MENALTON E O
CASARÃO
O Casarão
da Rua do Rosário (Editora Bertrand Brasil, 2012), livro mais recente de
Menalton Braff, apresenta características muito específicas: o clima sombrio, distanciado
da realidade, para recriá-la, o estilo solene, clássico, a linguagem bem
cuidada. Nem o abundante emprego da próclise, até no início das frases, talvez
para dar certa descontração, consegue burlar o tom da narrativa exímia, séria. O tempo violentado da trama dá modernidade
ao romance. No final, o quebra-cabeças montado realça a história de Palmiro e
de sua família. Na realidade, as personagens principais são a família e o
Casarão. Fica uma sensação que se explora
pouco o mundo interior do herói. É como se, fechado em uma moldura, se
enfatizassem mais as bizarras mulheres do Casarão e uma época conturbada.
Nessa obra,
mais que nas anteriores, MB tem um estilo sóbrio e clássico, devido
principalmente à linguagem elegante,
com descrições que são puras joias literárias.
Voltando às
personagens femininas, que se realçam sobremaneira no romance, a mais forte é
Isaura, mãe de Palmiro, como mãe, esposa, mulher avant la lettre. Mas
realmente, quem rouba as cenas, sem dúvida, é Ataulfo, figura magnífica,
criatura gauche, anjo torto cheio de pureza, íntimo das plantas, das flores e
dos animais. Ele e Leão, criaturas não conspurcadas.
Já no
primeiro capítulo vem a apresentação do clã. O narrador vai descerrando as
cortinas, em uma bela linguagem, com dados e minúcias. Em um “ritmo lento e
asfixiante”, como analisa José Castello, na orelha do livro, o narrador convida
o leitor para conhecer os atores da grande peça. Aqui e ali, alusões,
sutilezas, pistas importantes; exemplo interessante, no final do capítulo 3, da
parte Dois, dos subtítulos, é o vocabulário amplo, a riqueza de detalhes, o
conhecimento da Natureza e da Botânica.
Do clã
feminino, significativa é Benvinda, a mais velha e a Guardiã, cuja morte inicia
a trama e a finaliza. Amélia e Ivone são apresentadas com pinceladas fortes,
como o ato vergonhoso da última, acusada
de fazer sex beast, ou zoofilia.
Palmiro é uma personagem meio frágil,
como se faltasse maior cuidado na sua feitura. Uma ou duas vezes, por exemplo,
fala-se em sua bipolaridade, mas não há sintomas contundentes dessa síndrome. Quanto a Bernardo, seu pai, que durante o
romance não é uma personagem bem delineada, no final, na parte Cinco, com o
aposto de O Revolucionário, ele se
torna uma figura forte e convincente.
Se
quiséssemos dizer que O Casarão da Rua do Rosário é uma obra sobre os horrores
da Ditadura, não teríamos argumentos significativos. Aliás, todo o panorama
político da trama é colocado em segundo plano. Os fatos históricos, sem nomes,
sem datas, parecem mais apenas uma citação, como se fossem sobejamente
conhecidos; lembram meras alusões políticas.
Na
realidade, o realçado acima não é uma falha; pelo contrário. Usar tintas mais
fortes na vida das personagens, seus dramas, problemas, resoluções, batalhas e
perdas, tudo tornou o romance mais universal.
Como um
grande cineasta que opta por certo distanciamento dos fatos, para melhor
analisa-los, MB cria um narrador (Palmiro), que não julga, não explica, não
elucida. Seu silêncio, no entanto, valoriza esse pano de fundo.
José
Castello, sábio e perspicaz, vê mais adiante, explicando o porquê do
distanciamento: “Neste romance, Menalton Braff exercita seu fascínio pelo
passado, transformando-o em um instrumento de devassa do presente”.
Não é este
um dos objetivos maiores da Literatura?