terça-feira, 26 de julho de 2011

ORAÇÃO AOS SOLITÁRIOS

ORAÇÃO AOS SOLITÁRIOS
                   Senhor! Veja como vamos sós, pelos caminhos,
                  pelas ruas, nas casas, nos empregos, nos carros.
                  A solidão é profunda e amarga, dolorida e falaz.
                  Vem com as sombras, aumenta na escuridão,
                  sufoca nas madrugadas,
                  quando a alma parece exilar.
                  De quem os surdos soluços?
                  Da alma que se vai,
                  triste melodia do coração que chora?
                  A vida é tão breve, Senhor,
                  os homens tão insensatos, tão mal informados.
                  Os passos se desencontram,
                  as mãos não se acasalam,
                  separam-se lábios que nunca se juntaram.
                  A  névoa envolve a cidade.
                  É a bruma dos sonhos desfeitos,
                  das desilusões, dos amores prematuramente mortos,
                  mal nascidos?
                  A solidão machuca, Senhor!
                  É tão amargo, Senhor,
                  braços feitos para o nada,
                  mãos que acariciam o vazio,
                  palavras perdidas de ternura estéril.
                  A solidão gera a angústia, Senhor.
                  E com ela o estômago preso,
                  a garganta seca,
                  o grito estrangulado.
                  A solidão dói, Senhor!
                  E o Homem não aprende.
                  Tudo é tão simples,
                  lógico, certo, seqüente.
Ensinam as flores, os pássaros,
as plantas, os animais.
Mas ELE procura, titubeia esmiúça,
tenta, compara, vacila
idealiza, regride, volta, reincide.

Mostre-nos portas e caminhos, Senhor!
Dê-nos alento na procura.
Não permita que sonhemos
só com o inatingível.
Deixe-nos ver o fruto mais próximo,
sentir seu gosto,
não partir atrás de árvores estranhas,
de copas tão altas.
Tire de nossos sentidos perfumes jamais sentidos,
o doce tato de peles nunca tocadas,
a imagem de olhos
que só vivem de afagos.
A vida é áspera, Senhor!
O caminho é duro e árido.
E nós, os SOLITÁRIOS, somos tantos...
Peço-lhe por mim, por ele, por ela, por todos:
Trance nossas estradas, Senhor,
abrande os corações crespos de sofrimento,
rasgue sorrisos nos lábios crestados de amargura
umedeça os olhos secos de lágrimas,
dirija nossos passos para o ENCONTRO.
Faça que nossas mãos, em mágica,
aprendam  a se unirem palma a palma,
para que conversem, se entendam se amem,
e com elas, os corpos, as almas.
A SOLIDÃO é cruel, Senhor!
Livre-nos dela.

                 
                 



terça-feira, 19 de julho de 2011

O TESTE

O TESTE
                 Sempre tive mania de testar a mim própria e ao próximo. Os campos variavam, mas o que me fascinava mais era medir, nos outros, o binômio inteligência e sensibilidade.
                 Conheço a notável teoria americana dos vários tipos de inteligência (para o comércio, as máquinas, o esporte, para as ciências exatas, para as artes em geral). A que me atraiu foi a IE (Inteligência Emocional). Sem ela, o ser humano é um inapto diante das dificuldades da vida. Simplificando, a IE é a arma com a qual homens e mulheres tornam-se verdadeiros semideuses, capazes de enfrentar e vencer todos os alçapões e ciladas da existência.
                 Ora, certos vícios podem desgraçar os seres humanos: o pessimismo, o ciúme, a preguiça, o preconceito, a ambição desmedida. Contra tais chagas a terapêutica é quase utópica. Assim, preferi testar algo mais atraente: a inteligência e sensibilidade do leitor.
                 O hábito é antigo. Quando foi publicado Platero e Eu, de Juan Ramón Jimenez, livro classificado de elegia ou poema em prosa, com o qual o autor ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, em 1956, comecei a minha bateria de testes. As narrativas que descrevem o ambiente e a vida de gente simples de uma pequena aldeia andaluza, a afeição por Platero, o burrinho mágico, tudo de um lirismo muito belo e original.
                 Comprei cem exemplares do Platero. Quando queria medir a sensibilidade de um amigo, de uma visita, dava um de presente. Os resultados foram muito bons. Depois fiquei mais exigente. Queria saber da capacidade intelectual do leitor. Meu segundo teste era alicerçado em premissas muito sérias. No início da década de setenta, ao conhecer a obra Nove, Novena, de Osman Lins, publicada em 1966, testava intelectuais e leitores exigentes. Aquele que conseguia entender o livro, gostar dele, passava no teste. A obra é complexa, muito original, com procedimentos literários inusitados, que renovaram a arte de narrar.
                 Osman Lins, lúcido, erudito e iluminado, ungido de um otimismo que fazia fulgurar seus olhos azuis, disse-me: “Creio em algo belo. No futuro, até os operários vão ler Nove, Novena!”. Senti contradizê-lo, mas eu já percebera a inexorável decadência dos cursos universitários, o arrefecimento do hábito de ler boa literatura. Eu sabia ( o que realmente aconteceu e vem aumentando hoje), que o vício do fast-food literário, com a opção por textos e livros superficiais, fáceis e comuns grassaria por todo o país. Pior: descobri em alguns Congressos, no exterior, que o problema é globalizado.
                 Foram tantas as decepções, que parei de testar. Agora em junho, fui de novo picada pela mosca azul de encontrar o leitor lúcido e perspicaz.  Um neto meu, afim, que terminará o Curso de Medicina em outubro deste ano, encantou-me por ficar horas na rede, agarrado a um massudo romance de autor difícil e complexo. Ele é um leitor voraz, inteligente, culto, fala inglês fluentemente, escreve muito bem, cinéfilo, quase um hacker no computador. Ofereci-lhe Nove, Novena, para ler.
                 Durante dois ou três dias, vi o belo jovem mergulhado nas narrativas de OL, fascinado com a descoberta. Às vezes comentava comigo alguns tópicos que o impressionaram muito pela ousadia estilística e a originalidade.
                 Diante do resultado tão auspicioso deste começo de inverno, resolvi estimular mais o meu velho hábito de testar leitores. Quem sabe encontrarei uma plêiade de criaturas não reificadas, argutas e sutis, capazes de se apaixonarem pela literatura da melhor qualidade?

                

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O BAOBÁ

           
As árvores são fascinantes. Ornamentais ou frutíferas, altas, esguias ou arredondadas e generosas, todas têm um donaire que atrai e encanta.
            A primeira vez que ouvi falar nos baobás, foi no livro de Antoine Saint-Exupéry, a famosa obra, “O Pequeno Príncipe”.  O Principezinho tinha cuidado e arrancava todos os brotos de baobás, para que eles, ao crescer, não tomassem conta de seu Asteróide, tão pequeno. Na história,  pela força e pujança, os baobás simbolizam os vícios, que podem se apoderar da alma. Dizem que ao passar por Recife, Saint-Exupéry inspirou-se nos baobás, citando-os na sua obra famosa, pretensamente escrita para crianças.
            Na realidade, o baobá (ximbuio, ou ximbuo), é uma árvore muito útil. Na Austrália, os aborígenes comem sua fruta e usam as folhas como planta medicinal. No candomblé é considerada uma árvore sagrada, que nunca deve ser cortada ou arrancada. Na África, o baobá (adansônia) tem oito espécies nativas, atingem de cinco a vinte e cinco metros de altura, excepcionalmente até trinta, com sete metros de diâmetro: são usadas para armazenamento de água dentro do tronco, com um volume aproximado de cento e vinte mil litros. É a árvore nacional de Madagascar e emblema nacional do Senegal. No Brasil, há poucos baobás, trazidos pelos sacerdotes africanos, plantados em locais específicos para cultos religiosos. Ao sair de suas terras, os negros deviam rezar ao redor dos baobás e esquecer sua história. O culto é muito expressivo e profético, diante das desgraças futuras.
            Em um excelente texto sobre o consumismo, Amos Oz, escritor israelense atual, denuncia a erosão da nossa memória, como uma das características do mundo moderno. Perde-se a consciência. É algo globalizado.  Vivemos incensando valores efêmeros, em uma inversão desastrosa.  Em Ribeirão Preto, os prédios tombados viram ruínas, quando não são destruídos para dar lugar a monstros de concreto, arranha-céus materialistas, com objetivos mercantilistas.             Melancolicamente, relembro “meu baobá” da Praça XV, esquina da General Osório com Visconde de Inhaúma. Garboso, em sua majestade verde, encantava-me. A prima ecológica veio de Cruz Alta, no sul, para fotografá-lo, a preciosidade de Ribeirão Preto. Um dia, a esquina apareceu vazia e pobre. Erradicaram o belo baobá, doente talvez, por falta de cuidados.
             Fico a pensar que talvez sejamos baobás da existência, tentando ajudar, proteger, como essas árvores sagradas, mas nem sempre o conseguindo. A diferença é que os baobás têm mais tempo. Nós somos fugazes, com contratos variados, cujas cláusulas desconhecemos. Um dia, sem aviso prévio, a viagem chega ao fim. A temática sempre me atraiu. É fruto dela, meu poema, escrito em 89: “A morte é prostituta / que agrada seu freguês, / interessada na barganha. / Cruel, às vezes, temperamental, / sádica, cobrando altos juros, / exigente, sem aceitar aval. / Vem, também a prestações, / de longo prazo a pagar. / Ou então rápida, distraída, / pegando o mutuário na saída / de uma festa, início de sonho”.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Respostas aos comentários

Caro Hugo, você pinta um retrato muito amargo do Brasil. Não é pessimismo? Quase todos os problemas que menciona são globalizados. Abs. Ely
Doce Nívea, que Deus ilumine seu otimismo. Precisamos dele. Bjos. Ely
Querida Cidíssima, deixe de amargura, continue lírica. Bjos. Ely
Caro Airton, "Gerações que se respeitam"... talvez aí esteja o cerne do problema. Ely
Filósofo Rossetti, até sua filosofia vira poema! Abs. Ely

segunda-feira, 4 de julho de 2011

VISÃO DE MUNDO

           
Declaradamente presentista, o passado só me interessa quando experiência plural, de todos. Quem tem o privilégio de viver muito, olha para trás e vislumbra mundos e tempos diversos. O interesse não é cantar um ou o outro, mas, com lucidez, observar as diferenças.
            São épocas, maneiras de ser, valores tão antagônicos, que o presente se torna um painel rico e preocupante; ele intriga e assusta, porque as causas e efeitos são conhecidos, todavia, as soluções para os pesadelos modernos são complexas e talvez utópicas.
            Pensadores atuais arrojados tentam minimizar a pretensa evolução, tachando-a de apenas outra maneira de ser. Pode haver até certa coerência nesta assertiva, mas o novo modus vivendi traz felicidade aos seres humanos de hoje?
            Tentemos um posicionamento neutro, objetivo, sem críticas ou denúncias. O que acontece na Escola? Antes era um local ameno e seguro, aonde as crianças iam para aprender, adquirir conhecimento, conceitos positivos que realçavam a cultura, a dignidade e o caráter. O professor era o exemplo a ser seguido, amigo, aquele que mostrava o  melhor caminho, a opção segura.
            Como entender a violência nas escolas, hoje? Detectar as causas é algo claro: a globalização, os maus exemplos da Televisão, a desagregação familiar, a falta de espiritualidade. Os efeitos são evidentes. Eles alimentam o monstro da mídia, hiena que se refestela na carniça dos vícios e da brutalidade, com seu duplo papel de informar e ensinar.
            Ora, junte-se à esta síndrome fatídica, os filmes, os games violentos, os crimes, a permissividade, achincalhando os valores morais. Tudo alicerça um verdadeiro complô para a bestialização do chamado homem moderno. Mencione-se também a falta de interesse pela cultura, em detrimento do ter, do possuir, do ganhar, no crescente número de adeptos do Capitalismo , do Moloch do dinheiro.
            O que dizer dos exemplos que vêm da cúpula? O tema da corrupção está muito explorado, com sequentes exemplos gritantes. Chistes, artigos sérios, letras musicais, tudo denuncia a corrupção de grande parte dos políticos. Todavia, após o julgamento dos processos, no final, eles deságuam na impunidade.
            Dia primeiro de junho, duas notícias de um jornal televisivo, preocuparam: um garoto de dois anos e pouco, que passa dez horas na Internet e a manuseia muito bem. Uma linda menina de quatro anos brinca com dois notbooks ao mesmo tempo, usando-os com extrema facilidade. Lembrei-me dos artigos de pessoas especializadas, alertando sobre o novo vício dos internautas precoces, que se transformam em doentes drogados, pelo exagero de horas no computador. Como será o futuro dos dois gênios mirins? Ainda em junho, o programa EPTV discutiu o problema com uma psicóloga e um neurologista, que realçaram todos os perigos físicos e mentais para as crianças que usam abusivamente o computador.
            Como se vê, é fácil citar a realidade estarrecedora, acrescida com o acirramento da pedofilia, a volta do nefando crime passional, do aumento absurdo da prostituição de mulheres, que são levadas a outros países, como gado para ser abatido. Enfim, é uma dolorosa síndrome de um mundo conturbado.
            Ora, a conclusão é insofismável: analisar o panorama atual tão nefasto é fácil, centenas de exemplos poderiam ser mencionados. As causas são conhecidas e óbvias. O grande problema, tão alarmante, é como enfrentar a inexorabilidade desta decadência. E o pior: Existem profilaxias? Há soluções para tais impasses?