DE PÁSSAROS E DE HOMENS
Cada dia entendo menos o mundo. A
pombinha fez o ninho bem em cima do carro. Despreocupada e dona do pedaço, não
se preocupou com a sujeira toda que fez sobre o veículo. Quando meu marido
descobriu o fato, cuidadosamente aconchegou as palhinhas sobre uma pilastra da
garagem, cuidou de escolher o lugar abrigado do vento, pois lá estavam dois
filhotinhos, com os bicos abertos, pedindo comida. Ficou muito preocupado. A
mãe aceitaria a mudança? Abandonaria os filhinhos mal empenados?
Logo foi uma alegria. A mãe sábia
aceitou o novo local, aninhou sobre os filhos e lá ficou a nos olhar de olhitos
muito abertos e atentos. Mas desgraças
acontecem. Não se sabe como nem o porquê, um dia depois, um dos filhotes
apareceu morto, no chão. É algo triste e melancólico ver um filhotinho de
pássaro morto, todo abandono, fragilidade. Lembrei-me de um acontecimento
macabro, em Ribeirão Preto, após um vendaval. De manhã, indo à Igreja, as ruas,
os passeios estavam coalhados de cadáveres de vários tipos de passarinhos, um
tapete de pequenas aves, retrato trágico da efemeridade da vida. Não seremos
nós pobres pássaros à mercê de possível vendaval divino?
Quanta tristeza! Embrulhei o filhotinho
morto em um papel alumínio, para que ele tivesse uma mortalha bonita,
enterrei-o. Felizmente, o outro filhote escapou. Empenado, arisco, deu seus
primeiros voos e alçou ao céu, em busca da liberdade. O mundo pareceu mais
alegre e naquela tarde, até o mico estrela, que raramente vem por aqui,
apareceu, pegou rápido os dois pedaços de banana que deixamos para ele e saiu
moleque, alegre, com seu longo rabo dançante.
Naquela mesma noite, no jornal
televisivo, foram veiculadas só notícias brutais e macabras. Uma imensa
tristeza abateu sobre meu coração. Senti-me pequena e mesquinha, porque sofri
com a morte de um filhote de passarinho.
E, mais do que nunca, constatei que o ser humano é complexo e a vida, um
labirinto com inúmeras veredas repletas de abismos.
Ainda é primavera, o céu está azul, a
brisa doce. Todavia, a maneira de agir dos seres humanos não condiz com isto.
Parece um eterno agosto, triste, aziago. Sempre me impressionou por que os
homens não aprendem com a Natureza que segue leis lógicas, coerentes. Ao
contrário, o pretenso Rei do Universo, o propalado animal racional muitas vezes
é um monstro, ou frágil, controverso, com atitudes inexplicáveis. Lembro-me de
uns versos do famoso poema de Thiago de Mello, Estatutos do Homem. São lições
utópicas que só um grande poeta poderia dar. No Artigo IV, ele diz: Fica
decretado que o homem não precisará nunca duvidar do homem. Que o homem
confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu. O poema todo é uma mensagem de beleza, de
paz e de lirismo.
Realmente foi apenas um poeta sonhador
que escreveu o magnífico
Código. Deus preferiu criar o Homem
inteligente e capaz, mas deu-lhe o livre arbítrio. Aconteceu o que aconteceu.
Sempre achei que esta dádiva divina foi um presente de grego.