sábado, 28 de setembro de 2013

FLUK

FLUK

FLUK era um gnomo como todos os outros, pequeno, insignificante, com três opções a escolher: guardar os tesouros do interior da terra, tomar conta de uma árvore ou ser guardião de uma roseira. Desde que o mundo é mundo, foi assim e ele devia dar-se por satisfeito: há criaturas que têm uma só opção, outras nenhuma. Mas Fluk não obedecia às leis naturais, só gostava do que não devia, não optou por nada quando completou a maioridade. Passava seus dias a ocupar-se de coisa nenhuma: olhar sua cachoeira que despencava lá do alto em branca espuma rendada, sentir o perfume das flores, vê-las abrir de manhãzinha.
Preferia observar os pássaros no amor, esfregando os biquinhos e roçando as penas macias dos papinhos coloridos, ver borboletas amarelas se amando sobre os roseirais. Era um romântico. Sentia-se só e o coraçãozinho apertava: a vida deve ter um sentido maior, cada criatura vem assinalada para uma grande missão. Qual a sua?
Cismava. Guardar tesouros, ouro ou diamantes, esmeraldas, rubis, safiras, pedras frias que não serviam para nada? Tomar conta de uma árvore frondosa, cheia de si, que não precisava de ninguém? A roseira tinha seus espinhos que a protegiam. E ele viera ao mundo para que? Por que a ânsia, aquela certeza de que algo ainda aconteceria?
Andava assim pelos caminhos, absorto, infeliz, esperando. Olhava as formigas e admirava sua faina incansável, tão ordeiras, obcecadas com o trabalho, carregando inacreditáveis folhinhas verdes para um futuro incerto. As abelhas eram lindas, as habilidosas obreiras ou operárias descendo no coração das flores, sugando o néctar, recolhendo nas patinhas o pólen, executando a dança quando regressavam às colmeias. Odiava a regalia, a imponência da rainha, invejava os zangões, que eram capazes de morrer por amor, no voo nupcial.
E assim vivia Fluk, zanzando de uma banda para outra o dia inteiro, banzando na vida, ouvindo os grilos e os vagos rumores do ermo, flanando por entre as flores, mordiscando uma pétala, vagueando sobre os arbustos, perambulando entre uma espera e um vago sonho.
Um dia viu FLORA, a rainha. Era a primavera e o céu exagerou no azul. O sol doirou a Natureza, aqueceu os corações, os pássaros trinavam, chilreavam, gorjeavam, pipilavam enlouquecidos de beleza. As borboletas coloriam o ar. Ele viu Flora em toda a sua magia primaveril, esparzindo amor e ternura. Fluk descobriu para que nascera: viera ao mundo para amar Flora. Tornou-se poeta. Escrevia poemas belíssimos que o vento levava ao ouvido da Amada. Ela, encantada com as palavras que eram pura melodia, dizia: “Meu Deus! Como alguém pode amar assim?”. Fluk, aos seus pés, mal elevava os olhos, humílimo, tímido, cego de amor.
Correram os dias. Flora continuava cada vez mais bela e mais distante. Fluk percebeu então que a vida pode ser trágica e cavar abismos entre as criaturas. Resolveu morrer. Ficava horas sentadinho perto de sua cachoeira, enxugando as lágrimas com jasmins e rosas brancas. Quando seu coraçãozinho não aguentou  mais, foi para o ponto mais alto da cachoeira e saltou.
Flora passava por ali e pela primeira vez reparou nele. Estranhou que tal criaturinha quisesse morrer e logo na primavera... Quando Fluk se atirou nas águas, a poderosa deusa Flora aparou-o nas mãos e transformou-o em um nenúfar, muito branco, muito belo, que foi pousar com suavidade em um remanso. E lá ficou eternamente, qual alva ninfa sobre a flor das águas.


  

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