domingo, 29 de setembro de 2013

MITO E REALIDADE

MITO E REALIDADE

         A Pedra Filosofal é a fórmula que os alquimistas tentaram descobrir para transmudar metais comuns em ouro. Conta o mito que o homem, obcecado por encontrar tal tesouro, de tudo esqueceu, família, amor, sonhos. Envelheceu na procura. E no final, alquebrado, viu, com surpresa, que seu cinto, as sandálias, tudo virara ouro. Em algum lugar ele tocou na pedra valiosa. Ia tão cheio de ambição que não percebeu. A moral da fábula é evidente. Poder-se-ia ampliar o conceito de Pedra Filosofal, enriquecê-lo. Elas são várias, de diferentes tipos. Há a pedra-amor, a pedra-amizade, a pedra-profissão, a pedra-realização pessoal.          É nesse sentido amplo que os maçons usam uma assertiva interessante: é preciso lapidar a Pedra Filosofal. Pressupõe-se que a lapidação é ato posterior ao conseguir, achar. Na realidade, não deveríamos lapidar todos os nossos dons? Muito será exigido a quem muito foi dado, pregam os Evangelhos. Assim, os dons mais variados são distribuídos aos seres humanos. Não há escala de valores, não há dons mais ou menos importantes. Na verdade, a sabedoria está em burilá-los, desenvolvê-los; ser grande até nas mínimas coisas. Nada exclui, tudo será computado.
         Nas Lojas Maçônicas há uma Sala de Reflexão. Grande ideia! Por que não criar uma nas escolas, nas casas? Cada lar viraria uma Igreja Doméstica, para cultivar a espiritualidade. Talvez seja este um dos antídotos contra a violência. Evidentemente, não é a panaceia para todos os males, apenas uma ajuda.
         Voltemos à Pedra Filosofal. Há termos carregados de sentido. PEDRA é um deles. Semântica riquíssima. Na língua portuguesa (e em outras latinas) há expressões interessantes: pedra de toque _meio de avaliar, aferir, o nó do problema; pedra fundamental _ início; pedra angular _ alicerce; biblicamente também o termo é rico. Há expressões pejorativas: pedra no sapato; pedra de tropeço; pedra de escândalo; com quatro pedras na mão; não deixar pedra sobre pedra; ser de pedra; pôr uma pedra em cima (de um assunto); atirar a primeira pedra (do episódio bíblico); de pedra e cal _muito unido; dormir como uma pedra; tirar leite de pedra; carregar pedras enquanto se descansa (trabalho estafante).
         Não se pode falar no termo, sem citar o mito de Sísifo, símbolo do homem rolando persistentemente sua grande pedra, e ela, quando chega ao cume, volta ao sopé da montanha. Nós e a luta renhida para o aperfeiçoamento como seres humanos; isso só é possível, substituindo sonhos.
         Não é casual (na vida, na História, nada é) que o Cristo elegeu Pedro: “Tu és Pedro, sobre esta pedra edificarei minha Igreja e as portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela” (Mateus,16,18).
         É, portanto correto afirmar que a linguagem é a pedra angular do relacionamento humano, elemento de união ou arma letal. Cabe a nós usar com sabedoria esta dádiva de Deus, assim como o livre arbítrio. Mal usados, viram um presente de grego...  Cumpre aos homens utilizar bem a Palavra. Isto é um privilégio, talvez a Pedra Filosofal procurada.

sábado, 28 de setembro de 2013

FLUK

FLUK

FLUK era um gnomo como todos os outros, pequeno, insignificante, com três opções a escolher: guardar os tesouros do interior da terra, tomar conta de uma árvore ou ser guardião de uma roseira. Desde que o mundo é mundo, foi assim e ele devia dar-se por satisfeito: há criaturas que têm uma só opção, outras nenhuma. Mas Fluk não obedecia às leis naturais, só gostava do que não devia, não optou por nada quando completou a maioridade. Passava seus dias a ocupar-se de coisa nenhuma: olhar sua cachoeira que despencava lá do alto em branca espuma rendada, sentir o perfume das flores, vê-las abrir de manhãzinha.
Preferia observar os pássaros no amor, esfregando os biquinhos e roçando as penas macias dos papinhos coloridos, ver borboletas amarelas se amando sobre os roseirais. Era um romântico. Sentia-se só e o coraçãozinho apertava: a vida deve ter um sentido maior, cada criatura vem assinalada para uma grande missão. Qual a sua?
Cismava. Guardar tesouros, ouro ou diamantes, esmeraldas, rubis, safiras, pedras frias que não serviam para nada? Tomar conta de uma árvore frondosa, cheia de si, que não precisava de ninguém? A roseira tinha seus espinhos que a protegiam. E ele viera ao mundo para que? Por que a ânsia, aquela certeza de que algo ainda aconteceria?
Andava assim pelos caminhos, absorto, infeliz, esperando. Olhava as formigas e admirava sua faina incansável, tão ordeiras, obcecadas com o trabalho, carregando inacreditáveis folhinhas verdes para um futuro incerto. As abelhas eram lindas, as habilidosas obreiras ou operárias descendo no coração das flores, sugando o néctar, recolhendo nas patinhas o pólen, executando a dança quando regressavam às colmeias. Odiava a regalia, a imponência da rainha, invejava os zangões, que eram capazes de morrer por amor, no voo nupcial.
E assim vivia Fluk, zanzando de uma banda para outra o dia inteiro, banzando na vida, ouvindo os grilos e os vagos rumores do ermo, flanando por entre as flores, mordiscando uma pétala, vagueando sobre os arbustos, perambulando entre uma espera e um vago sonho.
Um dia viu FLORA, a rainha. Era a primavera e o céu exagerou no azul. O sol doirou a Natureza, aqueceu os corações, os pássaros trinavam, chilreavam, gorjeavam, pipilavam enlouquecidos de beleza. As borboletas coloriam o ar. Ele viu Flora em toda a sua magia primaveril, esparzindo amor e ternura. Fluk descobriu para que nascera: viera ao mundo para amar Flora. Tornou-se poeta. Escrevia poemas belíssimos que o vento levava ao ouvido da Amada. Ela, encantada com as palavras que eram pura melodia, dizia: “Meu Deus! Como alguém pode amar assim?”. Fluk, aos seus pés, mal elevava os olhos, humílimo, tímido, cego de amor.
Correram os dias. Flora continuava cada vez mais bela e mais distante. Fluk percebeu então que a vida pode ser trágica e cavar abismos entre as criaturas. Resolveu morrer. Ficava horas sentadinho perto de sua cachoeira, enxugando as lágrimas com jasmins e rosas brancas. Quando seu coraçãozinho não aguentou  mais, foi para o ponto mais alto da cachoeira e saltou.
Flora passava por ali e pela primeira vez reparou nele. Estranhou que tal criaturinha quisesse morrer e logo na primavera... Quando Fluk se atirou nas águas, a poderosa deusa Flora aparou-o nas mãos e transformou-o em um nenúfar, muito branco, muito belo, que foi pousar com suavidade em um remanso. E lá ficou eternamente, qual alva ninfa sobre a flor das águas.


  

domingo, 15 de setembro de 2013

FÁBULAS E PARÁBOLAS

FÁBULAS E PARÁBOLAS

      Fábulas e parábolas são narrativas curtas, de tempos imemoriais. Elas dão lições, tentam ensinar da maneira mais simples; no final, há sempre um ensinamento, às vezes chamado moral da história. Fedro é dado como o introdutor do gênero. É de sua autoria o famosíssimo texto O Lobo e o Cordeiro.          Todavia, o nome mais expressivo das Fábulas é Esopo, grego que nasceu em 620 a.C. e morreu em 564 a.C. No século XVII, La Fontaine, francês nascido em 1621, reescreveu as fábulas de Esopo, em linguagem clássica, modernizando as narrativas; há também algumas escritas por ele; cite-se como exemplo a deliciosa La Jeune Veuve.
     Jesus Cristo ensinava por Parábolas, algumas famosíssimas, vide a do Semeador, plena de sabedoria. Dizem que utilizava o gênero, para ser facilmente compreendido pelo povo. Nosso Mestre entendia de Pedagogia... 
     Às vezes se misturam os conceitos de Parábola, Fábula e Apólogo. Tentemos dar uma diferença simples: A Parábola dá uma lição de ética, através de prosa metafórica, para transmitir sabedoria. O termo vem do grego “parabole”. A Fábula, em geral, apresenta animais como personagens; eles agem como os seres humanos, com seus vícios e fraquezas. A moral vem em uma frase, no final da narrativa. O Apólogo é um gênero alegórico. São lições de vida, através de situações semelhantes às reais, envolvendo pessoas, objetos ou animais, seres animados ou inanimados. Um dos Apólogos mais famosos é A Agulha e a Linha, de Machado de Assis.
     Uma das Fábulas mais conhecidas, A Cigarra e a Formiga, foi reescrita até hoje, por muitos escritores. No entanto, ela é deliciosa na visão da nossa Emília, a contestadora, a personagem mais famosa de Monteiro Lobato. Quem não conhece a historieta, realçando, enfatizando o valor do trabalho e da poupança? A Formiga era precavida, trabalhadeira, prática. A Cigarra, boêmia, boa vida, cantava e dançava. No inverno, doente, fraquinha, a Cigarra pede ajuda à Formiga. Esta, nada cristã, bate a porta na carinha da Cigarra e ainda lhe dá uma lição de moral: Não cantou o tempo todo? Agora dance... Emília detestou a Formiga, amou a Cigarra e reescreveu o final da Fábula: Quando a Cigarra bate à porta da Formiga, esta abre e vê a Cigarra linda, bem vestida, com um casaco de vison. Nossa artista diz à Formiga: Quer alguma coisa de Paris? Fui contratada para cantar e dançar no Olimpia, com excelente cachê! A Formiga, furiosa, lhe diz: Conhece um tal de La Fontaine? Se o encontrar  lá, mande-o para o inferno!
      Assim são as Fábulas, eternas. Sua interpretação é riquíssima. Há uma delas, moderna, que já foi citada por muitos e até contada em filmes. É a da Rã e do Escorpião: Houve um dilúvio e o Escorpião chega perto da Rã, todo cavalheiro e lhe propõe que a Rã o atravesse para o outro lado. Os dois seriam salvos. Ao que a Rã retruca: Cuidado, se você me picar, morreremos os dois. “Você está louca, amiga Rã! Jamais farei isto!”. E lá vão os dois, atravessando o mar de águas turvas e perigosas. De repente, o Escorpião pica a Rã... Ela, moribunda, lhe diz: “Por Deus, por que fez isto?! Ambos vamos morrer!”. O Escorpião responde: “Não consegui deixar de fazê-lo. É minha natureza...”.
     Gosto muito dessa fábula moderna. Pela vida a fora, eu, Rã por natureza, credulidade ou ignorância, dei muita carona a Escorpiões de várias espécies. E haja picadas... Não me mataram, no sentido denotativo do verbo. Talvez apenas arranharam a minha crença nos seres humanos.
      

        

domingo, 8 de setembro de 2013

CARTA ABERTA A DEUS

CARTA ABERTA A DEUS
   
     Senhor! Não me julgue insensata, ousada ou herética. Eu O amo, respeito, mas não consigo entender as regras do Alto Escalão aí de cima. Elas existem? Tudo não pode ser casual e aleatório. O que acontece com os seres humanos, hoje e sempre?
      Tenho certeza de que a receita do Fiat era perfeita e Suas intenções as mais excelsas. Então, por que nunca deu certo? Cada vez mais os Homens chafurdam nos vícios, perdem-se nos mares da ambição, nos charcos das maldades. Tudo é culpa do malfadado e duvidoso livre arbítrio, que mais parece um presente de grego, que um prêmio?
      É bem verdade que aparecem alguns Santos, criaturas magníficas, que dão exemplos de bondade, de amor, de altruísmo. Todos os admiram, mas ninguém os imita. O Senhor até nos enviou seu Filho Jesus Cristo, só bondade, Homem e Deus, que deu a vida pelos irmãos. Adiantou? Não. Muitos dizem amá-LO, mas continuam nas veredas da perdição.
      Tenho ainda muitas perquirições. Criança ainda,  aprendi na Bíblia, que havia dois Profetas muito diferentes: Jó e Habacuque. O primeiro era dócil e obediente, passivo, aceitava os desígnios de Deus, sem protestar. Assim, foi um dos mais infelizes dos mortais. Habacuque, ao contrário, era orgulhoso, ousado, corajoso e questionador. Não tive dúvidas. Eu era mais Habacuque que Jó. Por isso, hoje, na velhice, continuo indignada com minhas eternas perguntas sem repostas.
      Veja, Senhor meu: os bons, os generosos, os puros de coração, os que fazem do amor, da caridade e da integridade, sua bandeira, como são recompensados? São mais livres de dores, perdas, doenças, sofrimento? Não. Muito pelo contrário.
Continuando, com maior respeito, meu Deus, siga meu raciocínio. Surgiram religiões, seitas que falam em Inferno. Verdade? Como o Senhor conseguirá lugar para tantos?! E ad aerternum, para sempre?! Outras filosofias negam a existência de tal sentença macabra. Falam em reencarnação, muitas partidas, idas e voltas, para depurar, aperfeiçoar.
      Não sei. Respeito todas as teorias, todavia tenho dificuldade em aceitá-las. Por quê? No mundo moderno e de sempre, justos e pecadores parecem receber castigos idênticos. Os Filhos do Demo (perdão, Senhor, é apenas uma expressão...), aqui não são castigados. Têm morte rápida e indolor, passagem fácil. Alguns bons, esforçados, amigos das virtudes, sofrem horrores, com doenças horríficas.
      Eu só queria entender, meu Deus querido: por que tanta falta de lógica? Há exemplos, não sei se verdadeiros, que alguns, como Voltaire, o grande hipócrita, morreu como um animal daninho, com pavor e dores, subindo pelas paredes, em tresloucada loucura. Não sei se é lenda. Mas e tantos outros monstros?
      Senhor, lance um olhar sobre esse mundo nosso. A maldade, a corrupção, a violência, bestialidades monstruosas, tudo ficou globalizado, comum, repetitivo. Basta o Senhor assistir, aí do alto, aos jornais televisivos do mundo... Ah, perdão! Quase me esqueci de que o Senhor não precisa disso, pois é a sapiência suprema, que tudo sabe e tudo vê.
      Mas, então, meu Senhor?! Há um porquê em tudo isto? Dá para entender? Há respostas? Perdão. Não estou LHE cobrando nada. São só elucubrações de uma pobre mortal, na minha  ignorância.  Se puder, me dê uma luz. É     pedir demais? Afinal, sou criatura sua.