segunda-feira, 23 de julho de 2012


RECADO
                
                 Na semana passada eu te escrevi,  enfatizando a tua importância e mostrando-te que nada teria sentido, quando escrevo, sem ti. Tu és meu co-autor, meu comparsa. Hoje, no entanto, eu te falo como a um irmão, meu sósia, xerox que somos de alma, de fraquezas e de grandezas misturadas, fazedores de sonhos, perdedores de ilusões, mal informados na arte de viver, na qual somos jogados como em uma louca partida, sem mesmo conhecer as regras do jogo, a arbitragem, limites do campo, o tempo disponível e se há possibilidade de prorrogação.
                    EU sou TU, Tu me és, como diria Clarice Lispector. Se não acreditas, desarma-te, esconde tuas garras e tuas tramas, tira todas tuas máscaras habituais e responde: 
                 _ Nunca te sentiste inseguro, vendo o mundo como um quebra-cabeça sem matriz e de onde roubaram algumas peças?
                 _ Não foste, na adolescência, uma sarça ardente de sonhos, um vulcão de entusiasmo, acreditando que o mundo ali estava para ser conquistado?
                  _ Não te alimentaste do fervor e do fogo com o primeiro amor, para vê-lo logo após te fugir das mãos, como areia em ampulheta maldita?
                  _ Não fremiste com o primeiro beijo, o primeiro carinho, trilha encantada e depois perdida para sempre?
                _ Não foste um Sísifo rolando eterna pedra, construindo castelos de sonhos que eram derrubados pelo tempo?
                _ Nunca andaste sob as estrelas, pelas madrugadas, cego pelas lágrimas que te escorriam pelo rosto?
                 _ Jamais foste traído pela pessoa querida, pelo ente amado, em quem punhas todas as tuas esperanças?
                  _ A vida não te pregou peças, atrapalhando teus planos, frustrando tuas expectativas, fazendo-te de bufão, quando o teu papel era de rei?
                 _ Tu não juraste jamais te apaixonares de novo, quando teu amor morreu, e te viste, de repente, outra vez, inexoravelmente louco de paixão?
                 _ Não prometeste ser forte, heróico, perfeito e sem explicação alguma foste arrastado pelas tuas fraquezas?     
                 _ Não bateste no peito, mil vezes, “mea culpa”, “mea culpa” e de novo teus velhos pecados te possuíram, com fatídica renitência?
                 _Não disseste, apaixonadamente, “Eu te amo para sempre!” e, em um átimo, já havias esquecido a promessa?
                 _ Teus lábios não disseram tantas vezes “sim”, quando teu coração negava, ou tua boca não pareceu mentir o que deveras sentias?
                 _ Não tiveste, como o Cristo, o teu Gólgota?
                 _ Não sentes, ainda hoje, apesar de todo o Absurdo, uma obstinada Esperança?
                 _ Não continuas servo da Morte, todavia um amante pertinaz da Vida?
                  Se nunca experimentaste isto, se jamais conheceste esta rota, se achas que digo loucuras, se és diferente, então vai embora, teu lugar não é aqui. Não és um ser humano.
                  
                    

10 comentários:

  1. Querida Ely,

    Concordo plenamente com tudo o que você escreveu!

    Não vejo sentido em vivermos isolados, eremitas urbanos.

    Muitos, hoje, reclamam de solidão, de não serem compreendidos, de estresse, depressão... Cada caso é um, mas percebo que a maioria é que se fecha, se isola... Sempre o Medo? De quê? Do outro? Ou de si mesmo?

    Refletindo sobre as indagações no seu texto, vejo que nos meus 43 anos já passei por todas. Sofri, isolei-me, anestesiei-me quatro anos com Prozac... Mas, graças aos céus, a mim, a familiares e amigos queridos, amadureci e me fortaleci!

    Há anos não sinto mais nenhum vestígio de depressão e solidão. Quando fico ansioso, faço uma caminhada, uma sessão de reiki, trabalho mais, amo mais...

    Entreguei-me resoluto ao Amor, a Deus, a Mim, ao Outro, a Você, à Vida...

    Beijos,

    Márcio.

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  2. Ely, gosto muito deste seu conto: "Os Girassóis de Girona", do livro homônimo! Aqui vai um fragmento:

    "A alma está leve e, de repente, passa por uma incrível magnólia florida com exagerada abundância. Agradece o presente. Renasce a alegria. Poucos quilômetros depois, um bosque verde e fresco de robles enche-lhe a alma de encantamento. Eles são mais belos que suas queridas tílias de Coimbra. De uma arrogância fálica, arrojam-se para o alto, em vigorosa conquista. É a vida!"

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  3. Querido Márcio,
    O texto Recado é meio mágico. Muita gente telefonou, mandou recado, disse que havia amado o texto. É simples: ele é universal. O ser humano é muito parecido em essência. As pequenas diferenças são acidentais. Só me preocupa é a cegueira humana, gente que troca valores, não pressente o verdadeiro, o importante, fica preso ao passageiro, ao efêmero. A vida é uma lição eterna.
    Beijos.
    Ely

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  4. Eu sou tu, tu me és, eterna Clarisse.Fomos ao museu da Lingua Portuguesa, eu e a minha filha,num domingo chuvoso. O museu estava cheio, com muitas excursões.Comovente. A exposição era muito boa, interativa. Ao final comentei com ela:o que diria a professora Ely se ela estivesse aqui?

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    1. Querida Jacy,
      Tudo me parece bizarro. Para mim, a Jacy será sempre a encantadora adolescente, estudante, alegre, cheia de sonhos. A MÃE Jacy vem em segundo plano, mas como em um quadro moderno, à frente está a jovem. Esta é uma realidade imutável. Não sei bem que idade você tem agora. Para mim, terá eternamente quinze, dezsseis anos. Os alunos não envelhecem jamais!
      Volte sempre. Por detelhes do seu comentário, vejo que gosta de escrever. Isto é ótimo.
      Beijos.
      Ely
      Beijos.
      E

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  5. Ely, se eu não existisse eu faria falta?
    Tropeços, dissabores, ascensão, queda... . Quem um dia não os teve?
    O ser humano é forte. Não desiste.
    Assim como ninguém ouviu dizer que uma biblioteca tenha sido saqueada, acredite sim que tenha existido uma tribo de um índio só (exceção a parte), a minha. Talvez seja em forma de um solilóquio ou standup. Ou a tribo da contramão.
    Logo cedo, com sete anos de idade, comecei a servir à família. Sobrinhos para cuidar.
    Aos vinte, mãe doente para assistir.
    Aos trinta, pai viúvo para compensar.
    Aos quarenta, marido dezessete anos mais novo para cuidar.
    A moda da época? Avental.
    A música? Canção de ninar.
    O calçado? Sandálias para não cansar.
    Festas? Aniversários de família.
    Se de um lado há quem creia que nada tem a ver com nada, do outro há um processo mais amplo e envolvente: o de servir!
    Solidão? Nunca! Apenas uma vontade de enxergar a janela do meu próximo. Prestar atenção se no patamar de sua casa eu poderia me ancorar. Torná-lo excelência para partilhar.

    Um grande abraço de Aparecida

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  6. Minha querida, minha querida!
    Jamais pensei que você tivesse tido uma vida tão dura. Hoje á uma mulher notável, sensível, alegre (ao menos, aparentemente...). Será que o sofrimento, as obrigações desde muito cedo, tudo não terá contribuído para a formação da criatura incrível que é hoje? A vida é bizarra. Os desígnios de Deus também. Sua relação com ELE é boa? Já fui muito católica, comentarista de missas. Hoje sinto uma religiosidade mais abrangente, mais profunda. Nunca rezei tanto, nunca senti Deus, o Cristo, os Santos, tão perto. Converso com ELES olhando o céu, as flores, os pássros. Sinto-me profundamente em paz.
    Beijos.
    Ely

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  7. Há muitos aleijões morais. Talvez mais que carnais.
    Se o homem tivesse um cêntimo de amor por Deus, deixaria para trás todas as mazelas que contempla.
    Confesso que eu o temo! Mas é um temor benigno. Eu copio e colo, uma semelhança quase que imperceptível.
    A minha intimidade com Deus é explícita. Busco-o em toda sua vertente conservadora. Deslizo meu olhar na figura de Cristo como Pedro Sarubbi o fez quando protagonizou Barrabás, no filme “A Paixão de Cristo”. Degusto do seu vinho na mais límpida das taças humanas. Não me embriago, apenas corrijo os meus pecados. Minha cruz é light. Não pesa nos ombros. É própria para uma aquariana da década de quarenta!!!
    Deus em seu julgamento não nos pune, apenas nos dá oportunidades. ELE quer resgatar seus filhos, trazê-los para junto de si e transformá-los em pessoas melhores.
    Esta é a minha relação com ELE.

    Abraços de Aparecida

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    1. Minha querida,
      Admirável sua fé de carvoeiro, forte, inquebrantável. A minha não é assim, mas frágil, questionadora. Já briguei muito com Deus, quando desgraças caiam sobre mim. Não gosto de Jó, que tudo aceita, de sua passividade. Aí conheci Habacuc, o profeta que tudo perquire, chega chamar Deus às falas...
      Mas cada um deve vir com sua essência e ELE deve permitir isto.
      Beijos.
      Ely

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  8. Maria Aparecida Pimenta de Carvalho31 de julho de 2012 às 18:00

    Querida prima, como vai vc, maridão e as priminhas pets, nós estamos bem graças a Deus.
    Bom, o texto do seu blog, o Bilhete, é brilhante, lindo, mostra todas as fraquezas humanas, todos os motivos que nos deixam felizes ou extremamente frustrados e infelizes . O emprego da segunda pessoa do singular deixou melhor ainda a sensação dessa proximidade mágica entre leitor e escritor, o artista e seu público. Eu sou, tu me és...
    Ely, agora são férias, as pessoas viajam, às vezes é isto que anda acontecendo, não se preocupe. Acredito também, que pode ser que não tenham costume de postar comentário em blog, às vezes até inibição, sei lá.
    Bom, e quando você vai fazer o seu facebook para poder publicar no grupo do Vilhena? Todos estão esperando, vou me despedindo com um beijo de boa noite.
    P.S. Quando fizer o face me avise, tá bom? bjs.

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