segunda-feira, 7 de outubro de 2013

DO SOFRIMENTO

DO SOFRIMENTO

         O sofrimento é algo inerente ao ser humano. Uma segunda pele. Criatura imperfeita, ele almeja a perfeição. Mortal, efêmero, ele sonha com a eternidade. Bicho cheio de carências e necessidades. O sonho alimenta a alma inquieta; se não sonha, morre. Quando realiza alguma  das suas mais íntimas aspirações, logo ela é posta em segundo plano e o outro ideal a substitui, porque a alma é insaciável e sequiosa. No deserto dos infortúnios, o sonho é um  presente de grego que nasce com esse macaco glabro e bípede, que talvez  seja um desvio, um acidente de percurso da Criação, por isso é frágil e inseguro. Às vezes surge um oásis de verde alegria. Ela é sempre bela e fugaz. Por isso é que felicidade é o mais abstrato dos substantivos.
         Por que não ser simples e satisfazer-se com necessidades básicas? Companheiro(a), filhos, casa, comida, dinheiro que dê para as premências diárias. Sem isso, impossível viver. Mas por que só isso não basta? De onde vem a ânsia que não se sabe de quê, os desejos mais insólitos e inconfessáveis, a certeza de que nada poderá preencher esse vazio, a busca cega, força maior, desassossego contínuo, paz inalcançável ? Surge o sofrimento , amigo inseparável do homem. Com entendê-lo? Alguém inteligente, talentoso, profissional de renome, olha-me com tristeza e filosofa: “Sou um Ph.d. em sofrimento”. É intrigante. Quais os parâmetros que o fazem afirmar isso? O sofrimento pode ser uma carência metafísica insanável? Reconhecendo-se um ser mortal, imperfeito e efêmero, em essência, a felicidade, a alegria  tornam-se inatingíveis? Dostoievski afirmou que a maior desgraça do homem é a lucidez. Enquanto o homem cria seus mitos e doura a pílula das mazelas diárias, para suportar as incongruências da vida, o absurdo da existência humana, ele pensa que é feliz. Faz ficção, mascara a realidade, vive eufemicamente o decantado amor,  a busca pela rara paixão que os assinalados conseguem sentir, tudo são muletas, drogas para não enlouquecer.
 Os chamados realistas criticam o amor-mistério, da cavalaria, herança de Camões, que depois passa pelo resgate de Hollywood, com Casablanca, e desemboca nas novelas da Globo; é amor- ilusão, de pseudo-adulto, que ficou emocionalmente entre a adolescência e a idade madura, sentimento que não resiste à aspereza da realidade do mundo moderno. São posicionamentos diversos. As relações dos seres humanos são complexas demais para serem rotuladas.
         Ora, o que se pode fazer é tentar compreender a complexidade humana.  Parafraseando o grande poeta Cassiano Ricardo: Desde o momento em que se nasce, já se começa a sofrer. Se a vida é luta, busca incontínua e vã para se conquistarem prêmios efêmeros, como coabitar com a lucidez, ter sempre a tristeza como parceira, não se desesperar? O homem reinventa a vida, com suas verdades, ainda que falsas, pesquisa, lê livros imbecis de autoajuda (só se fossem escritos por Deus, sapiência suprema), enfim, criam uma realidade insuportável e acaba, às vezes até nas suas ficções.

         Enfim, o que é sofrimento? É algo inerente, intrínseco ao homem. Talvez a felicidade, seu antônimo, seja conseguir driblá-lo, durante toda a vida. Não são importantes as armas escolhidas para essa luta terrível. O resultado é o que conta.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Como sempre, belo texto !
      Sofrer é julgar o presente, muitas vezes um mal presente. Muitos cheios de razões, julgam que a vida caminha para o fim de tudo, e nascer começo de nadas, que belo resultado. Um presente desembrulhado, e sem nada no pacote! Resultado da inteligência criadora ??

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    2. Élvio Antunes Arruda,
      Pelo belo comentário, sensível, com lindas metáforas, nota-se que você gosta de escrever. Acertei? Já publicou algum livro? Visite sempre meu Blog. Será um prazer.
      Ely

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