A MORTE DE UM IDEAL
Meu idealismo está moribundo. Todas as manhãs, quando assisto aos jornais televisivos, com variadas notícias de crimes, assassinatos, novidades políticas, votos de louvor à mediocridade, a alma piora. Aí aconteceu um fato que foi a gota d’água.
Sempre detestei ler traduções. Tradutor é traidor, como se sabe há muito tempo. Ora, meu inglês coloquial e meu vocabulário dessa língua são razoáveis. Mas tenho preguiça intelectual de enfrentar um livro de mais de trezentas páginas, na língua britânica. Teria que usar muito o dicionário. Então optei por não ler mais autores americanos e ingleses, ou outros traduzidos.
Em uma manhã de julho, assisti, por acaso, a um filme inglês que me encantou e estarreceu. Não digo aqui o nome, porque não quero influenciar ninguém. O fato é que, após, fui pesquisar e descobri que o supracitado filme era a adaptação de um grande autor nipo-britânico e seu romance é considerado entre os cem melhores da última década. Adquiri o romance, traduzido, é claro.
Abri o livro, eufórica, ansiosa. A primeira linha iniciava com uma próclise: “Me chamo...”. Minha alma desabou. O autor usou o inglês coloquial, ou é uma licença gramatical da tradutora? Perdi o encantamento. Deixei o livro de lado. Após, mandei um e-mail a um ex-aluno brilhante, professor, que fala fluente o inglês, tem um dos melhores Laboratórios de Redação de São Paulo, é escritor, cineasta, diretor de teatro. A notícia que ele me deu piorou meu estado de alma. Uma famosa editora paulista permite que os tradutores usem uma linguagem mais acessível aos leitores.
Foi a morte. Senti-me ludibriada e velhos fantasmas ressurgiram. Lembrei-me de Osman Lins, em seu idealismo exacerbado, dizendo-me: “Um dia, no Brasil, até os operários lerão Nove, Novena”. Foi horrível alertá-lo, mas na época, eu sabia que um dia, nem os universitários leriam Nove, Novena... Fiquei muito infeliz porque acertei. Na década de oitenta, antes da formatura do Curso de Letras, eu dava aos alunos uma lista de livros que eles deveriam ler nos próximos vinte anos. Posteriormente, encontrei alguns que me confidenciaram: “ Eu nunca li nenhum livro de sua lista”...
Aos poucos, meu idealismo adoeceu. Lembrei-me dos ex-alunos do site Amigos do Vilhena, brilhantes, entusiasmados, iluminados por uma realidade que já não existe mais. Um dia desses assisti a uma reportagem dizendo que no nosso querido Colégio faltavam sete professores, desde o início do ano. E que em quase todos as Escolas Estaduais, acontnecia o mesmo.
Sei que o problema é globalizado. O nível cultural do povo piora, dia a dia e, ao invés de elevá-lo, através de uma boa Educação, de um Ensino eficiente, o que se vê é um grande aumento de escolas, ensino deficiente, professores mal preparados, horrorizados pela violência, que grassa como um câncer.
Aos poucos, pela péssima remuneração, os jovens não se interessam pela carreira do magistério. Lê-se cada vez menos e, recentemente, foi veiculada pela Internet uma notícia terrível: O Analfabetismo Funcional atinge o Ensino Superior. Dados do Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF), divulgados pelo Instituto Paulo Monte Negro e pela ONG Ação Educativa. Apontaram que 38% dos universitários brasileiros são considerados analfabetos funcionais.
Todos conhecem as causas dessas mazelas: baixos salários dos professores, ensino ruim, terceirização das famílias, que deixam a educação e a cultura dos filhos para a escola, falta de leitura, a Internet e a Televisão, instrumentos sofisticados que, mal usados, viram armas perigosas, inversão de valores, as drogas.
Contra tais Molochs modernos, não há soluções? A queda, a decadência cultural e moral, a banalização da violência serão chagas incuráveis?