domingo, 26 de agosto de 2012

A MORTE DE UM IDEAL

A MORTE DE UM IDEAL

        Meu idealismo está moribundo. Todas as manhãs, quando assisto aos jornais televisivos, com variadas notícias de crimes, assassinatos, novidades políticas, votos de louvor à mediocridade, a alma piora. Aí aconteceu um fato que foi a gota d’água.
        Sempre detestei ler traduções. Tradutor é traidor, como se sabe há muito tempo. Ora, meu inglês coloquial e meu vocabulário dessa língua são razoáveis. Mas tenho preguiça intelectual de enfrentar um livro de mais de trezentas páginas, na língua britânica. Teria que usar muito o dicionário. Então optei por não ler mais autores americanos e ingleses, ou outros traduzidos.
        Em uma manhã de julho, assisti, por acaso, a um filme inglês que me encantou e estarreceu. Não digo aqui o nome, porque não quero influenciar ninguém. O fato é que, após, fui pesquisar e descobri que o supracitado filme era a adaptação de um grande autor nipo-britânico e seu romance é considerado entre os cem melhores da última década. Adquiri o romance, traduzido, é claro.
        Abri o livro, eufórica, ansiosa. A primeira linha iniciava com uma próclise: “Me chamo...”. Minha alma desabou. O autor usou o inglês coloquial, ou é uma licença gramatical da tradutora? Perdi o encantamento. Deixei o livro de lado. Após, mandei um e-mail a um ex-aluno brilhante, professor, que fala fluente o inglês, tem um dos melhores Laboratórios de Redação de São Paulo,  é escritor, cineasta, diretor de teatro. A notícia que ele me deu piorou meu estado de alma. Uma famosa editora paulista permite que os tradutores usem uma linguagem mais acessível  aos leitores.
        Foi a morte. Senti-me ludibriada e velhos fantasmas ressurgiram. Lembrei-me de Osman Lins, em seu idealismo exacerbado, dizendo-me: “Um dia, no Brasil, até os operários lerão Nove, Novena”. Foi horrível alertá-lo, mas na época, eu sabia que um dia, nem os universitários leriam Nove, Novena... Fiquei muito infeliz porque acertei. Na década de oitenta, antes da formatura do Curso de Letras, eu dava aos alunos uma lista de livros que eles deveriam ler nos próximos vinte anos. Posteriormente, encontrei alguns que me confidenciaram: “ Eu nunca li nenhum livro de sua lista”...
        Aos poucos, meu idealismo adoeceu. Lembrei-me dos ex-alunos do site Amigos do Vilhena, brilhantes, entusiasmados, iluminados por uma realidade que já não existe mais. Um dia desses assisti a uma reportagem dizendo que no nosso querido Colégio faltavam sete professores, desde o início do ano. E que em quase todos as Escolas Estaduais, acontnecia o mesmo.  
        Sei que o problema é globalizado. O nível cultural do povo piora, dia a dia e, ao invés de elevá-lo, através de uma boa Educação, de um Ensino eficiente, o que se vê é um grande aumento de escolas, ensino deficiente, professores mal preparados, horrorizados pela violência, que grassa como um câncer.
        Aos poucos, pela péssima remuneração, os jovens não se interessam pela carreira do magistério. Lê-se cada vez menos e, recentemente, foi veiculada pela Internet uma notícia terrível: O Analfabetismo Funcional atinge o Ensino Superior. Dados do Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF), divulgados pelo Instituto Paulo Monte Negro e pela ONG Ação Educativa. Apontaram que 38% dos universitários brasileiros são considerados analfabetos funcionais.
        Todos conhecem as causas dessas mazelas: baixos salários dos professores, ensino ruim, terceirização das famílias, que deixam a educação e a cultura dos filhos para a escola, falta de leitura, a Internet e a Televisão, instrumentos sofisticados que, mal usados, viram armas perigosas, inversão de valores, as drogas.
        Contra tais Molochs modernos, não há soluções? A queda, a decadência cultural e moral,  a banalização da violência serão chagas incuráveis?



segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A Ficção do Passado

A Ficção do Passado

                   Já se sabe que biografias, a própria História da Humanidade, tudo é ficção. Recriam-se os fatos pelos olhos do autor. Pode haver uma pesquisa detalhada, mas a memória guarda episódios diferentes, opta por um ou outro. Ela é seletiva. Experiência interessante é, em uma reunião familiar, surgirem interpretações várias. Ninguém está de acordo. Não foi assim que aconteceu. Quando se lembra da infância, nada é o que parece. Os olhos, os sentidos infantis são diferentes do olhar adulto. Cada um tem sua versão.
                   No famoso poema Pecado Original, Álvaro Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, diz:” Ah, Quem escreverá a história do que poderia ter sido?” . Afirma que se alguém o fizer, esta será a verdadeira história da humanidade.   Teoria interessante. Os seres humanos são mais o que não conseguiram ser. Deste modo, nós somos nossas falhas, o que não conquistamos, os farrapos de sonhos não realizados que deixáramos abandonados na poeira da estrada da vida. O mesmo acontece, portanto, com a História ou o Projeto Primeiro dos homens ou de Deus, o que não foi alcançado. O verso do poema sobre nós é válido também para a História dos povos: “Somos todos quem nos supusemos”.
                   O tema é fascinante e serve de lição para teimosos, cabeçudos e donos da verdade. Quando alguém afirma que está certo é porque nada sabe e, provavelmente, está errado. Aliás, não há erro nem acerto, mas apenas hipóteses, ou posicionamentos pelos quais optamos.  Na religião, na filosofia sobre o que vem depois, quando a vida finda, enfim, todas as teorias sobre o post mortem, se há prêmio ou castigo, necessidade de resgate, volta, tudo é hipótese.
                   Ora, a vida não é uma ciência exata. Místicos, filósofos, espiritualistas, cientistas, todos tentam explicar os mistérios que nos envolvem. Na realidade, a insciência humana põe todas as respostas em xeque. E quem acerta é o poeta: “Não procures nem creias: tudo é oculto”. Verso enigmático. Dá o conselho negativo que não deve ser seguido, porque o mistério existe, mas está escondido, é algo esconso, ao qual o homem dificilmente terá acesso.
                   Diante de complexidade tão grande, deve-se ficar atento, não ser ingênuo. Nada de afirmações categóricas, rotulações, preconceitos. Tudo que se relaciona à vida, ao ser humano, pode ser, talvez seja, provavelmente será. Há uma citação de Heitor Villa-Lobos, sobre a efemeridade do tempo, que tenta explicitar como tudo é fugaz, passageiro, dúbio, sutil, o que torna a existência algo inefável, jamais explicada por fórmulas rígidas e lógicas: “Assim como não gosto de pensar no futuro, não me sinto bem olhando o passado. Eu sou como um viajante que, ao atravessar um rio em um cipó, não pode olhar para trás nem para a frente, a fim de não perder o equilíbrio”.
                   O ser humano é a grande  vítima de uma passagem terrena tão fugaz. Surge então a filosofia do Carpe Diem ( aproveite o dia, o momento) ; são palavras de Horácio, na ode I. No entanto, semanticamente este verbo é rico, multívoco, plurissêmico: Responda-me, leitor, rapidamente, sem titubeios: O que é aproveitar a vida? Sem dúvida, haverá dezenas de respostas, as mais variadas, dependendo da cultura, do caráter, da filosofia e até da genética. Guimarães Rosa, o Mago de Cordisburgo, não tinha razão ao afirmar que a vida é perigosa?

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

AXIOMAS

AXIOMAS

                          A Língua Portuguesa é muito rica. O termo acima é sinônimo de dito, provérbio, ditado popular, anexim, máxima, sentença, refrão, rifão, aforismo e brocardo. São verdades insofismáveis e se tornam tão conhecidas que não têm mais autor. Viram “chavões” repetidos por todos. Alguns, no entanto, não caem no gosto popular ou são menos usados. Quando se escreve, citar os muito comuns é considerado de mau gosto, como: “A união faz a força”, “Quem semeia vento colhe tempestade”. Apesar de muito conhecido, há algo mais certo que a assertiva: “Cabeça vazia, oficina do diabo”?
                          Raramente falo (ou escrevo) sobre o passado. Gosto dele (houve muita coisa boa!), mas prefiro deixá-lo em paz. Um dia  desses, todavia, assim de repente, um axioma galego me veio à cabeça. Eu o ouvi em uma das inúmeras viagens à terra de meu pai, a poética Pardesoa, aldeia que fica a uns cem quilômetros de Santiago de  Compostela. A prima alegre e despachada disse no seu “portunhol” ( o que é o galego senão, até historicamente, a mistura de português e espanhol?): “As coisas não são como começam, mas como acabam”. Sábias palavras. Justifiquemos. Todo início é dúvida. Negócios, passeios, casos de amor, até casamento. Há uma enorme distância entre o planejado, o  que se espera e o final, quando se olha para trás e em flashback analisa-se como tudo se deu. Por isso o poeta diz: O caminho se faz caminhando. É no vivendo que se vai descobrindo até que ponto os projetos estão sendo concretizados. Após, quando tudo se acaba (ou parece acabar) , pode-se analisar com minúcia e comparar se aconteceu o esperado, se houve boas ou más surpresas, flores ou abismos.
                          Quando chegar a hora derradeira, é capaz de ter lá do outro lado, um grande computador para fazer download  de tudo que se viveu. Serena, ou angustiadamente, saber-se-á o que se concretizou ou o que se perdeu durante a caminhada. Nada foi deletado. É o acerto final. Por que não se cultivar o hábito de fechar para balanço de vez em quando para analisar a performance, ou como andam as realizações de nossa plataforma de governo?  Quando os resultados são ruins e o homem for reprovado na prova final, nada mais há que se fazer. É preciso, pois, se precaver e ficar atento aos sinais de pequenos e grandes fracassos, quando ainda há possibilidade de mudanças e estratégias.
                          Há outro anexim, também galego, interessante: A vida é um tango e a morte, um passo doble. Pode-se facilmente comprovar a sabedoria do aforisma, mostrando a pertinência da metáfora. O tango, como a vida, é a mistura de ritmos vários, paixão, sentimentos conturbados, tragicidade. O passo doble , por sua vez, dança originária da Espanha, encarna o espírito do toureiro. É  símbolo de violência emocional,  valentia, coragem, desafio, perigo. O que é a morte, senão uma tourada, que sempre culmina com um epílogo fatal?

                          No livro “O avesso das coisas”, Carlos Drummond de Andrade cria, com inteligência e originalidade, em estilo sucinto e condensado,  um conjunto de aforismos, de A a Z, com as mais diversas definições sobre o amor, a vida, a cultura, vícios e virtudes, a morte. Em um deles afirma que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, mas mortal, para evitar competição.
                          Assim são os axiomas, sabedoria comprovada em breves conceitos. Talvez seja um excelente exercício minimizar problemas humanos, para compreendê-los. Em pequenas doses homeopáticas ficará mais fácil tomá-las religiosa e diariamente. Não seria esse um dos caminhos para alcançar a almejada sabedoria?

domingo, 5 de agosto de 2012

VERDADES & SUPERSTIÇÕES

VERDADES & SUPERSTIÇÕES

                           Agosto vem do latim Augustus, oitavo mês do calendário gregoriano. Decreto em honra do imperador César Augusto. Ele não quis ficar atrás de Júlio César, em honra de quem foi batizado o mês de julho e estabeleceu que “seu” mês também tivesse trinta e um dias.
                           Por que razão agosto é um mês aziago?
                           Há outros motivos que acirram a ideia de mau agouro. Desde o século XVI fatos históricos nefastos, desastres aconteceram em agosto. E mais: o primeiro homem foi eletrocutado na cadeira elétrica, nos Estados Unidos, dia 06/08/1890. Começo da primeira Grande Guerra Mundial: 01/08/14.Dia 02/8/32 Hitler começou a governar a Alemanha. Agosto de 39: começa a segunda Grande Guerra Mundial. Hiroshima e Nagasaki foram destruídas pela bomba atômica, em um dos mais cruéis episódios da História, nos dias de 6 a 09 de agosto de 1945. Em 13 de agosto de 1961 foi iniciada a construção do Muro de Berlim, o Muro da Vergonha. Tragédia brasileira: morte de Juscelino Kubitscheck, em um controverso desastre automobilístico, dia 09 de agosto de 1976. Anteriormente, outro episódio fatídico abalou o Brasil, no dia 24 de agosto de 1954: o insólito suicídio de Getúlio Vargas. A data ficou marcada pela importância do mais famoso político brasileiro. Ele deixou uma Carta-testamento, que foi    lida em seu enterro, por João Goulart. O documento é endereçado ao povo e se inicia tragicamente: “Deixo à sanha dos meus inimigos o legado de minha morte”.
                           Produto de verdades e superstições, agosto é um mês negativo. Derivado do latim, o termo significa uma crença contrária à fé religiosa e à razão. Tentou-se encontrar uma explicação nos domínios da razão, todavia o termo, principalmente hoje, tem sido utilizado, às vezes, como o resultado de processos derivados mais do preconceito.
                           Na realidade, as superstições ficam arraigadas no nosso íntimo, mesmo que a razão as tache de tolices. O famoso dito do grande Miguel de Cervantes Saavedra é notável: “Eu não creio em bruxas, mas que elas existem, existem”. Assim, como explicar manias populares, temores. Passar debaixo de escada dá azar, deixar bolsa no chão faz ficar pobre, vassoura atrás da porta livra de visitas indesejáveis, trevo de quatro folhas dá sorte, o número treze atrai malefícios, colocar Santo Antônio de cabeça para baixo é bom para arrumar casamento, deixar roupas do avesso é ruim, chupar sementes de romã, ou tomar sopa de lentilha, na passagem do ano, traz riqueza. Enfim, são centenas de superstições que driblam a razão e a inteligência.
                           Todavia, quando falo em agosto, gosto de relembrar um trecho de famosa crônica de Rubem Braga. No texto, o narrador, após tentar, sem sucesso, usar a linguagem denotativa, confessa o que ele gostaria realmente de escrever: O luar de agosto semeava crisântemos brancos e bicicletas verdes no abril azul dos sonhos dourados de mariposa castanha.
                           Chamar o luar de agosto de crisântemos brancos, utilizar metaforicamente a imagem de bicicletas verdes e o mês de abril, como símbolos de felicidade e aludir aos sonhos doirados da amada, sua mariposa castanha, tudo é puro lirismo. Isto é poesia. O mês de agosto está salvo, abençoado contra todas as possíveis superstições que o envolvem.