segunda-feira, 21 de maio de 2012


RIBAMAR DE JOSÉ CASTELLO

            São cada vez mais raros os escritores estilistas, isto é, aqueles que têm grande riqueza de linguagem ou de procedimentos literários e não se preocupam apenas em contar uma bela história Em contrapartida,    nos Estados Unidos até Escolas Superiores que ensinam aos escritores como escrever um best-seller de sucesso, isto é, o tipo de romance de trama rica, que atrai o público, obras que dão excelentes adaptações para o cinema. É uma literatura chamativa e comercial.
            José Castello é jornalista, cronista, repórter literário , biógrafo e um grande romancista. Não é aleatório que ele já tenha recebido um Prêmio Jabuti e agora, com Ribamar ( Editora Bertrand Brasil Ltda. Rio de Janeiro, 2010), obteve, de novo, a expressiva premiação. É uma obra muito original, singular.  Nela, o romancista e o crítico se mesclam, pois, de certa maneira, o romance é uma análise profunda de Carta ao Pai, de Kafka.
            Os dois livros e as personagens se misturam em uma quase consubstanciação literária. Dois filhos sofrendo, procurando sua identidade e a do pai, criatura bizarra, incompreensível. O notável , porém, é que nesta procura, em     Ribamar o narrador / filho se transcende e se alteia ao universal, concretizando uma síndrome de solidão e de sofrimento.
            Outro procedimento literário notável é que o romance, em última hipótese, é uma metalinguagem. Como e para  que escrever, quando se tem a alma “fechada a cadeado”. As palavras são perigosas, traem. Ao serem usadas, a literatura se transforma em um caminho para o autoconhecimento. Todavia, ao mesmo tempo,  a literatura é uma chave. Instrumento inútil que não corresponde a nenhuma fechadura. Uma chave que atesta o fracasso de todas as chaves”.
            Seguindo as veredas sombrias de Franz Kafka, o narrador de Ribamar diz: “ Não chegarei a escrever o livro que escreverei”. Seguem outras assertivas amargas:  “Os filhos__ como os vampiros__ sugam as forças do pai”; ou “Diz-se que eles “se identificam”, mas o que se passa é bem mais violento: eles o “devoram”.
            Assim, Ribamar é um romance amargo, profundo, caminho único de uma procura, porque “Existir é vigiar”; surge também o paradoxo: “Falamos para não falar. A língua não como comunicação ou expressão, mas como castração”; porém, “só a literatura pode dar conta” e então, o livro deve nascer, como redenção.
            “Ler é expor-se” diz o narrador de Ribamar.  Nas orelhas do livro, Gonçalo Tavares alerta: é um livro que nos interpreta. Esta asserção pode  ser ratificada em outros textos de José Castello.  Durante a leitura do novo romance de JC, aprende-se muito o que é ler, como a literatura é um instrumento que pode ser usado pelo leitor perspicaz, como um dos caminhos para conhecer a si próprio.
             Romance rico e complexo, Ribamar apresenta, todavia, capítulos curtos e de leitura agradável. A linguagem pretensamente simples e clara, é também um paradoxo. O livro, na realidade, é um caminho intrincado, trágico, labirinto onde o leitor ingênuo  pode mergulhar em dúvidas abissais, sem respostas, nos emaranhados silogismos perigosos, quando tudo pode ser falso ou verdadeiro.
            Sempre que se lê José Castello, a sensação é semelhante. Ele mais  suscita questionamentos que os responde. No entanto, sai-se enriquecido da leitura. Contudo, ao comentá-la, tem-se a certeza de que só se arranhou um tesouro precioso. Boa literatura é assim: atraente, mas frustrante, porque se percebe que a sobra é um feudo cerrado.
            Comprovando isto, basta ler o final do romance    Ribamar. Pura ousadia, com ricas interpretações que nos lançam nas mais variadas
 elucubrações.



3 comentários:

  1. Cara e magnífica escritora

    Morávamos na mesma cidade, mas não nos encontrávamos.
    Eu bem a conhecia através de seus escritos, sua figura impoluta, altiva, bela.
    Vi-a por diversas vezes. Jamais de ti me aproximei.
    Uma delas junto ao meu escritor predileto - Moacyr Scliar.
    Compartilhávamos o mesmo questionamento: - por que uma mulher a escrever a Bíblia?
    Agora é Ribamar que nos aproxima.
    Um autor que ao escrever de si, é de mim que está a escrever.
    Loucura? Não creio. Encontros soa mais simpático. Possíveis sim através das "penas" que passam encontrar almas que não pequenas. Meu poeta, sempre presente.
    Mas aqui é a você que falo.
    Rendi-me aos teus alinhavos.
    Eles teceram em mim "enigmas" a decifrar.
    Mesclaram-se ali personagens numa travessia que eu buscava percorrer.
    Meu pai, homem de "poucas palavras".
    Uma filha que almejava ser encontrada por seu pai.
    Um pai sábio que tinha pleno entendimento de que "não se pode modificar um filho".
    Já não se pode apartar o autor do leitor, porque "não é o autor que escreve um livro, mas o leitor" - diz José Castello - e me leva às lágrimas.
    Mas afinal "como ler um homem?" que passou a vida a buscar conhecer vultos históricos, a pesquisá-los, a retratá-los em obras, mas que ao menos buscou adentrar o universo de uma filha presente que ansiava desvendar-se a ele?
    Há diferença entre o autor e a leitora? Agora quem escreve? José Castello, ou Inajá.
    Estou a ler o livro, mas é o livro que me lê. Que me questiona. Interroga meus passos. Interpreta-me em alinhavos. Chuleia retalhos puídos, deixados aos cantos.
    O livro se tornou parte integrante dos meus dias.
    Ao lê-lo não mais consigo ver o autor, mas sou eu que estou a escrevê-lo.
    Belíssima indicação.
    Literatura que vem se irmanar às linhas cibernéticas. Proporciona alinhavos outros.
    Rico espaço que nos permite colocar vidas em tantas vidas.
    Sei que voltarei.
    O livro não me tem sido leitura corrente, mas um estudo. Um desvendar de experiências comum. Um encontro entre personagens que, embora distantes e desconhecidos, tem tanto em particular.
    Rica informação.

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  2. Querida Inajá,
    Penso que José Castello ficaria muito feliz de ler seu comentário sobre o romance Ribamar. O escritor sempre se realiza quando se dá o encontro de seu livro com o leitor arguto e sensível, que capta as mensagens, que se identifica com seu texto. O leitor e a realidade do texto. É sempre um grande mistério. Quando se dá a identificação de quem lê e o livro lido, algo belo acontece. Assim, não se sabe quem lê quem. Já me aconteceu e a você também, tenho certeza, de uma pessoa dizer: Amei seu poema! Parece que ele foi escrito para mim. Foi e não foi. A Literatura é um caminho mágico onde os seres humanos se encontram e se reconhecem.
    Abraço e muito carinho, amiga, irmã.
    Ely

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  3. Querida amiga. Amada poetisa brilhante
    Esses momentos tem sido magníficos para meu viver literatura.
    Eu jamais quis ser escritora. Meu pai o era. Um escritor diferente. Historiador. Pesquisador. Ante suas dificuldades, eu buscava me apartar das linhas, mal percebendo que elas me apartavam dele, ao mesmo tempo em que me escreviam "através dele". Estranho, mas tão real.
    Agora você. Encontro mágico que a literatura pode proporcionar.
    Penso sim me aproximar de José Castello. Estou a escrever muito mais do que o comentário que se lê. Ribamar tem desvendado um universo que eu jamais julgara adentrar - os calabouços do relacionamento entre pai e filha.
    Não é em vão que o prêmio lhe fora outorgado. Sei que a obra pode alcançar muitas Inajás. Muitos filhos em busca de seus pais.
    Obrigada querida pelas palavras. Minha irmã na paixão pelas letras. / Inajá

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