domingo, 8 de dezembro de 2013

A ÚLTIMA COLHEITA

A ÚLTIMA COLHEITA
                
                 Sempre acontecem mortes inesperadas e prematuras, de gente famosa. Embora isso aconteça muito, o fato nos leva a fazer algumas reflexões. A imprensa escrita já veiculou questionamentos insólitos a pessoas importantes, sobre “o que você gostaria ainda de fazer, antes de morrer”. As respostas foram variadas, algumas inteligentes, outras óbvias. Na realidade, ninguém está pronto para a última viagem. E mais: o que é estar pronto?
                 O ser humano, quando teme ou não entende um mistério, brinca com ele. A inexorabilidade da morte provoca isso. Muitas vezes não se pensa muito nesse incômodo encontro marcado, para o qual não há justificativa da ausência no dia, data ou local, não se pode aventar motivos circunstanciais a fim de não receber  a indesejável visita. Muito pertinente o epíteto (ou eufemismo?) dado à morte, por Manuel Bandeira, no poema “Consoada”: A Indesejada das Gentes”. Com sua poesia objetiva, podada, enxuta, ele parece exigir, aparentemente,  pouco do homem, para o último desembarque.       
                 Voltemos, no entanto, à questão proposta na mídia. Um psiquiatra famoso relatou algo interessante: Muitas vezes, antes de partir, o doente terminal experimenta momentos de lucidez. À pergunta: “O que você desejaria ter feito, ou tido na vida?”.  Noventa por cento (grande porcentagem) respondiam: Queriam ter vivido ou viver ainda um grande amor. Isso faria tudo valer a pena. Parece estranho, mas o momento culminante da partida exige acuidade aguda para os valores, muitas vezes invertidos. Querer fortuna no final? A Barca de Caronte, no rio Aqueronte, não cobra passagem e Cérbero, guardião dos Infernos (ou São Pedro...) não é corruptível. Na verdade, no final do espetáculo da vida, (pelo menos nesse momento), o homem deixa de ser tolo, iludível, esquece-se do poder, não quer ser Midas, volta para o essencial, para algo sem peso, indelével, intangível, valioso e eterno, que pode ser moeda forte e oficial no outro lado. Foi bom, amou. Acrescentou algo à Criação. Isso parece ser um passaporte seguro.
                   Seria cauteloso fazer certas exigências. Pedir uma saída rápida, preferencialmente indolor, inesperada como os grandes presentes e surpresas boas. Ver mais uma vez alguns amigos queridos, que se desgarraram na nossa história, perderam-se e hoje parecem personagens de ficção. E um desejo maior, mais valioso, mais belo. Experimentar o gosto agridoce de uma paixão. É belo apaixonar-se.  De repente, a figura do ser amado, como regente exímio, realiza o grande concerto harmonioso da Sinfônica de nossa vida. Sentimo-nos deuses, privilegiados, ganhamos asas, a cosmovisão se aguça, somos capazes de ver além. Há belezas até nos terremotos que a alma experimenta, alegria e tristeza, felicidade e tormento alternam-se sem nenhuma lógica. As lágrimas fáceis brotam, misturando-se ao riso, a lucidez desaparece e a alma alimenta-se apenas da presença ( ou até da ausência ) do Amado. Sentimo-nos felizes e desgraçados, amargos e eleitos. A morte? O que é a morte, depois de que se experimentou o paraíso? O prêmio maior, quando já se teve uma grande paixão, é que se pode levar conosco, para o outro lado, todas as sensações vividas, cada momento único, palavras trocadas, carinhos, lembranças preciosas, intransferíveis, tesouro imensurável, totalmente ao portador.

                   Como se vê, a enquete, que parece aleatória, é muito interessante. Um bom momento para se fazer balanço: como anda sua escala de valores? Será preciso chegar o momento final, o Grande Encontro, para que pense em algo tão importante? O que você pretende realizar, antes da colheita derradeira?

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