domingo, 3 de fevereiro de 2013

MENALTON E O CASARÃO


MENALTON E  O CASARÃO

         O Casarão da Rua do Rosário (Editora Bertrand Brasil, 2012), livro mais recente de Menalton Braff, apresenta características muito específicas: o clima sombrio, distanciado da realidade, para recriá-la, o estilo solene, clássico, a linguagem bem cuidada. Nem o abundante emprego da próclise, até no início das frases, talvez para dar certa descontração, consegue burlar o tom da narrativa exímia, séria.      O tempo violentado da trama dá modernidade ao romance. No final, o quebra-cabeças montado realça a história de Palmiro e de sua família. Na realidade, as personagens principais são a família e o Casarão. Fica uma sensação que se explora pouco o mundo interior do herói. É como se, fechado em uma moldura, se enfatizassem mais as bizarras mulheres do Casarão e uma época conturbada.
         Nessa obra, mais que nas anteriores, MB tem um estilo sóbrio e clássico, devido principalmente      à linguagem elegante, com descrições que são puras joias literárias.
         Voltando às personagens femininas, que se realçam sobremaneira no romance, a mais forte é Isaura, mãe de Palmiro, como mãe, esposa, mulher avant la lettre. Mas realmente, quem rouba as cenas, sem dúvida, é Ataulfo, figura magnífica, criatura gauche, anjo torto cheio de pureza, íntimo das plantas, das flores e dos animais. Ele e Leão, criaturas não conspurcadas.
         Já no primeiro capítulo vem a apresentação do clã. O narrador vai descerrando as cortinas, em uma bela linguagem, com dados e minúcias. Em um “ritmo lento e asfixiante”, como analisa José Castello, na orelha do livro, o narrador convida o leitor para conhecer os atores da grande peça. Aqui e ali, alusões, sutilezas, pistas importantes; exemplo interessante, no final do capítulo 3, da parte Dois, dos subtítulos, é o vocabulário amplo, a riqueza de detalhes, o conhecimento da Natureza e da Botânica.
         Do clã feminino, significativa é Benvinda, a mais velha e a Guardiã, cuja morte inicia a trama e a finaliza. Amélia e Ivone são apresentadas com pinceladas fortes, como o ato  vergonhoso da última, acusada de fazer sex beast, ou zoofilia.
         Palmiro é uma personagem meio frágil, como se faltasse maior cuidado na sua feitura. Uma ou duas vezes, por exemplo, fala-se em sua bipolaridade, mas não há sintomas contundentes dessa síndrome.     Quanto a Bernardo, seu pai, que durante o romance não é uma personagem bem delineada, no final, na parte Cinco, com o aposto de O         Revolucionário, ele se torna uma figura forte e convincente.
         Se quiséssemos dizer que O Casarão da Rua do Rosário é uma obra sobre os horrores da Ditadura, não teríamos argumentos significativos. Aliás, todo o panorama político da trama é colocado em segundo plano. Os fatos históricos, sem nomes, sem datas, parecem mais apenas uma citação, como se fossem sobejamente conhecidos; lembram meras alusões políticas.
         Na realidade, o realçado acima não é uma falha; pelo contrário. Usar tintas mais fortes na vida das personagens, seus dramas, problemas, resoluções, batalhas e perdas, tudo tornou o romance mais universal.
         Como um grande cineasta que opta por certo distanciamento dos fatos, para melhor analisa-los, MB cria um narrador (Palmiro), que não julga, não explica, não elucida. Seu silêncio, no entanto, valoriza esse pano de fundo.
         José Castello, sábio e perspicaz, vê mais adiante, explicando o porquê do distanciamento: “Neste romance, Menalton Braff exercita seu fascínio pelo passado, transformando-o em um instrumento de devassa do presente”.
         Não é este um dos objetivos maiores da Literatura?