domingo, 6 de abril de 2014

MEUS OITO ANOS

MEUS OITO ANOS
       Sempre me fascinaram as diferenças de opções, gosto e maneiras de ser dos seres humanos. Isso enriquece a vida, dá mais sabor. Por isso, citemos a famosa frase francesa: Vive la différence!
          O título acima, no entanto, não fala dos versos de Casimiro de Abreu, poeta romântico, de um lirismo leve, de adolescente. É um poema famoso, recordando sua infância, “os tempos que não voltam mais”... Um dia desses, assim, não mais que de repente, pus-me a fazer um balanço de quando, em minha vida, fui mais feliz e o porquê. O resultado da pesquisa pessoal e muito íntima, surpreendeu-me.
          Não foram os primeiros anos, na peq uena cidade mineira onde nasci, nem a adolescência e mocidade, em Ribeirão Preto, os quatro anos de Faculdade, em Belo Horizonte, os passeios por todo o Brasil, com meus colegas universitários, um ano morando em Paris e depois, quando fazia inúmeras viagens em toda a Europa. Por que a certeza de que aos oito anos, em um ano apenas, quando vivi em uma fazenda no Morro do Ferro, tudo me encanta até hoje?
          Como para se olhar uma pintura, um quadro, tem-se que fazer um afastamento, para ver as minúcias, os pequenos detalhes, distancio-me dessa idade, focalizando-a. A menina que contemplo não tem nada a ver com a mulher de hoje. Os cabelos lisos, quase loiros, de um castanho muito claro, vão soltos, até a cintura. Usa às vezes calças compridas, ou vestidos folgados, que não atrapalham os movimentos.
          Levanta-se muito cedo, antes de clarear o dia, para ver a mãe trançar massas de rosquinhas, sobre as quais, antes de irem ao forno, ela as pincela com gema de ovo. São para vender no armazém de seu pai, ali perto; ela faz também queijos macios, cheirosos, muito brancos, em formas altas, com o leite das vacas da fazenda. Depois, a menina sai correndo,  para se encontrar com os amigos, uma penca deles, filhos do empregado. Tudo é alegria e surpresas inesperadas, nos passeios pela redondeza, pulando o riacho lá no fundo, correndo, fazendo traquinagens.
          Na hora do almoço, o ritual era sempre o mesmo: enchia o prato com arroz, macarrão, batata e frango e ia trocá-lo com os meninos do empregado. No deles, o arroz e feijão atraiam e era bom comer com eles, depois da negociata. Analiso-me. Nunca mais senti uma amizade tão sincera. Desconhecíamos a falsidade, a maledicência, a intriga. Era um  sentimento sincero e fraterno que nos unia.
          À tarde, não era tão divertido: frequentava-se a escolinha rural, com o professor Sancré, muito velho e distraído.  Éramos umas vinte crianças. Para ir “ao banheiro”, eufemismo da casinha de madeira, ao lado da escola, com um caixão sobre a fossa e um buraco no meio, onde se sentava, havia um ritual. Para obter licença “de ir lá fora”, pedia-se ao professor e virava a folhinha na parede. Três ou quatro de nós tripudiávamos com a senha e ficávamos mais de meia hora, brincando na redondeza.
          Eu ganhara uma eguinha castanha, de crinas aloiradas. À tarde, eu montava-a em pelo, sem arreios e corria pelos pastos, cabelos soltos ao vento, com meus dois cães queridos, Bonifácio e Negrinha, correndo atrás,  barulhentos, latindo de alegria. Em que tempo longínquo, no passado, onde está aquela menina ingênua, que não conhecia perdas, mortes, os alçapões da vida?
                    Entendi então, por que nos meus oito anos eu era intensamente feliz, um sentimento puro, céu sem nuvens:  inocência diante do futuro, do amadurecimento, das obrigações, das decepções e dores–porque  amadurecer dói; e principalmente uma sensação de euforia, da grande liberdade

que fazia minha alma criar asas... 

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