DA MANJEDOURA AO CONSUMISMO
O mês de dezembro é atípico. Em semiótica, dir-se-ia que é eufórico e não disfórico: época de alegria e festas. Houve um tempo, em minha vida, que a família começava a festejar desde o dia primeiro desse último mês do ano: passeios, festas, compras, bons vinhos, champagne.
É preocupante o que se fez com dezembro. O Natal, por exemplo, deveria ser uma data ungida de religiosidade, orações. Todavia, o monstro do Consumismo, com sua força, transformou o Dia Santificado, em uma época, cujas vendas batem todos os recordes, para a euforia do comércio.
Algo positivo é o aumento dos empregos temporários, possibilidade de sobrevivência. Quanto às crianças, houve uma deformação total. Para elas, é quando se ganham presentes. O Natal torna-se o mais trágico fator que demonstra as grandes diferenças socioeconômicas. Basta comparar os presentes das várias classes sociais.
Outro sintoma da síndrome natalina é o pantagruelismo, quando se preocupa em beber e comer bem, e no exagero da gula, dá-se algo bizarro. Como nosso Natal é alicerçado em lendas europeias, tempo de muito frio, neve, renas, Papai Noel descendo por possíveis chaminés, acontece algo esdrúxulo.
O Natal, no Brasil, é no verão, com muito calor e alguma chuva. Mesmo assim, as lautas ceias continuam ao estilo europeu, com castanhas, massas, vinhos, caldos quentes e chocolate. Como rever isto? A reunião familiar é algo positivo, mas enfatizando o amor, a união, a religiosidade.
Quando o final do ano vai chegando, deveria também surgir a necessidade de fechar para balanço, no sentido conotativo. Antes do Novo Ano, em recolhimento, fazer uma auto-análise dos erros e acertos, preparando-se pra o ano seguinte. Em grandes metrópoles, tem-se o hábito, na passagem de ano, de picar papéis e atirá-los do alto dos prédios.
Ora, o ato tem um significado diverso: expurgar o acessório, limpar a alma das tolices cometidas expulsar sentimentos de ódio, de tristeza e de falimento, pensamentos pessimistas, inseguranças, tristezas. Entrar no ano seguinte com o pé direito e tudo que a metáfora da expressão inspira: coragem, otimismo, alegria, fé, sonhos, muitos sonhos.
Os que se despedem do Ano Velho e entram no Novo com as mesmas fraquezas, com a lama ainda vestida com os farrapos da tristeza, das antigas frustrações, os eternos medos e a descrença, não podem esperar muito. Será, de novo, uma dramática e morosa descida aos infernos.
Assim, as festas natalinas, os réveillons, tudo é motivo de alegria, porque lembram renascer, recomeçar, vencer barreiras. Imagine o Primeiro do Ano com uma faixa, onde estão os dizeres: Vida Nova! É um Templo de Possibilidades, que tem no umbral, não o aviso do inferno de Dante: “Lasciate ogni speranza voi ch’entrate” (Deixai toda esperança, vós que entrais) , mas uma mensagem de mudança, de vida nova.
Poder-se-ia até imaginar o Templo do Ano Novo, com as seguintes palavras no limiar de sua grande porta: “Deixai toda a infelicidade, que, porventura tivestes”. É só dar, com firmeza, um passo, munido das mais firmes intenções e uma nova era recomeçará.