domingo, 8 de janeiro de 2012

MEUS DOIS AMORES

MEUS DOIS AMORES
            Há uma relação mágica entre mim e os cães. Quando me perguntam qual raça prefiro, não titubeio: é a canina. Todos, fidalgos, refinados, com pedigree, vira-latas, grandes e pequenos. Meu coração se enche de ternura, quando os vejo, quando toco neles. Se estão na rua, magros e abandonados, sofro horrores.
            Acredito na filosofia de grandes pensadores: pode-se conhecer a cultura de um povo, pelo modo como ele trata os animais. A minha, irrefutável; Jamais confie em quem não gosta de cães. O perigo é saber quando alguém maltrata um  cão, ou o mata estupidamente.  Meu espírito cristão desaparece, lanço pragas, desejo os piores horrores aos monstros pretensamente humanos. Deve haver um inferno especial para os assassinos de cães. Deus é justo. O castigo cairá sobre eles, de maneira violenta.
            Diante de notícias e ações horrendas, de quem tortura, enterra cães vivos, viro um Habacuc moderno, perquiro Deus com veemência sobre  o que Ele fará aos carrascos. Inacreditavelmente, viro adepta da Lei de Talião e tudo que o Cristianismo prega, sobre aceitação, perdão, desaparece. Estas ações vis, abjetas, me fazem perder o raciocínio, ou qualquer laivo de compaixão.
            Desde criança, sofri por causa de cães. Conheci a dor e a morte, com as perdas, como um preâmbulo do lado negro da existência. Romi foi atropelado por um bêbado, Negrinha, por um assassino no volante, Joíta despareceu em uma trágica madrugada, Napoleão morreu de tristeza. Coisas de pequinês sensível. Enterrei-o no jardim. Sobre o pequeno túmulo nasceram flores alvas, regadas por minhas lágrimas.
            O ser humano não aprende. Por que, com quase setenta,  fui até Altinópolis, no famoso canil, comprar as duas irmãzinhas labradoras? Pequenas, cor de chocolate, com belos olhos verdes. A raça tem fama: são animais dóceis, amigos, carinhosos, inteligentes. Por isso se tornam cães guia, ou auxiliares contra o crime e/ou resgatando vítimas nas grandes catástrofes. Esta raça é uma bênção de Deus.
            Meu amor exacerbado pelos cães é antigo. Quando criança, aos oito anos, passei por uma casa do bairro e vi uma cena terrível: um garoto de minha idade fechara o portão, prendendo um cãozinho e dava-lhe porretadas. Arranquei o bastão do menino e  moí  o monstrinho de pauladas. Diante dos xingamentos da mãe, peguei docemente o pequeno cão nos braços e saí f feliz, justiceira. Nunca me arrependi do ato. Eu o faria de novo.
            Hoje, meus filhotes parecem dois belos pumas. Beleza e doçura. E como diz Manuel Bandeira: “E quando eu estiver mais triste / Mas triste de não ter jeito / Quando de noite me der / vontade de matar”, minha Pasárgada são meus dois amores: abraço minha labradoras, anjos de bondade, tento me acalmar. Seus olhos verdes, seus carinhos, as carinhas de criança, só pureza, tudo é um antídoto contra o veneno da maldade humana.
            Não sei como compensar sua fidelidade, seu amor incondicional. Nós, seres pretensamente humanos, somos muito imperfeitos. É verdade que já fiz um poema dedicado a elas. Mas é pouco, muito pouco. Elas me olham,  lambem-me as mão, compreendem tanta fraqueza. E perdoam.
 Fico então em paz com a vida e com Deus.
       

7 comentários:

  1. Então Ely, esses doces olhares nos alimentam...e como!

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  2. "Os cães são o nosso elo com o paraíso. Eles não conhecem a maldade, a inveja ou o descontentamento. Sentar-se com um cão ao pé de uma colina numa linda tarde, é voltar ao Éden onde ficar sem fazer nada não era tédio, era paz." (Milan Kundera)

    Quando você chegar em casa cansado, estressado com problemas financeiros, trânsito caótico, filhos-problemas, BBB-12 começando, novelas destruindo os bons costumes, pênalti roubado, chefe mal-humorado, anos roubados, sogra chegando para passar as férias, falta de energia elétrica na hora do Corinthians jogar, nenhum email na caixa de entrada, ou crédito do celular esgotado, não se preocupe, seu cão estará lá, nada questionando, farejando seu humor e dando voltas de contentamento. O carinho é tanto que em poucos minutos você estará refeito com as semelhantes doses de endorfina.

    Aparecida

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  3. Aparecida, minha querida,
    No seu comentário há uma bela citação de Milan Kundera e, logo abaixo, você dá uma lição perfeita de texto sintético, no qual você resume quase todos os infernos diários. Genial!
    Beijos.
    ely

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  4. Querida Aninha!
    Maravilha! Você aprendeu o caminho de casa. Espero que continue me visitando sempre, com sua inteligência e sua sensibilidade. Doce Psicóloga, conheço seu amor imenso pelos cães e gatos. Deus deve gostar muito disto.
    Beijos.
    Ely

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  5. Querida Ely,
    Belo texto! Sentimento sublime...
    Gosto muito da frase de Artur da Távola:
    "Animais são anjos disfarçados, mandados à Terra por Deus, para mostrar ao homem o que é fidelidade".
    Beijos,
    Márcio.

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  6. Meu querido,
    Repito sempre: Não confie em quem não ama os animais. Seu caso é outro. Você os respeita, apesar de nunca ter tido um cachorro...Aliás, você e o Artur da Távola são ótimos: inteligentes, sensíveis e escrevem muito bem. Deus os proteja!
    Beijos.
    Ely

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  7. Ely, e os olhos, melhor, o olhar de um cão! Impagável! Queria falar de seu texto. Não vou falar. Fico apenas no "olhar de um cão" para não conspurcar a beleza da ideia, o lirismo do sentimento.
    Bjs do Waldomiro

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