse-lhe umas boas, jurei não me aproximar mais.
Dois
dias depois, o milagre. Computador tem Inteligência Artificial? Ele age por
conta própria, sem comando? Bob pareceu sorrir, convidando-me para o armistício.
Abri-o. Inacreditável! Ele reorganizara toda a centena de e-mails, por nomes,
em ordem alfabética, assuntos e datas!
Estamos
em lua-de-mel. Mas estou sempre na defensiva. Ele é um bruxo? Yo no creo en los
fantasmas, pero...
Ely amiga escritora
ResponderExcluirAmei teu texto. Real. Lúcido. Transparente. Também o computador adentrou meu universo há alguns anos. Primeiramente era o ambiente de trabalho que requisitava. Depois dentro de casa, ele, o objeto a nós estranho, ocupava o quarto de meu filho, que mal me deixava chegar perto. Nas suas horas de ausência, lá estava eu a vasculhar seus meandros. Pesquisas várias iam alargando meus horizontes. Até que o tive só para mim. Comprei um. Agora podia aventurar-me. Aprender. Disseminar meus textos. Maravilha. Era da informação. Eu bibliotecária, dos livros nas estantes, agora dos livros cibernéticos. Encontros possíveis. Amigos presente. Blogs inúmeros eu pude criá-los. Meus trabalhos artesanais agora podiam sair do âmbito das quatro paredes. É a galáxia cibernética a compactuar com nossos anseios presente e futuro. Belo texto inspirou-me estas linhas. Valeu-me o encontro. Parabéns. Obrigada sempre.
Minha querida,
ResponderExcluirA geração das minhas filhas não imagina o mundo sem computador,internet,facebook,twiter e outros aplicativos.Cada uma no seu quarto, conectada, na sua caverna, como diria Saramago.Minha irmã quando quer falar com o filho usa um aplicativo chamado What`s up...
Amei a cronica.Do nivel do Rubem Braga,em cartaz no Museu da Lingua Portuguesa.
Em setembro irei a Ribeirão e gostaria muito de reve-la.
Beijos.
Jacy
Querida Inajá,
ResponderExcluirQue bom você ter voltado ao meu Blog. Como já lhe disse, você o enriquece. Veja o seu excelente comentário, texto rico, pleno de lucidez e sabedoria. Um filósofo afirmou que o Computador é apenas um instrumento. É preciso saber usá-lo para o lazer, a Cultura, pesquisas. Nisso você é mestra. Volte sempre!
Abraços.
Ely
Querida Jacy,
ResponderExcluirBoas-vindas, de volta ao meu Blog. O Leitor é misterioso. Quando escrevemos algo simples, corriqueiro, ele se encanta... Entender, quem há-de?Mesmo assim, gostei de que você tenha apreciado meu texto. Quando vier a Ribeirão, comunique-se comigo. Será um prazer se pudermos conversar pessoalmente.
Beijos.
Ely
Ely querida escritora e amiga.
ResponderExcluirEmocionou-me tuas palavras. Encontros. Presente. A uns, a internet aproxima. A outros, distancia. Realmente quem há-de? Leitor: caixinha de surpresa. É o corriqueiro, quem sabe trivial. O texto poderia ter sido escrito por tantos quantos se sentem atraídos ou mesmo distraídos ante a nova tecnologia que tão misteriosamente adentra nossas vidas. Mas fora você Ely quem soube tão bem colocar vida ao texto. Ao estático objeto tecnológico da era moderna. Eu, leitora, vibrava ao lê-lo. Uma. Duas. Três. Incansáveis vezes. Em alta voz. Altissonante voz. O texto fala. Você viveu. Transmitiu vida. Ao objeto frio. Inanimado a um canto de algum lugar passou a dar-lhe vida própria. Diálogo sui generis. Era cibernética. Galáxia que se abre a todos indistintamente. Livros... Livros a mão cheia... dizia o poeta. Parafraseio: Computador... Internet... Benditos... Se fazem o povo pensar... Obrigada amiga por esta aproximação.