PESADELO
Na sala do dentista eu
esperava atendimento. Por que o pavor, a depressão, tanto medo? Uma mulher
madura, amedrontada como uma criança. Explica-se. Não tenho nenhuma experiência
odontológica. Mais de cinquenta anos apenas fazendo limpeza de tártaro. Nunca uma
inflamação de gengiva, nunca um tratamento de canal, jamais uma dor de dente.
Nada. Mesmo assim, sempre achei que os dentistas têm um pacto com o Diabo,
aqueles aparelhos, ferrinhos, o motor com o barulho infernal.
Mas meu caso era ridículo;
eu morrendo de medo, porque teria, pela primeira vez, que arrancar um dente. E
o dente do siso. Alguém me contando histórias. Tirou o dente do siso e ficou
quarenta dias de cama... Havia raízes inclusas, tortas, inesperadas, surpresas
como nos pesadelos. A moça ao meu lado, com vinte e oito anos, já extraíra uns dez dentes! A senhora à minha frente,
fizera um implante e tirara todos! Por Deus, o que fazer de uma mulher já com
certa idade, em uma tarde tão quente, com tanto medo, porque vai, pela primeira
vez arrancar um dente?
Afinal, eu era uma
mulher ou um rato? Que covardia era aquela? O problema é genético. Meu pai, um
espanhol alto, saudável, quando tinha
uma gripe, ficava tão aborrecido, que dizia: Ah, é melhor morrer... Meu tio, ao
ir a primeira vez ao dentista, protestou: Não acredito que todo mundo tenha
tanta dor! Levantou-se da cadeira e nunca mais voltou. À minha frente, uma bela
mulher de uns cinquenta anos. Ao levantar-se, mancou um pouco. Contou-me que
aos dez anos já colocara uns dez pinos na perna, depois quebrou o fêmur, tinha
uma placa no quadril.
Aqueles relatos tétricos,
ao invés de me consolar, deixavam-me mais envergonhada ainda. Eu era a última
criatura da Terra, a mais covarde, a menos digna. Lembrei-me de minha sogra,
que tivera treze filhos, sozinha. Não permitia no quarto nem o marido. Entrava,
fechava a porta, ela e Deus. Será que na feitura, nos seres humanos, há
receitas erradas, quanto aos ingredientes? Na minha puseram um exagero de medo
de dentistas. O que fazer?
Lembrei-me de uma
crônica poética do excelente escritor sertanezino, Vasco Pereira de Oliveira. Em
seu livro “Crônicas & Agudas”, em “Sobre Dores e Dentes”, o poeta diz: “O
tratamento do canal é uma tentativa de desvendar a alma do dente, do paciente.
Furam, perfuram, retiram a vida em busca da alma. Não conseguindo, desistem e
fecham o buraco, para que a alma não escape. Lacram o túmulo sem inscrição, não
há epitáfio para um dente morto”. Amei a
crônica tão criativa, mas por Deus!, eu ia apenas extrair o siso.
Não adiantou. A lembrança
literária não serviu de consolo. Minha autoestima foi a zero. Covarde! Vil
criatura! Lembrei-me de que eu já enfrentara situações seríssimas, trágicas. E
até com certa valentia, com muita serenidade. Mas por que no consultório
dentário era diferente?! Comecei a me recordar de episódio terrível, no
exterior, quando passei fome e frio e resolvi o problema com bravura. Os
minutos passavam. Eu tentava me convencer de que a tragédia não era tão grande, o medo
só aumentava.
Aí aconteceu. Reuni toda
minha coragem, convoquei os Santos de minha devoção. Quando a atendente chamou
meu nome, heroicamente me levantei, dei alguns passos firmes e, de cabeça erguida, como quem enfrenta o
Inferno, dirigi-me para a sala de cirurgia.