quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

COMO CONHECI MARIA CARPI

COMO CONHECI MARIA CARPI
               A pergunta foi feita por Menalton Braff, grande escritor e eterno mestre: você já leu Maria Carpi? Foi uma grande surpresa, porque eu também não sabia que ela fora a primeira esposa de Carlos Nejar e é mãe de Carpinejar. Como estávamos na Paraler, encomendei  livros da poeta e alguns dias depois tinha em mãos: “A Migalha e a Fome”(Editora Vozes, 2000); “ As Sombras da Vinha” (Ed. Bertrand Brasil, 2004) e da mesma Editora, “O Herói Desvalido” ( 2006).
               Assim, durante um mês estive quase em transe, lendo a produção poética de Maria Carpi, poetisa nascida em 1939, na cidade gaúcha de Guaporé. Premiadíssima, reconhecida pelos intelectuais e críticos mais expressivos. Ler Maria Carpi é um susto. Há quem goste ou não de Drummond, porque ele é mais complexo que Manuel Bandeira; há os que preferem o último, justamente por sua simplicidade. Há leitores que amam a crueza de pedra de João Cabral de Melo Neto, o sensualismo de Vinícius de Morais, a criatividade popular de Manoel         de Barros, a candura de Mário Quintana, ou o lirismo delicado de Cecília Meireles.
               Todavia, não se pode comparar Maria Carpi com ninguém.  Alguém afirmou que ela compõe partituras, afinando-se com a espiritualidade de Soror Juana Inés de la Cruz ou Gabriela Mistral. Carpi é também mística, contudo é mais humana, mais profunda. “Sua métrica é a respiração. O herói de Maria Carpi é o próprio Verbo (...) A poeta medita e desdobra questões inquietantes da existência (...) Seu primeiro livro entranhou-se na Dor, o segundo no Desejo, o terceiro na Vidência, o quarto na Semente e após, disseca a Fome”.
               Quando se começa a ler Maria Carpi, mergulha-se , poeticamente, nas profundezas da alma humana, da grandeza e da pequenez do homem, em sua  luz e em suas sombras. É descobrir metáforas inusitadas e brindar nossa inteligência com um vocabulário riquíssimo. Poesia mágica, prenhe de universalismo, de religiosidade e de filosofia. Ela é a espeleóloga que nos descortina mundos insólitos, com um lirismo muito original, que não lembra nenhum outro e traz um perfume do novo.       Advogada,  erstreou madura na literatura, em 1990 e em menos de uma década, recebeu vários prêmios literários importantes. Talvez sua formação possa explicar a ousadia e estranheza da mescla de lucidez e misticismo, nos seus poemas, assim como o vocabulário riquíssimo.
               Textos quase bíblicos, com enjambements e a rica sinestesia, oferecem aos leitores, a receita mais bela do “pão vivo”, o Poema ; veja-se como elucidação dessa assertiva, os poemas 7 e 17 em “A Migalha e a Fome”; no poema 15 desta mesma obra, surge o texto forte, com metáforas dolorosas (pág.25); a opção pelos dísticos , pelos emjambements  é uma constante: “Eu que dispensei  o pão / e os olhos, agora comungo / a escassez.  Morrer é dar-se / de alimento”.
               No poema 19, da página 29, há uma estrofe de três versos, com belas rimas internas: “Não podes tomar-me essa fome / além do nome e do alvoroço, / sendo-me o rosto recolhido”.  O grande Thiago  de Mello, nas orelhas do livro “As Sombras da Vinha” , avisa que a obra não de fácil acesso. Que será luz para poucos olhos, sumo de uvas que só se abrem para conhecedores da vinha”.
               Enfim, Maria Carpi é a ousadia poética , com seus enfoques místicos, filosóficos e metafísicos dos temas, o vocabulário de uma riqueza inusitada, a linguagem figurada de rara beleza, a coragem de, semanticamente, usar todos os malabarismos  dos sentidos, dos significados, cânticos à fome de criar, até o nascimento do texto. “ Uma fome fora da fome. Não de carências que essas / se gastam. Ou de cegueiras / que se tateiam. Uma fome / em saciedade de estrelas. / O vazio sideral do estômago,  / na vacuidade dos signos. / A acuidade cetim do vazio / no arco sobre as cordas”.
    

8 comentários:

  1. Ely, gostei tanto que nao vejo a a hora de encomendar os livros dela também. Beijos

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    1. Querida poetisa Mara Senna,
      São sensibilidades que se tocam. Enviei o texto para Maria Carpi e ela gostou muito. Estamos trocando e-mails preciosos.
      Viva a Vida!
      Ely

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  2. Ely, eu também não conheço Maria Carpi. Nunca li nada dela. Mas, já que você citou Cecília Meireles, lembremos que ela disse que as palavras são como águias,não sabemos onde pousam, mas pousam. depois de instigado pelo seu artigo, vou buscar lê-la, pois você, poeta que é também, é do ramo, e sabe do que está falando.
    Estenderei meus "galhos" para que as "águias de Maria Carpi" neles façam seu pouso, quiçá reslvam neles fazer ninhos.
    Um beijo fraterno do Waldomiro

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  3. Querido Waldomiro,
    Sei que gostará dos poemas de Maria Carpi. Você é culto, inteligente, sensível. Conte-me depois, sua experiência poética, após a leitura dos livros dessa incrível poetisa.
    Um abraço.
    Ely

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  4. Jugurta de Carvalho Lisboa19 de fevereiro de 2012 às 19:38

    Almas gêmeas e, por que não dizer, poéticas que se cruzam. Maria Carpi e Ely, duas receitas de Deus, criadas para alimentar a Literatura com o fruto da mais alta essência.
    Jugurta

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    1. Querido Jugurta,
      Você é um leitor atento e um poeta: até já participou da nossa Antologia Ave,Palavra! com um belo poema. Todavia é um crítico meio suspeito... Mesmo assim, obrigada pelo belo comentário lírico.
      Ely

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  5. Ter ou não lido Maria Carpi na extensão de sua obra...Pois é - se seu ex marido é um imortal, seu filho (ou :um deles)um poeta e performático jovem pós-moderno...de grande atuação acadêmica e repercussões na grande mídia...Conhecer Maria ...Mais , talvez do que isso - o que ela fez por mim quando aparaceu na minha frente?!Atrevo-me a dizer que apareceu sem estar presente...mas nem tão fantasma assim!Enxerguei um artigo seu sobre Simone Weil na revista Humanitas da UNISINOS e me senti acompanhada sem mais, numa estradinha de muita terra, pura poeira...Comecei a prestar mais atenção quando seu nome era falado...Num documentário na tv, vi que ela tinha 60 livros mais ou menos escritos inéditos... e que desses escolhera uma vez um, que ganhara um premio em Cuba...Pensei:-"Puxa...ele tem produção assim...prá escolher...-"Senti inveja..." Agora, que li seu texto- senti orgulho.Por alguma razão ainda não vi ao vivo...mas e parece que sua sombra boa acolhe masi peregrinos e os sacia de agua fresca mesmo que aos olhos desavisados as vezes pareça...tão pouco o que o escritor faz...

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    1. Cara Fátima,
      Uma das coisas lindas da Internet, dos Blogs, é receber um comentário inteligente, sensível e fascinante como o seu. Não a conheço. Não sei onde mora. Eu também estou encantada com a Maria Carpi e não a conheço pessolmente. Ao Carlos Nejar, sim, e também ao Carpinejar. Ambos inteligentíssimos. Caso você resida em Ribeirão Preto, ou por perto, dia 29 de maio, às 10h30 da manhã, ela estará pessoalmente em Ribeirão, na Décima Segunda Feira do Livro, em um Salão de Ideias. Poderá vê-la, trocar ideias com ela. Você deve ser escritora. Tem talento para isto. Será um prazer se visitar meu Blog, sempre que puder.Um abraço.
      Ely

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