O
SENHOR DAS MATEMÁTICAS
Quando recebi o livro O Senhor das
Matemáticas fiquei meio triste. Eu
queria ler mais poemas de Maria Carpi. Sua poesia me fascina. Ao iniciar a
leitura, um susto. Que gênero era aquele? Quanta poesia, da mais pura, naquela
pretensa prosa!
Dificílimo seria classificar os textos, que versam muito
sobre os sonhos, sensações, sentimentos; episódios externos e internos. É que
os olhos de Maria Carpi têm um filtro mágico que vê além de. Sua realidade jamais
é a nossa, percebida só em primeiro plano.
Ao terminar o livro, li na contracapa, as palavras de Ivo
Barroso, escritor e tradutor, nascido em Ervália, Minas Gerais, homem do mundo,
cosmopolita, erudito, poeta: “Outro lance inédito é escrever sobre sonhos, não
os sonhos que idealizamos, mas sonhos realmente sonhados, com sua nitidez ou
seu enuviamento próprios, sonhos com ou sem sentido, numa narrativa-confissão
quase psicana-lírica. Você consegue transformar em realidade legível, quase
palpável essa “matéria de que são feitos os nossos sonhos”.
Realmente são duas características marcantes do livro:
uma análise criteriosa, mais poética que criteriosa, do material dos sonhos,
sem muita preocupação com seu conteúdo manifesto ou latente. Maria Carpi passeia
pelos bastidores do seu Inconsciente, perscruta seus porões com uma curiosidade
lírica. Freud tenta desvendar o Inconsciente humano, desenvolve um método para
conseguir acesso ao ID. Maria Carpi habita-o, transforma-o em puro lirismo. Se
Freud pudesse ter lido O Senhor das Matemáticas, rasgaria sua obra A
Interpretação dos Sonhos, publicada em 1899 e enlouqueceria de lirismo. Viraria
poeta.
Interpretar os sonhos de Maria Carpi é um Décimo Terceiro
Trabalho de Hércules, pela riqueza dos conteúdos manifestos e/ou latentes, pela
sua complexidade. Ungida de religiosidade, a autora habita os textos bíblicos,
com familiaridade, adentra neles, participa em narrativas na primeira pessoa,
como no episódio das Bodas de Canaã (pág. 110, 111). Ela chega à Santificação
divina do S onho: “Ao sétimo dia, o
sonho viu que o mundo era bom e descansou”. A religiosidade permeia em todo o
livro, santificando-o.
Outro belo
exemplo dessa religiosidade é como Maria Carpi aborda o degastado tema Mãe; ela
o faz com originalidade: “ Mãe
dá-se em partilha e comunhão. Certa vez, em sonhos, sentei-me à mesa e tudo
desapareceu. Somente minha mãe a
si própria distribuía. Ela era as espécies do pão e do vinho” (pág. 59).
Em meio à prosa, surge um belo poema, repetindo mais uma
vez, a Profissão de Fé dos Poetas: “A
palavra sempre foi-me sobejo. /Avaro sou apenas de meu silêncio “(Pág. 22). Que
mulher magnífica é esta, que se casou com a Palavra, gera Poesias e as amamenta? E suas magníficas
metáforas: “E senti uma grande abertura no tempo: o Improvável assinalou-me com
a estrela na fronte, como a um cedro. Entro em ervas”(pág. 53).
Ivo Barroso diz que o poema mais belo do livro está nas
páginas 120 e 121. Realmente o verso final é um achado: “Eu não me desculpo de
morrer sem avisar”. Mas a afirmativa é
duvidosa. Difícil é escolher entre todos os poemas já escritos por M.C., nesse
e em outros livros seus e dizer qual é o melhor, o mais perfeito. Sua sensibilidade exuberante atrai e fascina.
Maria Carpi é uma criatura feita de poesia pura
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