segunda-feira, 29 de agosto de 2011

EM DEFESA DA POESIA


EM DEFESA DA POESIA

            Muitas vezes já surgiram questionamentos sobre os gêneros literários, por que grandes editoras preferem o romance ao conto, para publicação e dificilmente editam poemas. Poesia vende pouco? Hoje estaria diminuindo o interesse pela poesia? Como estimular nos leitores, principalmente nos jovens, o gosto pela leitura de poemas?
            É muito raro surgir um consenso sobre tais dúvidas.  Na realidade, o problema é muito mais amplo e algo globalizado. Detectar causas, encontrar soluções é meio utópico. Seria necessário um estudo mais cuidadoso.
            Hoje, com a televisão, a cibernética, a era da comunicação direta e objetiva, parece não haver mais lugar para a POESIA (em todos os sentidos; falamos, no entanto, aqui, de Poesia escrita). Assim devem pensar os editores, grandes empresários, que poesia não é comerciável, não vende bem, daí a enorme dificuldade de se publicar um livro de poemas. O problema não é novo. Carlos Drummond de Andrade publicou seu primeiro livro, “Alguma Poesia”, em 1930, com edição facilitada pela Imprensa Oficial do Estado, mediante desconto na folha de vencimentos do funcionário... Em 1934, publica “Brejo das Almas” (200 exemplares) pela Cooperativa “Os Amigos do Livro” e em 1940, “Sentimento do Mundo” (150 exemplares, que são distribuídos entre os amigos). Somente em 1942, quando o poeta tem quarenta anos é que se dá o aparecimento de “Poesias”, pela Editora José Olympio, a primeira a custear a publicação dos seus livros. O mesmo aconteceu a vários poetas famosos, como Manuel Bandeira, que também pagou pela edição do seu primeiro livro “A Cinza das Horas”. O problema se arrasta até hoje, mas os poetas, como criaturas vocacionadas e renitentes, teimam em ofertar aos homens seu mundo mágico, captando belezas que só eles podem perceber, acordando sensibilidades, indo além da superfície das coisas.
            Não existe quem não goste de poemas. Há os que não os entendem, não foram iniciados ainda, dormem o sono letárgico, mergulhados no materialismo das coisas práticas, dos interesses econômicos, do trivial, do terra-a-terra, Sancho Pança que são.
            O poema é escrito em linguagem conotativa, figurada e ele diz sempre muito mais do que o significado primeiro. É uma plumagem nova das palavras, um enfoque mais metafísico, mais profundo. Tomemos alguns versos de Drummond, do poema “Rola Mundo”, no livro “A Rosa do Povo” (1943-1945):
            “Como vencer o oceano / se é livre a navegação / mas proibido fazer barcos?”
            Uma possível interpretação é: como o homem pode vencer as grandes e abissais dificuldades da vida, concretizar sonhos, se, aparentemente, ele é livre, no entanto, todas as leis da sociedade e o superego o tolhem, o prendem? É o grande paradoxo. A realização completa não existe. Sua liberdade é uma falácia. Os poetas inventam saídas: criam Pasárgadas, poemas que realizam a catarse deles e de todos os que os leem.
            Assim, os poemas são bálsamos, embelezam o mundo, tornam a vida mais excelsa, porque a verdade é insofismável: a existência humana sem lirismo, sem poesia, é granito, espinho, fel, como denuncia o Mago de Itabira:
            “Chegou um tempo em que não adianta morrer. / Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. / A vida apenas, sem mistificação”.                           


                                                          



segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O SILÊNCIO DOS LOBOS

O SILÊNCIO DOS LOBOS
O ser humano é igual em essência e diferente nas suas facetas. Por isso é válido afirmar que somos todos do mesmo barro. A metáfora bíblica é sábia.
É muito comum ao se ler um poema, um texto, alguém dizer: parece que foi escrito para mim. E foi. Drummond vai além. Diz que as alegrias são particulares, as dores , universais.
            Depois dos embates mais terríveis da vida, desenvolvi uma estratégia. Ao receber uma ofensa, quando alguém espumava do ódio, procurando um alvo qualquer, ou mesmo tentando me ferir com palavras cruéis, meu espírito colocava um escudo intransponível e nada me atingia.
            Muitas vezes, as pessoas ficavam chocadas diante de minha serenidade, quando alguém me atacava com acusações infundadas; pessoas amigas, movidas por sentimentos equivocados ou dores atrozes, escolhiam-me, aleatoriamente, como receptáculo do veneno que lhes corroia a alma. Pacientemente, eu as olhava com pena e até com carinho, aceitando sua fúria. Elas precisavam de uma pessoa ali à sua frente, como porto, para suas embarcações desgovernadas.
            Não era uma virtude. Apenas uma tática conseguida com o exercício da vontade. Em geral, os resultados eram bons. O agressor, pretenso inimigo, chocava-se com a serenidade inesperada.
            Cansei. De há muito não precisei usar tal exercício. O amadurecimento propicia paz? É o que chamam de sabedoria, ou apenas a clarividência de optar pelo essencial, ignorando o acessório?
            Enfatizando minha teoria, recebi um pps , pela Internet , com textos interessantes e sábios. A matéria personifica os lobos como criaturas fortes, cheios de poder e  silenciosos. Assim deveriam ser os homens. As reações violentas, as respostas ásperas  são perigosas. O silêncio é uma opção e uma força.
            Ora, a filosofia não é nova. A célebre frase de Xenócrates, filósofo grego, de 300 a.C. , continua válida: Arrependo-me de algumas coisas que disse, mas jamais do  meu silêncio.
            Diante de uma ofensa, de um ataque verbal, o silêncio rechaça o furor com a reflexão. O que se cala, pensa, analisa. Não é movido pela raiva incontrolável. Aliás, a reflexão contida é o antônimo da fúria desordenada. A primeira é filha do raciocínio, a segunda, bastarda do instinto. Uma é humana, a outra, animalesca.
            O raciocínio é simples. Quando se é adolescente, o equilíbrio é difícil, não se é dono das opções, titubeia-se entre o que se quer e o que se deve. Como entender, todavia, o ser adulto que continua refém de suas paixões? Emocionalmente, não se amadurece?
            Na verdade, homens e mulheres são, muitas vezes, instrumentos de cordas, que, ao simples toque, produzem sons belos ou estridentes, harmônicos ou desafinados. Não se sabe se há um grande músico que pode manuseá-los com arte.
            Como somos animais racionais, é preciso usar este privilégio, pró réu. Se permitimos que sejamos reféns de nossos instintos, seremos vassalos e não senhores. A vitória é ascender na Escada de Jacó e não descer aos nossos porões.
            Assim, a descoberta de sermos donos de nós mesmos não é grande, nem a panaceia   para todos os males. Contudo, o silêncio pode ser a arma dos fortes, o exercício para dominar nossas rédeas. Sejamos lobos silenciosos, enfrentando nossas lutas, com dignidade.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

SER PAI

SER PAI

         Há uma grande celeuma sobre o valor de costumes antigos e modernos. Não se trata de julgar quais são os melhores, mas parece uma sabedoria inquestionável: retomar os valores bons do passado e adaptá-los ao presente, sempre evitando os exageros e incoerências.
         Não há receita para ser um bom pai, tudo dependerá das circunstâncias, da classe social, da cultura, da situação financeira, mas há condições essenciais, sem as quais não se poderá exercer o papel de pai: o amor, a seriedade, o assumir, a vontade de cumprir sua missão com dignidade.
         É bem verdade que o casamento hoje se tornou um mero jogo de possibilidades, do qual se sai, quando a partida fica sem interesse. Os que adotam tal maneira de ser não deveriam ter filhos. Alguns estão no segundo, no terceiro, no quarto casamento, deixaram pelo caminho uma prole desarvorada, filhos que são oportunidade eficiente para se obter, em princípio, uma polpuda pensão alimentícia. E o hilário é que a justiça brasileira não funciona, é lerda e ineficiente, reina a impunidade. Ela só age quando um pai não paga a pensão dos filhos. É cadeia na certa. Não vamos questionar a validade do fato, mas por que só nesta situação há tanta eficiência?
         Ser pai virou rótulo e há sempre episódios duvidosos dos envolvidos, quando surgem bizarros processos para provar a paternidade de rebentos bastardos.
         Nada de julgamentos superficiais, mas onde está a seriedade, a importância de ser pai? Há duas lições clássicas que não devem ser esquecidas. Ambas estão alicerçadas no valor do exemplo. Ser verdadeiramente pai requer uma série de qualidades, mas nenhuma dará frutos, se não houver o exemplo do pai para que o filho nele se retrate. A primeira asserção é de Padre Vieira: “Palavras sem exemplos são tiros sem bala; atroam mas não ferem”.
         Imagine-se alguém que seja refém de muitos vícios, pregando a virtude. Um pai fraco, confuso, cheio de defeitos, sem capacidade de luta, parco de boas intenções, acomodado, falso, deveria costurar a boca. Seu exemplo vivo já é a mais trágica lição que não deve ser aprendida, é espelho a ser coberto, para que nele não se mire nenhum filho.
         Ratificando as palavras de Vieira, cite-se a afirmação de Pe. Manuel Bernardes. “Não há modo de mandar mais forte e suave que o exemplo: persuade sem retórica, impele sem violência, convence sem debate. Ao contrário, fazer uma coisa e mandar ou aconselhar outra é querer endireitar a sombra da vara torcida”. As duas se completam.
         É bem verdade que o amor é generoso e pode-se até amar a um pai, que é puro falimento, como ser humano. Mas é preciso estar alerta e saber: ele é o antônimo do que se deve ser. É exemplo que não se pode seguir.
         Todavia, quando um pai é realmente pai, forte como um tronco, amigo como um porto, segurança diante das tempestades, guia quando alçapões se abrem à nossa frente, compreensão quando nossos pés resvalam na lama dos desenganos, isto é um pai. Se ele então nos dá lições de amor, de ternura e fidelidade, ser filho se torna privilégio, uma bênção. E então o pai é uma receita da Criação que deu certo, um produto de primeira linha do Fiat divino.
        

terça-feira, 9 de agosto de 2011

ODE AOS SUICIDAS

ODE AOS SUICIDAS
            A notícia trágica veio de manhã, pelo telefone. O amigo suicidara à noite. Encontraram-no morto.
            O tempo pôs-se de luto, cinzento e triste. O sol não saiu, fez um frio de inverno úmido.
            Pensei na sua mãe idosa, estupefata diante do acontecido. Não sabia o que fazer com o absurdo nas mãos vazias. Os filhos não deveriam morrer antes dos pais. É uma incoerência de Cronus, uma inversão inaceitável.
            Aos poucos, um lodaçal de hipóteses surgiu, tentando entender o inexplicável. Situação financeira intrincada, possível surgimento de uma doença incurável, depressão profunda. Todas as possibilidades esbarravam na dúvida.
            Quando a filha me abraçou, seus grandes olhos belos estavam vazios, estampando o abismo inesperado. O pai era alegre, risonho, parecia feliz. Parentes cruzavam a sala, resolvendo os problemas pendentes das partidas inesperadas: onde enterrá-lo, procura de papéis necessários para o féretro, padre ou pastor para encomendar o corpo.
           A tristeza do momento, os rituais, as lágrimas, as orações, tudo me pareceu um déjà vu. Muitos anos antes, a situação era semelhante. A morte tem sempre a mesma face.
                Lembrei-me também que, no passado, após a morte súbita e trágica do ente querido, fiquei com hábitos estranhos: eu falava com ele, enquanto guiava, como se ele ainda estivesse ao meu lado. Nas paredes, retratos seus, a sala sempre iluminada. Na cabeça, sua imagem ainda jovem de homem cheio de vigor.
                Foi o amigo espiritualista que me orientou. Nada daquilo deveria ser feito. Aquele que partiu precisava de orações. Vontade de ensinar à jovem minha lição dolorosa. Inútil. Só se aprende vivendo. Pensei nos longos meses, até anos, que ela levará para superar a perda. Eu a senti irmã de infortúnio.
                Depois me lembrei que um ano após a morte inesperada e voluntária da pessoa querida, escrevi um poema amargo: Ode aos Suicidas. Eu lera muitos livros sobre o fato. Psicólogos e psiquiatras chegavam a duas conclusões plausíveis: o suicida tem um limite mais curto para enfrentar o sofrimento, ou nasce suicida.
                O poema começava com um questionamento: “São anjos por Deus chamados nossos suicidas / tirados da árdua luta por opção / de quem? Deles?”. Não sei se por lirismo ou emoção, abrandei a dureza do ato, cheguei a chamá-los de sábios e afoitos, diante da lucidez áspera da existência humana.
                Na realidade, tudo são dúvidas. Até hoje penso que nada de certo se pode afirmar do ato suicida. Covardia? Coragem? Desespero extremo? Total falta de esperança?
                Um dia, uma mulher desconhecida abraçou-me, na rua, chorando: “Só você entendeu o que já aconteceu com nove pessoas de minha família!”... Senti-me impotente para argumentar que minha Ode era apenas um poema. Os grandes mistérios são sempre indevassáveis.
                Até hoje leio minha Ode aos Suicidas e só parte do poema parece-me realista: “A vida não é convocação? / A morte, também, continuação insólita / cifrada, sem mapa, esboço estrada, / só armadilhas de caça e alçapões. / Julgar o desconhecido é o limite / de loucura maior. / Só se admite que eles foram / um pouco mais rápido que o pacto / se é que ele verdadeiramente existe, / cumprir o repetitivo credo / que todos terão que rezar. / Se nascemos para morrer / morremos todos os dias / matando de forma diversa / a vida, ilusões e sonhos, / só restando a precariedade / como saldo final maior”.

       

terça-feira, 2 de agosto de 2011

CHÁ LITERÁRIO

CHÁ LITERÁRIO

            O convite veio de Rita Mourão, uma das melhores poetisas de Ribeirão Preto. Um Chá Literário, às dezesseis horas, em plena sexta-feira! Ainda mais: só para mulheres sensíveis, que amam e fazem Literatura. Uma das finalidades seria mostrar-nos os mais de cem troféus nacionais e internacionais que ela ganhou em concursos literários.
            O mais pitoresco: presentear-nos com sua magia de quituteira das Minas Gerais. Rita é de Piumhi, perto de Capitólio, região pitoresca nas margens do Lago de Furnas. O que levar para uma poetisa, que eu nem sabia ser feminista, que convidou apenas mulheres para uma reunião?  Lindo seria oferecer-lhe, por exemplo, o entardecer poético de Belo Horizonte, a Cidade das Alterosas, rodeada de montanhas. Ou as quedas prateadas das cascatas de Tombos de Carangola... Talvez paisagens das Cidades históricas... Todavia, eu lhe levei flores. O interessante é que todas as convidadas, porque escritoras de grande sensibilidade, tiveram a mesma ideia.
            A casa rósea de Rita Mourão virou um jardim repleto das mais variadas flores coloridas. Um poema vivo. A chegada de cada convidada era uma festa de abraços ungidos da mais pura amizade. Havia uma grande alegria no ar, prometendo momentos de lirismo.
            E aí, meu Deus! A mesa! Café, chá, refresco de abacaxi com hortelã. As guloseimas eram tantas e tão apetitosas, que os olhos comiam antes da boca: a torta de frango doirada e macia, os pães-de-queijo mornos, atraentemente apetitosos, um bolo belíssimo, fofo, cheiroso, com o nome discreto de Bolo Caseiro. O contraste da crosta amarronzada realçava a contextura doirada, onde a faca deslizava docemente... À direita, uma inacreditável Caçarola Italiana, pudim meio mítico, que sempre me encantou desde a infância. Beringelas picadas, com tempero delicioso, convidavam.
            Durante quase uma hora, cessaram as conversas literárias e houve um silêncio respeitoso e quase sagrado, para o ágape: banquete de confraternização por motivo poético. As flores coloridas emolduravam o local, perfumando. Seu olor, misturado ao cheiro bom que emanava da mesa, santificava o local. Lembrei-me da filosofia indiana: a comida deve ser deliciosamente poética e perfumar a boca.
            Após, tiraram-se fotos, comentaram-se novidades, algumas literárias, outras meio indiscretas, comme Il faut. As convidadas riam, como elas riam!, soltas, felizes, à vontade, naquela reunião íntima e deliciosa. Todas pareciam mais jovens, mais belas, contaminadas pelo ambiente. É como disse mestre Guimarães Rosa: mesmo que não se perceba, há sempre um mistério que não se está vendo.
            Como nas histórias mágicas, às dezoito horas os relógios avisaram. Era o momento das poetisas voltarem a ser esposas, mães, filhas. Os maridos, as casas, os filhos, os mais variados deveres chamavam. Todas se despediram, encantadas com o Encontro.
            Fui uma das últimas a sair. Quando abracei Rita Mourão, senti uma sensação forte de quem se despedia de uma vestal, de uma mulher mágica que teve uma ideia brilhante: propiciar um oásis poético de duas horas, para algumas criaturas eleitas. Puro lirismo dessa mineira que é poesia viva.