quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A LITERATURA NA POLTRONA

A LITERATURA NA POLTRONA
Acabei de ler a obra mais recente de José Castello. A Literatura na poltrona é o título e estou fascinada. São textos já publicados no mensário literário Rascunho, nas Revistas do Brasil e na Florense do Rio Grande do Sul. É um livro imprescindível para quem já escreveu ou pretende escrever um livro.

Em julho de 2011, no CORES (Congresso Regional de Escritores), José Castello veio a Ribeirão e em sua palestra enfatizou que ele não é um crítico literário. Ele escreve textos e crônicas, comentando livros. Na realidade, os especialistas em crítica literária escrevem textos complexos, impessoais, eruditos. José Castello é um escritor que comenta livros. Em textos criativos, apaixonantes, ele aborda obras que o impressionaram.

Lendo A Literatura na poltrona, com o subtítulo de Jornalismo literário em tempos instáveis, aprende-se muito sobre grandes escritores e poetas, suas angústias e suas dúvidas. Abordam-se questões como “Qual é a situação ideal para escrever?”, ou “Por que se escreve?”. Há afirmações impressionantes: “Livros que devoram pessoas. Pessoas que encontram partes preciosas de si não em outras pessoas, mas em livros. Romances e poemas que penetram, em segredo, a mente de seus leitores __ e que estragos eles fazem! Escritores que se buscam (e que se encontram!) em outros escritores.”

 Há mensagens preciosas: “Para que mais alguém lê um livro, senão para se transformar? Ler mecanicamente, por obrigação, ou para dizer que li, isto nunca me interessou” (pág. 15). Chegar de mãos vazias e encontrar um tesouro. Raramente alguém elevou tanto a importância das obras literárias.

Ler é um ato íntimo, insubstituível. Por isso, e muito mais, não se pode ler literatura como mero entretenimento. É um mergulho em regiões abissais, de onde se sai enriquecido. Se para o escritor “escrever é atravessar um inferno”, para o verdadeiro leitor, é um batismo, um insight, uma experiência única.

“Ao escritor resta, como ponto de partida, a perplexidade”.      Não existe outra maneira de escrever. É uma busca, uma procura, a tentativa de entender o mundo e a si próprio. E quando acontece o Encontro, a Comunhão entre Livro e Leitor, os grandes mistérios ficam menos assustadores, a vida parece ter mais sentido. É uma bela história de amor. Assim como pessoas, há livros inesquecíveis. Um escritor jamais está satisfeito com o que escreve. Cada livro é um parto, com dores e alegrias. E a relação entre um livro e seu leitor se assemelha à relação erótica: passa sempre por alguma sedução, a do leitor.

Todavia, o grande escritor não faz concessões. Ele não escreve para o leitor, mas para acalmar sua própria alma conturbada. Há escritores mais complexos, mais difíceis, como Franz Kafka. Ele e Clarice Lispector são exemplos de escritores que incomodam. Ninguém pode lê-los impunemente. Na poesia há também poetas duros, secos; seus poemas são lâminas afiadas. É o caso de João Cabral de Melo Neto. Cerebral, lúcido, atento, para ele o poeta “deve agir friamente, com a precisão dos engenheiros e meticulosidade dos cirurgiões. Deve escrever com o martelo e o bisturi”. Nada de lirismo. Nada de emoção.

Na prosa e na poesia, no entanto, movidos pela paixão ou guiados pelo cérebro, há algo que os torna grandes: o talento. Este não pode faltar, para que suas obras sejam dignas, de valor e consigam permanecer incólumes através dos séculos.



           

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

MUNDO ESFACELADO

MUNDO ESFACELADO
        Não é difícil fazer um esboço das características do mundo moderno. Como diz José Castello, no seu livro “A Literatura na poltrona”: “... o mundo ficou mais acelerado e mais feroz” e “mais instável e atordoante”.
            Outra característica de nossos tempos: a uniformidade e a repetição. Os seres humanos, os valores, as predileções, as maneira de agir, tudo alimenta o terror, o desamparo. É uma era suspeita, causa desconfiança, como denunciou Nathalie Sarraute, autora francesa do famoso romance “Bonjour Tristesse”.
            Os homens ficam meio padronizados, as virtude e vícios arrefecem, se bem que nosso Machado de Assis já comprovara em seu conto A Igreja do Diabo, as tênues diferenças entre os dois valores.
            É um conceito de domínio público, que amor e ódio são duas faces contrárias da mesma moeda. Só se pode odiar a quem se ama. Como alimentar este sentimento tão forte, por alguém que nos é indiferente? Uma pessoa neutra é como se não existisse. Como odiá-la? Ela não tem classificação alguma na gradação de nossos sentimentos.
            No poema Congresso Internacional do Medo, Drummond menciona ser este sentimento nosso pai e companheiro: ele é tão essencial que “sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas”. Estranhamente, ele afirma que o ódio não existe. Em uma leitura mais ampla, pode-se entender talvez que o poeta nos fala do esfacelamento dos sentimentos, neste mundo aviltado, coisificado.
            É uma afirmação meio bizarra que tem certa lógica: o homem moderno vai ficando meio morno, incapaz de grandes paixões e ódios ferrenhos. Ele se apequenou. Nas notícias diárias dos jornais televisivos, custa-se a entender a brutalidade gratuita, a maldade irracional; é o efeito de uma causa maior, cada dia mais comum: o abastardamento dos pretensos seres racionais.
            Temos que sobreviver em um mundo assim, caótico, globalizado. E sem volta. A inexorabilidade do chamado progresso atual não tem terapêutica, nem retorno. Há soluções que amenizam: uma delas é a Arte.
            Assim, dentro do caos, quem faz literatura lança mão da mais eficiente função catártica, uma espécie de âncora. Por isso a produção literária não pode ser a antítese da crueldade do mundo moderno. Obras frouxas, adocicadas, com soluções prontas, falsas, são um engodo, não são literatura. Quando se escreve há que se ter a coragem de chafurdar no charco da modernidade.
            Ao se procurar a razão de por que escrever, é bom lembrar a assertiva de Fernando Sabino: “Eu escrevo para saber por  que escrevo”. E jamais se procurem razões mais brandas. Ainda é citando José Castello: “Escrever é atravessar um inferno”.
            Quem faz ou lê literatura com a mera finalidade do entretenimento, é um achincalhe, no primeiro caso e uma perda de tempo no segundo. Nas duas possibilidades, uma grande fraude. A boa literatura deve ser, no mínimo, um antídoto contra o veneno letal do mundo moderno.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

iNSIGHTS & ACHADOS

INSIGHTS & ACHADOS
O passado é uma ilha longínqua (ou um arquipélago?) que vem boiando na memória e, às vezes, lança âncora. São pequenos episódios, fatos pitorescos, lembranças.
Quando se vê um quadro, uma pintura, muito de perto, a visão borra, falseia a realidade, desvirtua, adulterando a tela. A manhã fria, a brisa doce, o céu de brigadeiro, a vida azeitada com sua rotina prenhe de afazeres essenciais, outros apenas acessórios. Por que os fatos antigos vieram pousar na memória, como borboletas brancas, aparentemente surgidas do nada?
Meu aluno da quinta série do Curso Fundamental, miúdo, mirradinho, não aparentava mais de dez anos. Olhou-me sério e perguntou: Por que coisas ruins acontecem? Eu o fitei preocupada, diante da possível resposta tão complexa. Antes que eu ensaiasse uma hipótese, ele disse: Não será porque a gente gosta só da banda madura da fruta? Abismada, questionei se ele entendia a beleza da metáfora que criara.
Meu pequeno discípulo ficou atarantado com o termo metáfora; tentei explicar-lhe, mas todo o mistério permaneceu. Anos mais tarde, lembrando-me do episódio, fiz um poema, que acabou sendo premiado em Concurso Literário: “O homem, incauto, inocência, / procura sempre viver / no lado maduro do fruto, / e no verde, no ácido acre / morrem suas esperanças e sonhos, / apodrecidos, às vezes, na espera fatal. / Planta a árvore, nega o fruto? / Que é a vida se não houvera / ao menos uma só vez / rica seara, doirado trigo / que enfeita o vento carregado de azul? /O terreno da esperança / é demasiado fértil. / Há risos de bonança / em plena tempestade. / Diante da sempre frugal colheita, / o homem, animal que sonha, / não aprende, não aceita o bruto / da realidade cansada de repetir. / Ele ama, inteiro, persistente, / o lado maduro do fruto.”
O professor, na garimpagem diária, às vezes encontra uma pepita valiosa dentro da bateia. Aplicando, certa vez, uma técnica simples, na aula de redação, pedi aos alunos que trouxessem gravuras de revistas, para se inspirarem. Um aluno da sexta série do antigo Primeiro Grau, trouxe várias ilustrações dos quadros de Portinari. Entre elas, ele escolheu a famosa tela que mostra garotos jogando futebol com uma bola feita de farrapos, perto de um cemitério com vários animais ao redor.
Eis o incrível texto que ele produziu, em classe, inspirado na tela: “Os mortos escapam das tumbas, querem correr... As almas cansadas querem brincar, olhar para o luar negro; há uma alegria sem fim. Relembram brincadeiras esquecidas. Saem do cemitério, avistam o campo. Pegam um trapo achado ali, embrulham. As suas mãos rasgadas pelo tempo amarram correndo, querendo brincar.
De repente o piar das corujas os avisa que o sol vai sair. Os meninos correm para as portas do cemitério, entram nas tumbas e ali ficam, por mais um século sem fim.”
Bem que o Mago de Cordisburgo já afirmou que, em uma surpresa, o mestre  pode, às vezes, aprender com o aluno. Na primeira experiência, quando lancei o Laboratório de Literatura, após um ano aplicando técnicas, explorando a criatividade, recolhi alguns conceitos que eles redigiram, elucidando sua arte de criar, em contato com textos de autores brilhantes: “É uma experiência que me fez viver e conhecer melhor o ser humano”. (V.L.P.G.); “O Laboratório de Literatura estará criando loucos sublimes, gênios ou monstrinhos?” (W.W.P.); “O Laboratório de Literatura é um dos únicos lugares onde eu posso ser eu mesma; aqui não preciso usar máscaras e sei que aquele que ouve é meu igual e me compreende”. (M.A.P.M.); “O Laboratório de Literatura é a fonte rica onde toda semana venho buscar alimento para minha vida enfadonha”. (D.J.F.).