Hoje, ocupa este espaço a grande escritora Raquel Naveira, com seu comentário sobre meus livros Replantio de Outono e Tempo de Colher.
ELY VIEITEZ LISBOA: FONTE DE CONHECIMENTOS
(*)Raquel Naveira
Belos livros: Replantio de Outono (poemas) e Tempo de Colher (crônicas). Nos dois títulos os temas recorrentes: as estações; o plantar e o colher; a alegria de ceifar os feixes de trigo, quando se plantou a semente com esforço e lágrimas. Algo que dialoga com o bíblico Eclesiastes, pois há tempo para tudo debaixo do sol.
Em Replantio de Outono, quanta sensibilidade, quanta observação da natureza , quanta fragilidade que na essência é força: a borboleta, os passarinhos, os cachorros, o céu azul, o ipê florido...
Ely bebe nas fontes portuguesas das cantigas medievais de amor e de amigo, pois “Luta vã, a alma do amor serva/ vive, sangra, goza em êxtase/ dolorosa vassalagem”.
O tom dos poemas às vezes é de prece, outras vezes de sensualidade, como no Cântico dos Cânticos, o poema epitalâmico em que o rei Salomão canta para sua amada Sulamita: “Ah, Senhor meu/ Entra que a casa é tua/ E eu, escrava apenas/ Jamais senhora”. Há maior liberdade do que servir como escrava, doar-se submeter-se por vontade própria? Humilhar-se a ponto de, como nova Maria Madalena “ungir-te os pés com doces óleos/ Enxugá-los com meus cabelos”?
Grande é a erudição de Ely, o seu mergulho nos clássicos e na mística: Dante, Santa Teresa de Jesus, Lope de Vega, mitologia greco-romana. E os contemporâneos: Caio Fernando Abreu, Clarice Lispector.
Os concisos minipoemas atingem alto grau de lirismo e oralidade, pois “lábios são pétalas que voam”.
Lindo e ousado o diálogo com o Cristo vivo, o “Cristo da Trindade fugido”. Diálogo entre Irmão e irmã, Deus e mulher. A poeta abriu a porta para o Homem de olhos mansos, cheios de Amor.
Morte/vida, angústia/esperança se mesclam nas tramas que nos envolvem, nos campos de batalha de nossas mentes até o Apocalipse.
E se poemas têm cor, os de Ely são verdes como ramos de magia verde viva atirados sobre Jesus na entrada de Jerusalém. Eu mesma fiquei iluminada de verde quando li esses poemas.
As crônicas de Tempo de Colher são maduras e deliciosas. Identifiquei-me com elas: a urdidura das narrativas, a espontaneidade, as reflexões, a lucidez, a compaixão sem julgamentos, o poder curativo e catártico que delas emana. Pura vontade de viver. A escritora e a professora de Estética em Ely são indissociáveis na observação da beleza e da dor do cotidiano. Segundo Freud, lembra ela, “o belo é uma sublimação de representações recalcadas e a obra de arte, o símbolo de um desejo.”
Ely revela garra, otimismo, capacidade de enfrentar problemas e desafios sem olhar para trás. É dona de uma personalidade corajosa, animada, alguém que crê que a vida deve ser rica, sem ócio e passividade.
Toda sua inquietação, sua sede de agir, de produzir, de sonhar e amar; toda gama de atos, palavras e exemplos estão expressos nessas vigorosas crônicas.
Fernando Pessoa disse: “Tudo é ousado a quem nada se atreve”. Ely é ousada. Pertence à raça dos assinalados, dos que olham para o alto, em direção a grandes realizações. Não tem medo de polêmica, não muda os seus valores, busca a cada linha o equilíbrio espiritual de quem sabe viver por Amor, acima das circunstâncias e dos sofrimentos.
Na poesia e na prosa, Ely é fonte de conhecimentos acumulados e aspirações que se renovam sempre. Alguém que alcançou um coração sábio
(*)Raquel Naveira. Emblema sagrado da poesia sul-mato-grossense. Presença marcante nos meios culturais e na mídia do Estado do Mato Grosso do Sul. Escritora fecunda, tem 16 obrass literárias publicadas.