CARTA
ABERTA AOS HOMENS
Pelo Dia
Internacional da Mulher, dia 8 de março, bizarramente, aqui vai um recado aos
homens.
Perdão, senhores meus, se ouso
adentrar-me em vosso feudo, mas em verdade, preciso falar-vos.
Queria lembrar-vos, caso o tenhais
esquecido, do começo, quando Deus, bem intencionado, deu a Adão uma
companheira. Reparai que foi presente, coisa sempre ligada a muita ternura e
amor. E mais: se vós lerdes com atenção o livro Gênesis, podereis talvez
realçar certas minúcias que vossos descuidados olhos possam ter perdido. Senão
vejamos: Eva foi criada enquanto Adão dormia; ela veio, portanto, da paz, da
tranquilidade do homem – consequentemente,
só pode ser um fruto de essência doce, amante do silêncio e do tranquilo. Deus
tirou-a da costela, do lado, como se, bom estratégico, delimitasse já o lugar
do companheiro: nem acima, nem abaixo, mas ao lado, ao redor, junto.
Interessante o pormenor bíblico: “... e fechou com carne o seu lugar”. Por
acaso achais que Deus, sapiência infinita, perderia tempo em retoques inúteis?
Seria Ele, apenas, um perfeccionista preocupado com sofisticada estética?
Parece-me a mim, por lógica, que todo gesto divino seja muito expressivo e contundente:
a vinda, a chegada da mulher, a descoberta, têm que ser aliadas à falta de
dores e cicatrizes. Ela é, pois, o próprio antônimo do que seja sofrimento, ausência
de beleza, remendo, coisa mal feita, asperezas. Seu reino é o belo, o doce, o
liso, o perfeito, o macio.
Pensastes já em vossas companheiras, biblicamente? Algum
dia parastes esta faina tresloucada e insana de trabalhos e conquistas para,
com sabedoria, pensar no conceito da transubstanciação? Vede: “Eis agora aqui,
disse o homem, o osso de meus ossos e a carne de minha carne” (Gênesis, II, v.
23). A partir daí, homem e mulher foram (ou deveriam ter sido) UM. Analisai
bem. Cada vez que vós tendes uma dor, a companheira que vos ama, sofre; vosso
sorriso é sua alegria, chorais (se chorais), uma lágrima é dela. No amor não há
EU: é um eterno NÓS, mesmo em se mantendo a individualidade.
“Por isso o homem deixa o seu pai e sua mãe para se unir
à sua mulher” (Gênesis, II, 24). Reparai. O homem é quem deixa. Sempre cabe a
ele o gesto, a partida, o ato e isso pressupõe o ousar, o perder, o fazer.
Assim, a receita era boa, os ingredientes certos, os
atores bem escolhidos, o cenário perfeito. De quem a culpa, se a Peça
fracassou? Muito cômodo jogar a responsabilidade sobre uma personagem
secundária, coadjuvante de terceira, este pobre demônio travestido de serpente.
Onde começou a separação? Por que os caminhos se divergiram, confundiram-se as
línguas, desviaram-se os objetivos, deterioraram-se os desejos? Inventaram-se
cadeias, as proibições, os tabus, surgiram ideias de posse, de mando, bizarras
rotulações – dono, senhor – desvirtuando por completo as conotações primeiras
de marido, esposo.
Voltando às origens, em busca da felicidade perdida, não
se deveriam usar termos acidentais: não marido / esposo / amante / comborço /
companheiro, mas tão somente os dois nomes essenciais, que dizem tudo: MEU
HOMEM, MINHA MULHER. E se quisesse dar mais expressividade, HOMEM MEU, MULHER
MINHA. Não achais que a simplificação poderia resolver tão angustiantes
problemas milenares? Vós reclamais que as mulheres perderam, de Eva, a doçura
edênica, os trejeitos de gueixa, despiram-se, para sempre, dos seus véus
poéticos, que lhes davam ares de pomba, sutilezas de gazelas e levezas de
borboletas. Cortaram os cabelos, puseram-se calças compridas, montaram nos
automóveis, embrenharam-se na política, na administração e andam agora, por aí,
até com feros cartazes, apregoando heresias contra o inimigo macho. Sim.
Fizeram isto. Mas, pensais que são felizes assim? Falai com doçura a cada
mulher, cuidai que vossas grandes mãos desastradas e afoitas aprendam de novo a
lição da carícia, ensinai aos vossos lábios roçares veludosos e não ávidas
mordidas, amaciai a voz, abrandai os mandos, sede menos senhores e mais
companheiros, tentai ser fiéis (na medida do possível), usai o sexo como ritual
maior e não sórdida orgia e vereis o milagre.
Não é pedir muito que experimenteis a receita, que vai
repleta de intenções medianeiras e os augúrios mais honestos. E talvez possais
vencer a mais bela das batalhas, reconquistando ad aeternum, o vosso éden e a companheira vossa.
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