domingo, 23 de fevereiro de 2014

CILADAS DO AMOR

CILADAS DO AMOR

O Amor é um sentimento complexo. Só os seres humanos o conhecem, mas ele sempre surpreende. Cantado em poemas e canções, desde tempos imemoriais, ele continua fascinando.
A Lírica de Camões tem poemas sobre o  Amor, famosos há  séculos  e  sempre  atuais. Ele diz sobre os  paradoxos desse  sentimento que  atrai  e  amedronta: “Tanto do  meu estado me  acho incerto, / Que em vivo ardor tremendo estou de  frio, / Sem causa  justamente choro e rio, / O mundo todo abarco e nada aperto.” Os Amantes têm tudo e nada, experimentam glória e perdição. Eu mesma, em um poema,  com o título Antissentimento, tento deslindar esse  sentimento misterioso,  onde, paradoxalmente, afirmo  que quem   conhece o Amor acaba  por  experimentar céus e infernos, perda  da paz, felicidade e medo, alegrias e dúvidas, insegurança. Os Amantes são seres privilegiados, porém o prêmio que  devera  ser  alegria, tem  alto preço: “ Só nostalgia, amargura, a dor dos assinalados em desgraça./ Dos mortos na dúvida,/
Sufocamento sem fim / Porque o epílogo fatal, / Prova sempre, efêmero e  falaz, / Que o amante sorve  o veneno / Todavia não morre do mal”.
          Por que introdução tão longa? Afinal, como diz o título, eu só queria narrar duas histórias verídicas sobre o tema e em ambas reina o inesperado, uma trama sem autor, intrigante. Vamos aos fatos.
          Nosso herói se casara com uma moça inteligente, séria, sensata, que lhe deu uma bela filha. Mas algo o incomodava: a esposa não era muito bonita. Mas ele também não.  Depois de alguns anos, começaram a se desentender, veio o divórcio.
          Aborrecido, nosso herói prometeu a si mesmo: quando se casasse de novo, seria com uma mulher bela, linda. Queria acordar feliz e realizado, olhar ao lado e ver uma deusa de beleza, uma perfeição. Afinal ele conseguiu encontrar sua eleita. Ela era uma obra-prima da Natureza.
          Ora, felicidade tem seu preço. E às vezes muito alto... A nova esposa gastava muito, em tolices, roupas, sapatos, perfumes importados, joias. Um poço sem fim. Ele suportava tudo, encantado com a mulher divinal, belíssima, que dormia com ele, todas as noites.
          Ela exagerou. Começou a gastar com sua família, que era numerosa: dentista para os irmãos, Colégio para as irmãs, planos de saúde para o pai, a mãe e a récua  toda. Ele se desesperou, vendo todo seu dinheiro escorrer-lhe pelos dedos. Um dia ela o abandonou, deixando uma dívida  imensa. Dez anos depois, nossa pobre vítima arcava ainda com inúmeras prestações, um pesadelo. Nunca mais ele se casou e não entendeu nunca a cilada do destino, o preço da concretização de seu sonho.
          O segundo caso tem também uma vítima, uma cilada do Amor. A prima miúda e insossa desfilava pela cidadezinha, apresentando o belo espanhol que viera da Galícia, para se casar com ela. Mostrava o moço lindo, magro, alto, de bastos cabelos meio ondulados e uns inacreditáveis olhos esverdeados, que às vezes eram meio cinzentos. Apresentou-o a todas as moças, menos para  Lena. Também, ele não iria se interessar por aquela moça alta, pestanuda, de sobrancelhas cerradas, peitos volumosos e quadris grandes.
          Cidade pequena é uma ilha, onde todos se encontram. A prima apresentou Lena ao jovem espanhol. Olharam-se e o mistério aconteceu. Ele apanhou  uma  rosa vermelha  no jardim ao lado, ofereceu a Lena,  dizendo: Uma rosa à mais linda moça da Cidade. Ela corou e aceitou a prenda. Três meses depois casaram-se na pequena igreja da cidade mineira.


domingo, 16 de fevereiro de 2014

MISTÈRIOS DA POESIA

MISTÈRIOS DA  POESIA
Um dia desses eu fugi para um mundo lírico, sem malas, mas com asas e aterrissei na Poesia.  A culpa é do Manoel de Barros, que diz coisas encantadas em seu mundo, só dele. Sua linguagem, as metáforas, até os neologismos, tudo é passaporte para o mistério poético.
Por Deus, que homem é este?! Em que mundo vive? Eu já conhecia a obra Poesia Completa de Manoel de Barros, da Texto Editores Ltda., publicada em 2010. Eu já me encantara, até escrevi um texto sobre o alumbramento em que mergulhei, quando li seus poemas.
Eis que a amiga querida nos presenteou com o livro Compêndio para Uso dos Pássaros, da mesma Editora, também de 2010. Ali, nas orelhas, ele, MB, confessa: “ Quando era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão”.
Lendo e relendo essa obra encantada, descobri entre os poemas, nas páginas 37 e 38, definições de Poesia, algo que muitos poetas já tentaram. Manoel de Barros diz, no poema Experimentando a Manhã Nos Galos: “... poesia é / __é como a boca / dos ventos / na harpa / nuvem / a comer na árvore/ vazia que/ desfolha noite / raiz entrando / em orvalhos.../ os silêncios sem poro / floresta que oculta / quem aparece / como quem fala / desaparece na boca/ cigarra que estoura o / crepúsculo / que a contém / o beijo dos rios  /  aberto nos campos / espalmando em  álacres / os pássaros / __ e é livre / como um rumo / nem desconfiado”...
Li dezenas de vezes o poema, tentei adentrar na  semântica daquela inusitada linguagem figurada e estranhamente, em cada leitura, ricos sentidos se apresentavam,  como um lindo móbile, que mudava em cada olhar...  Esse é um dos grandes mistérios da Poesia. Alguém já disse que, ao criar uma metáfora, o Autor e Deus sabem por que e como ela foi criada, seu sentido primeiro. Depois de algum tempo, só a Suprema Sapiência poderá decodificá-la...
Fiquei obsessiva. Queria outras definições de Poetas assinalados, esses seres que têm antenas especiais para captar  o desconhecido mundo que nos rodeia. Mas por quem começar? Há tantos eleitos por Euterpe,a Musa da Poesia. Escolhi um critério. O grande Mário Quintana. Afinal, ele está entre os  melhores e, em 2014, vai ser homenageado pela Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto.
 Na Fortuna Crítica da obra Poesia Completa de Mário Quintana, (Editora Nova Aguilar, primeira edição, em 2005), vários nomes ilustres da Literatura Brasileira fazem depoimentos minuciosos, colocando nosso Poeta entre os mais     importantes do Brasil.
Abro o livro ao acaso e, na página 197, encontro uma raridade poética, que me atrai como um ímã: “Um poema como um gole d’água bebido no escuro. / Como um pobre animal palpitando ferido. / Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna. / Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema. / Triste./ Solitário./ Único. / Ferido de mortal beleza ”.
Fechei o livro, inquieta e frustrada. Desisti. Era procurar pedras preciosas em um tesouro imenso. Só me aquietou um pouco a alma, pensar que tentar definir Poesia é algo complexo e talvez muito individual. Aí, um Anjo Torto, que vive não nas sombras, como o do Drummond, mas na luz das possibilidades, me ciciou brandamente: “Sossega, minha amiga, porque há olhos que só veem a superfície das coisas.  Outros tentam aprofundar na essência.  Poucos possuem raios-x”.  Agradeci a lição preciosa e fui cuidar da vida.




domingo, 9 de fevereiro de 2014

OS OLHOS DE DEUS

                    OS OLHOS DE DEUS
(Texto inspirado em uma gravura de Dalí)
         
 Sobre o monte, os olhos de Deus. Ao longe, o mar. A figura feminina seminua, que se vai, envolta em rósea nuvem. Os olhos femininos de Deus, atrás dos óculos escuros, sérios. Através das lentes, montanhas ao longe e em primeiro plano, figuras masculinas? Contraste da cor ocre da terra e do auriverde do céu, onde nuvens formam desenhos insólitos. Almas que voam?
          A gravura é a anti-insciência humana. O homem ou Deus vendo: “Eternidade: os morituros te saúdam”. Os que vão morrer saúdam a desejada eternidade. Em um átimo, o milagre: “Eternidade: os morituros te beijaram”. O beijo da vida. Os homens não mais são animais que vão morrer. Morte, onde está tua vitória?
          Outro poema de Drummond: O Deus mal Informado. “No caminho onde pisou um deus”, que se perde em estradas, faminto de eternidade, saudoso de existência, “mas a estrada se parte, se milparte, / a seta não aponta destino algum, e o traço ausente / ao homem torna homem novamente.”
O homem é só insciência, derrota, má informação. Culpado até de não ter culpa, morre todo o tempo “no ensaiar errado / que vai a cada instante / desensinando a morte”; o homem, o sobremorrente (delicioso neologismo do Mago de Itabira). O homem, vítima, caça, que sempre foge veloz do tiro e do caçador.
          Drummond vaticina: “Não morres satisfeito, morres desinformado”, Dalí cria o único caminho da antimorte, o antídoto contra o veneno maior, a efemeridade. Só há uma maneira de ser eterno: a Arte. Quando o Artista cria, ele é um deus. De suas mãos demiúrgicas fluem mundos, em um novo Fiat Lux. Recria.
          Sobre o monte avermelhado, resquícios de vida marinha. Mistério do mar sobre a Terra. Água e terra se unem sob os olhos de Deus, aguçados e atentos. Os olhos miram um ponto fixo. O que veem os olhos? Sinédoque de que Criatura? Mistério? Se o Homem é insciência, cegueira, os olhos são de uma Criatura-não-Homem? E se ele foi criado à imagem e semelhança de Deus, os olhos são de um AntiDeus? Do Demônio? Daquele que vê? Os olhos de Dalí. Deus e o Diabo.
          A criatividade dos artistas, dos pintores, dos poetas me impressiona. Que levedo mais rico recebem na sua massa? Os assinalados são escolhidos? O talento nasce com os grandes artistas, uma espécie de perfume aureolando suas almas. O tempo só pode aperfeiçoar a técnica, o fazer. Fico, então, imaginando a cena: o Todo Poderoso mexendo as peças do grande jogo de xadrez da vida. Este brilhará. O outro conseguirá penetrar nos mistérios insondáveis da existência humana.  Àquele darei palavras para exprimir o inefável... O outro terá antenas que poderão captar o imponderável.
          Ao seu lado, um Anjo que pouco sabe  do Jogo da  Criação, interroga-O, abismado: E eles serão felizes, amados? Deus sorri diante de tanta ingenuidade angélica. Realmente, seria pedir demais... O pobre Anjo se afasta ensimesmado, perguntando-se: Então, o dom do talento é prêmio, ou castigo? Não recebe resposta alguma. É mais um mistério da Onisciência Divina.

                            

domingo, 2 de fevereiro de 2014

PROCURA-SE

PROCURA-SE
                                       
        
          Uma Terra onde o Amor se alastre como planta viçosa e o Ódio jamais possa grassar, como praga maldita;
                Um Mundo que não seja alimentado por ideologias escusas, onde se respeitem opiniões contrárias, religiões e filosofias diferentes e que a liberdade de pensamento seja uma lei pétrea;
                Um Universo habitado por seres verdadeiramente humanos, que respeitem a Natureza, que sejam seus Senhores e não seus carrascos;
                Um País onde se amem os Homens, as Mulheres, as Crianças, os Animais e todas as criaturas vivas da Criação Divina;
               Um País, cuja Constituição tenha um só Artigo: o direito assegurado a todo homem de viver íntegra, total e dignamente;
               Um Mundo justo e elevado, onde não haja crimes hediondos e injustiças sociais;
               Um Presidente, messiânico ou não, carismático se possível, todavia um exemplo concreto de credibilidade;    
               Um Governador realmente eleito pelo povo e que, após eleito, não se esqueça de todo seu Programa de Governo e o realize integralmente;
               Uma Cidade onde haja um Prefeito competente, aberto, honesto, preocupado com os problemas prioritários que o cercam e não se perca na realização de projetos grandiosos e sem sentido;
               Senadores, Deputados e Vereadores que trabalhem para o povo e que ofereçam suas vidas ao serviço dele;
               Um lugar para se viver, onde os Profissionais sejam bem formados, ativos, dinâmicos, sempre atualizados, éticos, visando crescer e servir o povo;
               Um País livre da corrupção, da violência, da impunidade, do preconceito, dos sofismas, das falsas promessas, das Drogas;
               Um Povo pacífico, sem ser passivo, amante da Paz e da Verdade, cheio de Idealismo, avesso a mentiras, inimigo da ambição desregrada;
               Uma Sociedade cônscia, justa, amante das Artes, da Justiça Social e do Bem Comum;
               Uma Pasárgada, onde os Amantes, sem imposição da lei, de papéis e obrigações de estado, sejam livres para se amarem a qualquer hora, na grama, sob as árvores, entre as flores;
               Uma Imprensa sem censura, só com matérias de primeira qualidade, com leitores inteligentes, perspicazes e sensíveis;
               Uma Escola, onde os Alunos sejam o centro, a finalidade primeira, para que eles cresçam para a vida e só aprendam lições de sabedoria e de amor;
               Casa própria para morar, de preferência térrea, com jardim, muita flor, quintal e cachorro, sem obrigação de pagar IPTU;
               Amizade verdadeira, fraterna, compreensiva, cheia de amor e despreocupada com o julgamento dos pobres de espírito;
               Um Amor eterno, ou pelo menos infinito enquanto dure;
               Uma vida feliz, repleta só de bons acontecimentos, livre do tédio, das doenças, das desgraças, como traição, dor no dentista, imposto de renda, velório e  missa de 7º dia;
               Uma morte breve, doce e suave, após uma vida longa, fértil e plena;
               Um Sacerdote santo, para ajudar, quando chegar a hora derradeira e resolver todas as questões da Grande Viagem, inclusive o Passaporte;
               Uma fé ardente que creia em um Deus onisciente, sábio e bom, que conheça bem sua Criação e possa perdoar, entender todas as suas carências e fraquezas.