ELEGIA A UM PEQUENO
PÁSSARO
Era uma
manhã comum, tínhamos uma grande lista para concretizar em Ribeirão Preto. O céu de verão distraiu-se pensando que era primavera,
azulou, límpido e opalino, trouxe até uma brisa doce, marota. De repente vi meu
marido achegando-se, meio pálido, com um semblante muito triste. Pediu-me se
podíamos cancelar todos os compromissos. Aquiesci, mesmo sem entender. Só aí vi
em suas mãos em concha o pequeno pássaro.
Miúdo, o curió tinha a cabecinha caída
para o lado, como morto. Acontecera algo com o bebedouro, à noite, e a avezinha
estava desidratada, morrendo de sede. Tentou-se de tudo, dar gotas de água
fresca no seu biquinho, alisar-se a cabeça, o corpinho minúsculo. Em vão... Era uma fêmea, seu nome, Monumental.
Excelente criadeira, já nos dera lindos filhotes. Nós a envolvemos em papel
alumínio e a enterramos no quintal, enquanto sua alminha voou para o céu dos
passarinhos.
A vida ficou mais triste. Poucos dias
antes, um filhotinho batizado de Mandelinha, também morrera, sem causa aparente,
leve passarinho, sem mesmo pedir licença para São Francisco de Assis, que deve
ter se distraído. Comecei a pensar que por amar muito os animais, paga-se
elevado ônus. Vive-se com medo de perdê-los, principalmente os pássaros, que
são pura fragilidade.
Em 2008 lancei meu livro Replantio de
Outono, com uma enorme variedade de poemas líricos, eróticos, trágicos,
metafísicos. O livro se abre com uma trilogia, à qual dei no subtítulo de
Elegias a um Pequeno Pássaro. São três poemas, sobre três mortes de
passarinhos. Eu os amo pela sua leveza delicada e grande fragilidade. São
versos de um dos poemas: “Sua almazinha ainda / voeja, sem saber que a
liberdade foi comprada por alto preço? / No céu dos inocentes / em lugar
especial / feito de plumas e leveza / é recebida com a beleza / dos espíritos
intocados / do humano mal”.
Com
a alma acinzentada, à tarde e à noite, não consegui assistir aos jornais
televisivos. Estamos passando por uma época quando a violência acirrou mais do
que nunca. Reina um caos de mortes, assassinatos em massa, chacinas, revanches,
todo mundo teme e ninguém entende bem as causas dessa loucura, desse banho de
sangue. O mundo enlouqueceu?! Sinto-me então, mais do que nunca, vivendo em
mundo que não é o meu. Enquanto os
homens se trucidam, se massacram, eu sofro com a morte de pequenos seres, como
os pássaros. Quem perdeu o juízo?
Parei de ler jornais e de ver televisão.
Mergulhei nas obras literárias, nos livros, que sempre foram meu refúgio, minha
fuga, minha catarse. E ontem, para alegrar minha alma, a femeazinha chamada
Brisa teve dois filhotes, lindos, minúsculos, só bicos pedindo alimento. E a
esperança foi voltando, com aquelas duas vidinhas novas.
Mas
por que estou com o coração amolecido, contando coisas pessoais, que não
interessam a ninguém? A culpa é do Natal, daqui a dois dias. Neste 25 de
dezembro de 2012, eu queria mandar um recado ao Deus
Menino. Ele sabe que o mundo e o Homem foram criados com a melhor das
intenções. Se a receita desandou, a culpa não é Dele. Será que, em sua infinita
sabedoria, com o auxílio dos Santos, poderiam dar juízo aos pobres mortais, tão
desorientados, e consertarem o mundo? É presente muito difícil, inacessível?
Espero que não.
Minha querida,
ResponderExcluirContinue a contar-nos as pequenas coisas do seu cotidiano,que voce transforma em textos poéticos como esta Elegia.Não me lembro mais dos passáros que habitam por aí,imagino que as queimadas na epoca do corte da cana tenha dizimado muitas espécies.Nas ultimas semanas,de folga no litoral norte, alimentei os passaros da mata atlantica e li Marcel Proust, traduzido por Mario Quintana. Não sei o que me deu mais prazer.
Beijos.
Jacy
Ah, doce Jacy! Às vezes me pergunto se você é real ou uma personagem de algum bom autor. Suas predileções, seus prazeres, tudo é de gente sensível, não deste mundo gauche. Aprendo muito sobre pássaros, principalmente sobre curiós, com meu marido, que os conhece bem há quarenta anos, ou mais. Diz ele que os Oryzoborus Angolensis, os curiós, que na linguagem indígena quer dizer Amigos do Homem, só poderão subsistir, se criados em cativeiro, com anilha, nome, certidão de batismo, rações especiais e muito amor. Os dele são assim, oficialmente catalogados pelo Ibama. Onde moramos, há muitos pássaros, lindos, variados, coloridos. Amei falar com você.
ExcluirBeijos.
Ely
Aliás estamos constantemente digladiando com os inversos das situações.
ResponderExcluirDe onde vem tanto desamor?
Por que sua expansão é rápida e repetitiva?
Por que essa fácil disseminação se propaga e deixa vestígios de maldade?
Será que os homens são fáceis de se deixarem levar ou sua estrutura é débil demais?
Talvez a reprodução do desamor seja o motivo do aumento dos problemas de cada um, e ninguém procurando situações para atenuá-lo.
Estamos precisando mais conjugar o amor fraternal!
Alguns pontos de discordância entre os homens desfilam mundo afora. Alguns tomados pela avareza, ciúmes, desamor, insensibilidade vão contabilizando em suas próprias vidas, valores contrários à evolução humana. É um torpor permanente.
É preciso sair da cegueira. Deixar a luz da prudência germinar para uma colheita coletiva.
Abraços de Aparecida
Minha querida,
ExcluirEm seu comentário há frases lindas, com verdades incontestáveis. Mas, como sempre, soluções concretas para problemas complexos, tudo é meio utópico. Há mais de dois mil anos, Jesus tentou ensinar tanta coisa e pouco restou de seus ensinamentos. O mundo continua cada vez mais abjeto, terrível, violento. Espero que você, criatura iluminada, tenha um 2013 muito feliz, repleto de realizações, saúde, paz e muito amor.
Beijos.
Ely